5. O QUE REVELAM AS ENTREVISTAS SOBRE AS CONCEPÇÕES DAS
5.1 Concepções da professora Ana sobre o processo de leitura
5.1.1 Formação inicial e continuada de professores
A professora Ana iniciou a entrevista opinando sobre a formação inicial e continuada dos professores. Para ela, o problema maior está na base da educação, a formação inicial:
Excerto n° 1
P: Então, eu acho que há gente preparada (...) e acredito que hoje em dia, mesmo apesar de ter todas essas mudanças e tudo, eu acredito que os professores que estão chegando também não estão chegando preparados. Talvez...
E: A senhora vivencia isso na pele, né?
P: Talvez, eu acho que mais até despreparados. E: Sim.
P: Eu não me lembro de quando eu comecei a dar aula, se eu era tão despreparada assim (risos!!!)?
(Trecho da Entrevista semiestruturada, 27/03/14) Conforme aponta a professora Ana, os professores que estão chegando também não estão chegando preparados26, e esse despreparo pode ser considerado um dos fatores que tem contribuído para os insatisfatórios indicadores nacionais e internacionais de educação mencionados na introdução da presente investigação.
O depoimento da professora é mais um dentre vários que alegam que os cursos de licenciatura não estão preparando os docentes de forma apropriada para o exercício da docência. Guarnieri (2005, p.14) apresenta em sua pesquisa com professoras iniciantes a fala de algumas docentes afirmando que “tais cursos não as prepararam para atuar ao alegarem não possuir conhecimentos de natureza prática e isso as deixava inseguras para assumirem a sala de aula”. Bertoldo (2003) e Monteiro (2008), entre outros, destacam a importância de se vincular a teoria com a prática.
No excerto n° 2, Ana refere-se aos cursos de licenciatura, apontando o distanciamento entre a teoria e a prática durante a formação inicial do professor:
26
Excerto n° 2
E: A senhora acredita que a formação que a senhora recebeu durante a graduação foi suficiente para atuar como professora de inglês?
P: Não.
E: Por que não?
P: Acho que faltou muito. Primeiro que, antigamente era muito diferente, né, do que hoje.
E: A senhora tem licenciatura dupla? P: Tenho.
E: Inglês, português.
P: Isso. Então, nós fomos orientados a trabalhar no método tradicional, né?
E: Sim.
P: Então, quando a gente saiu da escola, foi a mesma forma. E houve uma mudança muito grande. Houve uma mudança muito grande... E: No decorrer dos anos?
P: É. Só que a gente não foi preparada para isso.
(Trecho da Entrevista semiestruturada, 27/03/14) Conforme evidenciado no trecho acima, a professora Ana relata objetivamente que seu curso de licenciatura não foi suficiente para sua atuação como professora de língua inglesa. Segundo ela, os docentes de sua época foram orientados a trabalhar no método tradicional. A dificuldade encontrada pela professora também pode ser evidenciada na prática de vários outros docentes, inclusive nos dias atuais.
Outra crítica presente na sua fala é sobre a insuficiência da sua formação inicial baseada na abordagem tradicional. As abordagens mudaram, e a falta de cursos de atualização provocou esse desconhecimento.
Portanto, é necessário que haja cursos de atualização e orientações por parte do governo, a fim de evitar falas como a da professora Ana que diz que não foi preparada para isso. Quando o pesquisador indaga à professora Ana acerca da oferta de cursos de aperfeiçoamento pelo governo do estado de São Paulo, nota-se certo desconforto já que ela esboça um descontentamento com os cursos de aperfeiçoamento oferecidos pelo governo do estado de São Paulo. Isso pode ser comprovado no trecho, a seguir:
Excerto n° 3
E: Bem! Minha primeira pergunta para senhora é: A senhora tem tido oportunidade de fazer cursos de aperfeiçoamento de inglês como língua estrangeira nos últimos tempos?
P: Não, o governo ofereceu no ano passado um curso, mas foi assim para todos os servidores públicos. Foi para servidor público, não foi só específico para professor de línguas estrangeiras.
E: Ah, tá!
P: Ele abriu para toda a rede.
E: Mas que tipo de aperfeiçoamento?
P: Não, mas não teve assim (...) foi um curso. Foi um cursinho, mas foi bem básico, né. Então, curso mesmo a gente não teve não. Nós tivemos algumas orientações técnicas lá na DE (Diretoria de Ensino). Pouquíssimas (...) assim, uma por ano.
E: Na DE, aqui no centro, mesmo?
P: É. Mas bem assim (...) direcionada mesmo para o caderno do aluno que nós trabalhamos.
E: Na utilização do material em sala de aula? P: É (...) só material.
E: A senhora consegue se lembrar da última vez em que teve oportunidade de fazer um curso de aperfeiçoamento de língua inglesa como língua estrangeira pelo estado?
P: É (...) foi essa OT (Orientação Técnica) nossa. Essa OT, né? Faz quase que um ano já.
(Trecho da Entrevista semiestruturada, 27/03/14)
Na sua fala, percebe-se que os cursos de aperfeiçoamento oferecidos pelo governo são, em sua grande maioria, cursos em comum para todos os servidores, mas foi assim para todos os servidores públicos. Ao fazer o uso do adversativo mas, fica evidente o seu descontentamento com os cursos dessa natureza. Além disso, o uso do diminutivo em foi um cursinho, denota a insatisfação da professora com esses tipos de cursos.
Segundo a professora Ana, a Secretaria da Educação tem se restringido a oferecer orientações técnicas superficiais para o uso do caderno do aluno e do professor, É (...) só material. É evidente que há uma dissonância entre essa prática e o proposto na nova proposta curricular de línguas estrangeiras modernas do estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2008). Um dos documentos que norteiam essa nova proposta, as Orientações para a Gestão do Currículo, “reforça e propõe orientações e estratégias para a educação continuada dos professores” (SÃO PAULO, 2008, p. 9). Orientações técnicas superficiais, certamente, não são suficientes para suprir as necessidades dos docentes imersos nessa nova proposta. Como todo currículo novo, é necessário que haja momentos de discussão para que as incertezas e desafios sejam compartilhados e problematizados entre os docentes, profissionais diretamente envolvidos com essa nova proposta.
Por isso, é necessário que haja uma conscientização, por parte dos responsáveis pela gestão da educação, no sentido de continuar a oferecer cursos de atualização para se evitarem depoimentos como a gente não foi preparada para isso.
As necessidades e objetivos do ensino já não são mais os mesmos que há 20 anos, portanto oportunidades de discussão e reflexão são primordiais para que a formação continuada dos professores em exercício seja constante. Os problemas e as angústias precisam ser compartilhados, mas não em forma de simples orientações técnicas, como as descritas no Excerto n°3, para o uso de materiais.