• Nenhum resultado encontrado

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Formação Humanística

Os cursos de graduação das universidades públicas brasileiras e, em geral, de todas as IES, tendem a não valorizar o aspecto da formação humanística. Percebemos que, mesmo diante de uma flexibilidade curricular e, portanto, de uma possibilidade de se criarem espaços acadêmicos que permitam um avanço na superação da formação técnica, vê-se o uso desse espaço preenchido por mais disciplinas que tragam uma generalização do conhecimento, em detrimento das reflexões que poderiam estar humanizando mais o conhecimento no âmbito da universidade (BASTOS, 2018).

Durante a realização do grupo focal, percebemos, tanto por parte do grupo dos docentes, quanto dos discentes concluintes, que a falta de uma efetiva formação humanística é um problema a ser enfrentado, essencialmente, em relação aos conteúdos das disciplinas que demonstram uma ausência de temáticas que envolva discussões, abordagens e debates no tocante à humanização dos egressos, conforme o que demonstram as transcrições abaixo:

Eu acho que falta muito para os alunos terem uma formação humanística. Então eu acho que hoje, não só a UFRN, mas de forma geral, o curso de farmácia, como o técnico, ainda ele não oferece essa formação humanista (DO 8);

Faço um contexto, mas realmente a disciplina não é humanista. É inerente, a ideia dela é humanista, mas a resposta é muito básica ainda, é muito de ciência básica, é difícil de colocar isso (DO 4);

A formação humanista deixa um pouco a desejar...vejo muito a formação tecnicista (DI 2);

A parte humanística deixa a desejar porque a gente não tem contato... a gente se fecha num mundo de sala de aula (DI 7).

Apesar de se identificar, por parte dos docentes e discentes, a necessidade desta formação, algumas respostas refletem a complexidade e a dificuldade em efetivamente implantá-las:

Então você não viu nada de antropologia, você não viu nada de ciências sociais e consequentemente você não consegue nem simular e nem saber qual o caminho para chegar num aluno e levar num cenário de prática real. Esse é um ponto chave (DO5);

Então, quando pergunta se eles têm tal formação, eu acho que essa formação completamente heterogênica. E a partir do momento que o perfil do egresso deve ser humanista - além de ser reflexivo, crítico - essa formação precisa ser uniforme. Eu concordo quando “DO1” falou que ele pode buscar se ele quiser, mas eu acho que ele não tem que buscar se ele quiser... ele tem que ter essa formação, independente dele querer ou não. A formação tem que ser obrigatória, porque ela faz parte do perfil do nosso egresso (DO 7);

Mas uma coisa que a gente pode dar para esses alunos dentro do curso de farmácia é a técnica de ser humano... se você for conversar com uma pessoa, não interrompa essa pessoa; a pessoa que você está conversando no balcão da farmácia, fazendo uma orientação farmacêutica, de repente você interrompe essa pessoa, diz que as coisas que essa pessoa faz ou está te relatando são irrelevantes para ele, ser arrogante com essa pessoa. Então, tem aluno que nem saber que isso é ruim... e tem professor que também que não sabe que ser assim também é ruim (DO 4);

Alguns professores ficam um tanto distante, arredios e os alunos percebe isso [...] Então, isto de certa forma também concorre para que ele não tenha essa formação humanística que a gente imagina que ele deveria ter (DO 2);

Porque tem muita coisa que não tem como você ser um humanista em algumas áreas, realmente não tem [...] mas às vezes, mesmo nestas áreas, eles poderiam ser [...] tratar o humanismo na própria sala de aula... Que às vezes eu acho que falta isso [...] (DI 4).

A educação e a formação humana são dois conceitos que estão sendo articulados e voltados para os valores éticos e postura de humanização, onde os professores deixam as respostas prontas e passam a atuar de maneira mais questionadora oferecendo condições favoráveis à reflexão e a crítica (COELHO; COSTA, 2009).

Sendo assim, a formação humana torna-se prática social que considera a integração da educação, das escolas, dos serviços de saúde, das organizações de trabalho e da comunidade em geral (MARTINELI, 2016).

É certo que o farmacêutico precisa ter uma formação técnica, por sua formação exigir conhecimento de várias áreas, mas a formação com caráter generalista faz-se necessária, por possibilitar ao profissional uma visão voltada para o paciente. Para isso, as propostas de ensino devem caminhar juntas para a construção do conhecimento e formação profissional como um todo, ir além da doença e do medicamento, ir de encontro ao que é humano.

A preocupação e a conscientização que os docentes dizem ter com a necessidade de uma efetiva formação humanista - que consiga aliar as técnicas que são inerentes em vários âmbitos profissionais a uma prestação de serviços de qualidade e humanizada à sociedade - é claramente contraditório aos pensamentos dos discentes, como se vê nos argumentos abaixo relatados:

Então para gente ter egresso humanizado, ele tem que sentir isso aqui dentro. Para que ele saia com essa formação, ele tem que saber que aqui dentro se faz alguma coisa que no mundo, que tá aí fora, não faz.... ele precisa entender, compreender essa mensagem. A gente pode fazer diferente (DO 6);

Nós temos que ver a questão de como orientar esse paciente. Essa questão da orientação tem que ser bem-feita, tem que ser humana... não tem que ser aquela coisa mecânica. Temos que orientar mesmo bem, obter uma boa amostra e na hora que você for trabalhar aquela amostra você sempre pensar que por trás daquela amostra existe um ser humano (DO 2);

Acho que dá para contar as disciplinas que a gente escuta falar um pouquinho mais sobre a parte mais humana que o farmacêutico deve ter; mas, no geral, pouquíssimas vezes a gente escutou (DI 2);

Aqui (no curso de farmácia) você só teve uma (disciplina) realmente. E em outras disciplinas que se tentava entrar neste assunto (humanismo), a gente era interrompida: “Vamos voltar ao foco”,

porque para alguns professores discutir esta parte humanística, discutir como lidar, tratar com pessoas era uma coisa errada, está fugindo do foco da aula (DI 7).

O modelo de ensino fragmentado e voltado para o desenvolvimento técnico- científico contribuiu para a desumanização da assistência, pois colaborou com a perda do entendimento de que o paciente – foco da atenção nos cursos da área da saúde – é uma pessoa única e que deve ser considerada em sua totalidade, ou seja, nos aspectos biológicos, psicológico, sociais e espirituais (JUNQUEIRA et al., 2011).

Os discentes expõem claramente suas preocupações quanto a ausência da formação humanística, principalmente no tocante ao como lidar com pessoas durante suas atribuições profissionais, conforme os relatos:

[...] aprender a ter realmente um contanto humanístico numa relação profissional-paciente foi mais no estágio...na faculdade você não tem a noção do que realmente é lidar com pessoas [...] Trabalhar com pessoas...porque é muita teoria. mas em relação a formação humanista, deixa a desejar (DI 6);

É uma parcela pequena (de professores) que realmente tenta abordar em sala de aula o que a gente vai realmente lidar com pessoas lá fora. Poucos tentam passar essa parte humanista [...] (DI 6).

Isso era considerado conversas paralelas. Era basicamente entre os alunos que se discutia isso, porque os professores são pouquíssimos (para discutir humanismo) (DI 3).