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2 HISTÓRIA DE VIDA E PERCURSO FORMATIVO E PROFISSIONAL: A MOTIVAÇÃO

2.2 FORMAÇÃO E EXPERIÊNCIA NA UNIVERSIDADE

A minha graduação se deu na Licenciatura em Geografia, na antiga Unidade Universitária de Formosa, hoje Campus Formosa da Universidade Estadual de Goiás – UEG.

Nesse período, aprendi muitas coisas e pude desenvolver e aperfeiçoar diversos hábitos e habilidades, entre eles, a leitura. Infelizmente, como ocorria na Rede Estadual de Educação Básica, a Rede Estadual de Ensino Superior também apresentava diversas falhas em questões de infraestrutura, falta de concurso público, desvalorização do professor universitário e excesso de professores temporários que impactavam diretamente no tripé universitário ensino, pesquisa e extensão.

O primeiro ano da faculdade foi repleto de descobertas, entre elas a de que a Geografia que viria ali poderia ter pouco ou quase nada de conexão com a Geografia que havia visto em sala de aula nas minhas trajetórias escolares. Inicialmente, demonstrei maior interesse por disciplinas acadêmicas do que escolares, dado ao próprio contexto de valorização que o curso desenvolvia para uma formação mais técnica, mesmo estando em um curso de licenciatura.

No final do segundo semestre, mesmo não sabendo qual eram os caminhos a serem trilhados, estávamos na universidade em diversos sábados à tarde e à noite, eu e dois colegas de curso (Hugo e Rithiele), pensando naquele que seria o nosso primeiro projeto de pesquisa.

Tratava-se da espacialidade do estigma social do Vírus da Imunodeficiência Humana – HIV/

HIV/ Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS, no município de Formosa-GO.

Fizemos diversos estudos bibliográficos e chegamos a produzir um elaborado questionário a ser aplicado em duas escolas do município. Devido a diversas demandas, acabamos nos envolvendo em outros projetos e esse trabalho final acabou não ocorrendo, mas o esforço e as aprendizagens de pesquisa foram úteis para os pesquisadores que nos tornamos posteriormente.

Mesmo com as dificuldades apresentadas, consegui desenvolver uma relação mais topofílica do que topofóbica com o curso. A diversidade de abordagens e leituras, a liberdade que as saídas de campo me ofertavam, além das metodologias e linguagens espaciais que faziam com que cada descoberta realizada fosse, também, uma descoberta que falava muito sobre mim e o mundo que estava sendo desvelado. A Geografia, por meio das saídas de campo, me convidava a conhecer melhor a minha cidade, sua vegetação e clima, bem como outras unidades geográficas (Estado de Goiás, Distrito Federal e outras unidades federativas como Rio de Janeiro Maranhão). Acredito que tenha sido essa a principal contribuição da Geografia em minha vida, o olhar e a análise dos aspectos da realidade sob a égide do sistema de pensamento da Geografia e do avanço do estágio de consciência da espacialidade das coisas, ambos sempre em processo de aperfeiçoamento.

Tive a oportunidade de estagiar na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Cerrados, no segundo semestre do primeiro ano de curso e por lá fiquei um ano e oito meses. A minha área de estágio era a de recursos hídricos, mas estabeleci contato também com outras áreas como pedologia, climatologia, geoprocessamento e agronomia. O estágio foi muito relevante, pois foi a primeira inserção em um meio profissional de pesquisa. Ali pude me identificar como pesquisador e iniciar o meu processo de construção de minha identidade de pesquisa, inclusive por meio de processos com os quais não me identifiquei. Nesse período, nas horas do estágio e no tempo livre, pude desenvolver melhor os meus conhecimentos mais próximos à Geografia física e ao Cerrado. Por meio desse estágio, realizei a escrita e a apresentação do meu primeiro resumo em um concurso de Jovens Talentos. Posteriormente, o transformei em um resumo expandido, que foi apresentado no Evento anual da Sociedade Brasileira para o Progresso na Ciência - SBPC. Esses acontecimentos foram extremamente importantes para minha inserção na ciência e, nesse contexto, para minha produção científica.

Do primeiro resumo ao primeiro artigo, foram dados diversos passos. Posso lembrar o quanto são pertinentes as palavras de Freire (1991) ao dizer que se aprende a nadar, nadando e a escrever, escrevendo. Lembro que foram passos dados em um ambiente universitário pouco produtivo academicamente e no qual a ciência era vista como um privilégio para poucos na academia. Muitos trabalhos foram desenvolvidos em parceria com dois colegas de curso e um amigo que estudava biologia em outra instituição pública da cidade. Não era comum os estudantes produzirem e publicarem seus trabalhos em eventos científicos e revistas acadêmicas. Na verdade, não sabíamos que poderíamos ter esse espaço. Descobrimos com diversos trabalhos rejeitados, mas, principalmente, com artigos nossos sendo aceitos em revistas bem-conceituadas.

Nesse contexto, os trabalhos realizados eram produto colaborativo e coletivo, representavam, em parte, o meu interesse pelo lugar e pela Geografia Humanista; eram, sobretudo, diversos, pois também eram reflexo das diversas disciplinas cursadas, das experiências profissionais em projetos vivenciadas, das leituras efetuadas e do processo de maturidade acadêmica que ia se construindo. Desse modo, pode-se destacar a abordagem das seguintes temáticas: percepção ambiental; espaço escolar; Educação de Jovens e Adultos;

cultura; Geografia cultural; paisagem; lugar; estágio supervisionado; identidade docente;

revolução verde; fome; trabalho e significado no meio rural; Geografia agrária; educação no campo; cidade e ensino; Parâmetros Curriculares Nacionais em Geografia; mesorregião, região, território; agricultura; serviços; Cerrado; Geografia e Literatura; Geografia e música;

representações da escola; percepções do ensino médio; cidadania e habitação.

A participação em eventos científicos na graduação era um dos principais motores de encantamento e descoberta em áreas como Ciência, Educação e Geografia. Ao lado das aulas na universidade e das leituras recomendadas e autônomas, os eventos constituíam a base de minha formação para ser professor de Geografia. Por meio deles, conheci diversos estudantes, professores universitários, livros e novas teorias. Muito incipiente na universidade em que estudava, pude participar dos primeiros projetos de pesquisa, mesmo sem bolsa. No segundo ano, participei de um Projeto de Iniciação Científica que me permitiu aprofundar os estudos sobre dois conceitos básicos da Geografia, Lugar e Paisagem, e aplicá-los ao contexto de Formosa-GO. Nascia, daí, o meu interesse pelo conceito de Lugar e pela Geografia Humanista, os quais reverberaram em diversos trabalhos acadêmicos, como minha monografia de graduação e a minha dissertação de mestrado.

Após a minha experiência mais técnica, que ocorreu na Embrapa, e o processo de reconhecimento da importância da educação em minha formação, busquei experiências que

estivessem mais relacionadas à Licenciatura. Inclusive, fui aprovado para um projeto de pesquisa nessa temática, mas não houve a liberação de recursos para a sua execução. Após essa frustração, pude ser bolsista de um Projeto de Extensão que contava com o apoio do Ministério da Educação: tratava-se de um trabalho de formação de professores das escolas do campo do município de Formosa-GO e pesquisa era relacionada à Geografia Agrária e à Geografia Escolar. A oportunidade de trabalhar nesse projeto foi extremamente importante, pois além de estar em minha cidade realizando formação e pesquisa, aprendi muito sobre a educação do campo, diversidade e questões agrárias de meu município.

Devo destacar a importância do Estágio supervisionado em minha formação. Por acontecer em dois anos, tive a oportunidade de desenvolver experiência e formação em uma perspectiva mais tradicional, o estágio com fichas, e em uma perspectiva voltada ao projeto de pesquisa como projeto interventivo de ensino, como proposto por Pimenta e Lima (2011). Nesse aspecto, reforço o ganho qualitativo que essa segunda proposta causou em minha formação e, também, em sala de aula com os estudantes. Em dupla, trabalhamos a Geografia do Estado de Goiás, por meio de músicas; como avaliação final foi proposta a produção de paródias sobre as diversas mesorregiões do Estado de Goiás. O resultado do estágio foi bem significativo, pois pudemos levantar dados no processo, avaliar o ensino-aprendizagem e propor a produção de novos conhecimentos por meio do protagonismo dos estudantes, além de possibilitar a produção de um artigo científico com a análise de todo material coletado e produzido.

Devo destacar o meu privilégio em ser bolsista em sete dos oito semestres de curso. As bolsas e qualquer incentivo de permanência na universidade eram incipientes e estavam no início, pois ter a oportunidade de ser bolsista durante a realização do meu curso, me fazia destoar da maioria dos colegas que não tinham outra escolha, a não ser recorrer ao mercado de trabalho. Era esse o quadro de estudantes de licenciatura naquele momento: pessoas adultas que trabalham o dia todo e, apesar da gratuidade do curso, não contavam com subsídio para estarem ali. A minha última bolsa na universidade foi a bolsa da Pró-licenciatura, uma estratégia institucional para a melhoria dos processos de aprendizagem nos cursos regulares de Licenciatura e um instrumento de qualificação do Estágio Supervisionado da instituição (UEG, 2013). Logo, era um programa que aproximava o estudante da escola de estágio, oportunizando uma melhor vivência com a escola e o desenvolvimento de habilidades profissionais necessárias à docência.

Na universidade, estava muito focado em estudar e inicialmente tinha como meta não me envolver ativamente com o movimento estudantil. Contudo, fui provocado pelo contexto extremo de precarização das condições materiais e profissionais da instituição. Nesse aspecto,

minha movimentação junto a alguns colegas de turma, foi o de reivindicar e cobrar melhorias no processo de ensino-aprendizagem. Logo, as primeiras manifestações se relacionavam à falta de professores, ao processo seletivo desses profissionais, à falta de projetos de pesquisa e de laboratórios no curso. Sofremos muita repressão pelo corpo administrativo do campus, mas conseguimos alguns avanços, como a reabertura do laboratório de Geografia e, por meio da greve, a abertura de concurso público e melhoria na assistência estudantil. Nunca imaginei que participar de uma greve poderia ser tão gratificante e construtivo. Fiquei responsável pela parte da comunicação do movimento grevista e tive a oportunidade de me comunicar com diversos setores da sociedade. Participar das assembleias, das reivindicações, do movimento de rua, das formações, dos grupos de estudos, tudo isso me fez desenvolver uma capacidade de escutar, de posicionar, de analisar, de estabelecer estratégias, de lidar com conflitos e de propor soluções, oportunidade única que pude viver muito cedo em minha vida e que, de certa forma, a marcou positivamente.

Como resultado da greve, constituímos o Movimento Vozes e Ações – MOVA, que se constituía em um movimento de discussões políticas e de defesa da educação pública na universidade. Com um de seus desdobramentos, desenvolvemos o Projeto Pintando a Diversidade - ciclo mensal de formações e palestras que contribuíram para a quebra de dogmas, preconceitos e desinformação no campus - além de contribuir para o desenvolvimento do senso crítico e atuante. Tratou-se de um trabalho pioneiro no ensino superior em Formosa nas discussões das relações de trabalho, gênero, sexualidade e diversidade. Embora vivêssemos em um ambiente universitário, havia hostilidade frente aos diferentes modos de ser, estar e se manifestar; por essa razão, me orgulho das importantes discussões das quais pudemos participar. Além do mais, a gestão e participação do projeto me fizeram avançar sobre diversas questões de sexualidade, que ainda não estavam formadas em minha cabeça.

Minha monografia do trabalho final de curso objetivou descortinar os significados construídos, ao longo do tempo, a respeito do local de moradia, pelos moradores de um conjunto habitacional localizado na periferia de Formosa. Trata-se de um trabalho onde pude colocar em prática os conceitos e ensinamentos da Geografia Humanista. Particularmente, foi um dos trabalhos mais satisfatórios e prazerosos que pude realizar em minha vida acadêmica. Fiquei diversos dias entrevistando os moradores, observando a dinâmica do mundo vivido local e pude até mapear os pontos de comércios formais e informais da comunidade. Para realizar essa investigação, tive que enfrentar alguns professores no colegiado, especialmente, um que se opunha ao horizonte humanista e desacreditava que aquele trabalho teria o mesmo valor científico do horizonte crítico ou até mesmo do horizonte positivista. Contei com a orientação

de uma professora de Letras da Universidade, professora Émile Cardoso Andrade e a coorientação de um professor de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, professor João Baptista Ferreira de Mello.

Em meu percurso formativo na graduação, tive a oportunidade de conhecer todos os horizontes geográficos, em especial, os horizontes crítico e humanista. No meu mestrado, direcionei o interesse para a relação da Geografia Humanista e ensino de Geografia em Formosa-GO, consolidando a Geografia escolar como minha principal área de interesse. Poder participar da Pós-Graduação Stricto Sensu foi uma grande oportunidade de vida e a realização de um sonho, rompendo barreiras geográficas, familiares e sociais. Tive a oportunidade em passar em dois programas de Pós-Graduação em Geografia conceituados no Brasil, o da UERJ, referência em Geografia Cultural, e o da UnB, reconhecido pelos seus trabalhos no ordenamento territorial e ambiental. Devido a questões de logística, optei por ficar em Brasília de onde realizei o mestrado.

Pertencer à pós-graduação me permitiu conhecer diversas pessoas que trabalhavam em áreas afins e abriu diversos caminhos e possibilidades de pesquisa. Um espaço privilegiado para essas interações foi a participação do Grupo de Pesquisa da UnB Ensino, Aprendizagem e Formação de Professores em Geografia – GEAF. Mesmo ainda muito marcante o distanciamento entre a universidade e as escolas de Educação Básica, esse grupo tem o diferencial de reunir, majoritariamente, professores da Educação Básica na reflexão e proposição de temas em comum. Em continuidade à área de geografia escolar e desenvolvimento profissional de professores de Geografia, pude, em 2018, ingressar no Doutorado. Ciclo que se encerra com a defesa deste trabalho.

A formação e a experiência que tive no tempo da universidade foram múltiplas, diversas e enriquecedoras para o início de minha inserção no mundo do trabalho em educação e para o reconhecimento da importância da pesquisa na formação de professores. Essa continuidade foi relatada nesta próxima seção.