• Nenhum resultado encontrado

2 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NUMA PERSPECTIVA HISTÓRIA E

3.2 Formação integral e politecnia: novas possibilidades

Os percursos pelos quais a educação foi conduzida até hoje denotam diversas características. É possível constatar, em alguns momentos históricos, especialmente no Brasil, encaminhamentos delineados pelas políticas dos governos que chegaram ao poder. Por exemplo, na era Vargas, um momento de crescimento do país pelo viés da produção industrial, o sistema de Ensino voltou-se para a formação de mão-de-obra para as indústrias, pelo SENAI, num cenário já abordado nesta dissertação.

Nesse caso específico, foi instituído um ensino objetivamente voltado para a formação do contingente para trabalhar nas indústrias com o uso da força operária. No livro O Capital, Marx afirma que “o homem se educa, se faz homem, na produção e nas relações de produção”. Sob esse aspecto, o direcionamento da educação para o trabalho no âmbito da formação exclusivamente para o trabalho, atenderá aos interesses de quem detém o sistema produtivo. Kuenzer (2009) também afirma que

é no e para esse trabalho, com suas formas peculiares de fragmentação, organização e heterogestão, que o trabalhador vem sendo educado; é ele

que determina, a partir da necessidade de exploração cada vez mais eficaz da força de trabalho comprada, o saber necessário e as formas de comportamento convenientes que devem caracterizar o trabalhador no modo de produção capitalista (KUENZER, 2009, p. 12).

Assim, o processo produtivo, organizado dentro da fábrica, é delineado com encaminhamentos “que tem por objetivo a educação técnica e política do trabalhador, determinada pelos interesses do capital”. E, para ter êxito nesses objetivos, uma estratégia é a divisão e a fragmentação do trabalho, pois a divisão facilita o controle.

Para a efetivação de um rompimento com essa fragmentação e hierarquização do trabalho e, consequentemente, da educação, novas propostas emergiram para a formação do cidadão; formação para além das especificidades das atividades no trabalho, mas, também, para uma maior interação no mundo que faz parte da vida desse cidadão.

Na segunda edição da LDB (BRASIL, 1996), é possível verificar uma proposta mais clara e objetiva no sentido de possibilitar novas condições aos egressos da educação básica no mundo do trabalho. Assim, emerge uma proposta para estabelecer outras (ou, talvez, adequadas) relações entre os conhecimentos científicos escolares e outras formas de conhecimento no mundo real em que vivemos. Frigotto; Ciavata; Ramos (2005) quando discutem o Documento Base da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio (2007) como última etapa da educação básica, argumentam que

seu horizonte deveria ser o de propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas na produção, e não o mero adestramento em técnicas produtivas. Não se deveria, então, propor que o ensino médio formasse técnicos especializados, mas sim politécnicos (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 35).

Nessa perspectiva, a proposta do ensino politécnico está situada na direção de estabelecer relações entre os significados dos conhecimentos desenvolvidos na escola e aqueles desenvolvidos no mundo do trabalho. O termo politécnico ou politecnia merece atenção e entendimento, isto é, o sentido do mesmo nos remete à dimensão de ensino de múltiplas ou várias habilidades e técnicas. Porém, a palavra técnica não deve ser entendida restritamente como método único nem como dimensão formativa única, mas na relação com habilidades e possibilidades outras de desenvolvimento dos conhecimentos e competências no cotidiano, dentro e fora do contexto profissional.

Na análise das respostas para as questões apresentadas aos sujeitos da pesquisa, foram identificadas manifestações na dimensão da politecnia e da formação integral, mais predominante naquelas dos coordenadores pedagógicos. Quanto aos professores, estes manifestaram superficialmente conceitos e diretrizes atribuídas ao ensino politécnico em suas respostas. Quando foram perguntados sobre as características da formação que entendem como importantes para lecionar na educação profissional, suas respostas foram direcionadas, como citadas do subcapítulo anterior, para a formação na área técnica e experiência profissional na área de atuação.

O professor P4 manifestou em sua resposta, além da relevância que entende acerca da experiência profissional, que “quando o conhecimento discutido em aula é vinculado com ‘o mundo real’ o aluno passa a interagir mais com o professor.” Nessa e nas demais respostas foi verificado o predomínio de dizeres sucintos e muito objetivos, quando esses acontecem. Essa é uma característica presente nos discursos e ações dos professores da educação profissional: a objetividade.

Em outras situações as respostas parecem um tanto confusas e incoerentes conforme foram apresentadas, como por exemplo, a resposta do professor P8 quando respondeu:

para dar sustentação a esse processo (formação do professor na educação profissional) o futuro professor deveria aprender sobre desenvolvimento e aprendizagem de modo integrado com os demais conhecimentos do currículo de formação docente (P8).

Ainda no contexto da mesma questão, o professor P9 cita a importância da articulação entre pesquisa, teoria e prática, porém, no contexto da resposta como um todo, foi identificada outra percepção atribuída a essas palavras:

Com experiência profissional na área de atuação e com perfil pesquisador. O professor com experiência na área de atuação desempenha um papel mais eficiente, pois consegue articular a teoria com a prática, conseguindo assim aproximar o aluno com a realidade profissional através de exemplos pessoais (P9).

Ao manifestar a importância de relacionar “teoria” e “prática”, a resposta poderia ser direcionada para o sentido da politecnia, contudo o contexto da resposta é mais restrito à experiência profissional, e os exemplos pessoais são alinhados com a atividade como técnico na sua área de formação, sendo essas características fundamentais e suficientes, no seu entendimento, para desempenhar a docência. É

uma manifestação característica sobre importância atribuída à prática profissional focada essencialmente na técnica de “ensinar como fazer”, a exemplo do que foi citado no subcapítulo anterior nos dizeres do professor P6: “saber fazer para poder ensinar”.

São manifestações particularmente defendidas pelos professores que expressam concepções quanto à sua própria formação para exercer a docência e quanto à formação dos alunos para o exercício da futura profissão. Na escola, essa realidade é percebida e analisada pelos coordenadores pedagógicos, pois é recorrente e faz parte do cotidiano escolar, a exemplo de C1, que percebe a docência como

um processo de ensino-aprendizagem que reproduz uma visão de estudante que deve receber conhecimentos prontos e os reproduzir no contexto onde irão atuar. Geralmente leva a uma visão de formar para o mercado do trabalho e não para um mundo do trabalho (grifo nosso), como se ensinar habilidades e competências profissionais fossem suficientes para formar sujeitos que tenham capacidade de interferir na dinâmica da sociedade que temos (C1).

Segundo C1, são constatações que demonstram haver certos limites que podem restringir as possibilidades de ação no cotidiano escolar, logo, “com necessidades formativas mais amplas do que apenas o saber fazer profissional.” As dimensões da constituição do professor podem (e necessitam) ir além da apropriação dos conhecimentos restritamente técnicos. C2 entende que há muitas implicações em virtude desses limites, como na “condução do processo de ensinar e aprender, a escolha da metodologia adequada para fazer acontecer a aprendizagem, a escolha de estratégias e recursos didáticos e a relação pedagógica com o aluno.” Situações reais do cotidiano podem comprometer o sucesso de uma formação consistente e significante para a interação no mundo do trabalho o qual o egresso fará parte ativamente.

Conforme já contextualizado nesta dissertação, os alunos da educação profissional possuem perfis distintos, ou seja, há alunos adolescentes frequentando o curso no período diurno integrado ou concomitante com o ensino médio e sem experiência profissional, e alunos adultos, estudando no ensino técnico tendo concluído o ensino médio e já interagindo no mundo do trabalho, muitos com significativa experiência profissional e também com outra formação técnica de nível médio.

A acentuada heterogeneidade dos alunos não é o único fator que dificulta o desempenho da atividade docente, mas, sem dúvida, é significante. De acordo com a manifestação do C3, além desse contexto, há condições da formação docente com dimensão restrita ou predominantemente técnica e algumas defasagens no amplo processo de aprendizagem. Entende que:

(...) para o professor que atua em turmas da educação profissional integrada ou concomitante ao ensino médio, acredito que uma das maiores implicações é a falta de jogo de cintura em sala de aula, por não ter a preparação pedagógica ou quando a tem, não fazer uso dela(...), aliada a isso, penso que o baixo nível de conhecimento que os alunos vem trazendo para a sala de aula apavora os professores, dificultando principalmente as aprendizagens teóricas. Aí fica difícil para um professor que está preocupado com conteúdos e o mercado de trabalho, rever, retomar conceitos com alunos que apresentam lacunas na aprendizagem visando uma melhoria e a qualificação destes alunos (C3).

São manifestações que parecem, inicialmente, redundantes no sentido de “problemas de qualquer escola”, porém são realidades que impactam na qualidade do ensino e na formação profissional desses egressos. Trata-se de um conjunto de situações peculiares que são preocupantes, pois resultam em uma formação para o mundo do trabalho com vários limites e restrições. Imbernón (2011) descreve que “a formação deveria dotar o professor de instrumentos intelectuais que sejam úteis ao conhecimento e à interpretação das situações complexas em que se situa (...)” (p.42).

Conforme manifestações citadas anteriormente são atribuídas à formação técnica e à experiência profissional como técnico na sua área como fatores determinantes para o desenvolvimento da atividade docente de forma eficaz. Alguns dados estatísticos produzidos nesta pesquisa expressam um pouco desse perfil: apenas 22,2% dos sujeitos participantes desta pesquisa possuem formação pedagógica para atuar na educação profissional; todos possuem curso superior; 77,7% tiveram a sua formação na área técnica do curso em que atuam; e 88,9% também atuam como profissionais na área técnica da sua formação.

Referindo-se à formação desses professores, quando verificamos os dizeres “preparação pedagógica” e estar “preocupado com os conteúdos e mercado do trabalho” há enfoques distintos que compõem uma dualidade no que se refere à prática pedagógica na educação profissional. Saviani (2009) descreve há “dois modelos de formação de professores:”

a) modelo dos conteúdos culturais-cognitivos: para este modelo, a formação do professor se esgota na cultura geral e no domínio específico dos conteúdos da área de conhecimento correspondente à disciplina que irá lecionar. b) modelo pedagógico-didático: contrapondo-se ao anterior, este modelo considera que a formação do professor propriamente dita só se completa com o efetivo preparo pedagógico-didático (SAVIANI, 2009, p. 148 - 149).

Os argumentos referem-se, na questão da formação desses docentes, às universidades que não atribuíram o devido valor à formação específica, ou seja, “com o preparo pedagógico-didático dos professores.” Também é possível perceber a amplitude da formação dos professores, ou seja, as múltiplas dimensões possíveis para a formação dos mesmos. O autor explica ainda que

de um lado está o modelo para o qual a formação de professores propriamente dita se esgota na cultura geral e no domínio específico dos conteúdos da área de conhecimento correspondente à disciplina que o professor irá lecionar. Considera-se que a formação pedagógico-didática virá em decorrência do domínio dos conteúdos do conhecimento logicamente organizado, sendo adquirida na própria prática docente ou mediante mecanismos do tipo “treinamento em serviço”. Em qualquer hipótese, não cabe à universidade essa ordem de preocupações. A esse modelo se contrapõe aquele segundo o qual a formação de professores só se completa com o efetivo preparo pedagógico-didático. Em consequência, além da cultura geral e da formação específica na área de conhecimento correspondente, a instituição formadora deverá assegurar, de forma deliberada e sistemática por meio da organização curricular, a preparação pedagógico-didática, sem a qual não estará, em sentido próprio, formando professores (SAVIANI, 2009, p.149).

Assim, verificam-se limites na formação dos docentes tanto por parte do processo formativo advindo das instituições responsáveis por essa formação quanto por conta da cultura institucionalizada com foco exclusivo nos conteúdos sem preocupação em estabelecer referências com o mundo em que se vive. Logo, como conclui Saviani (2009), “a formação profissional dos professores implica, pois, objetivos e competências específicas, requerendo estrutura organizacional adequada e diretamente voltada ao cumprimento dessa função” (p. 150).

Este desafio de definir com precisão a formação adequada do professor é permeado por dúvidas, divergências e desejos. Sendo o magistério uma profissão alicerçada na formação e nas relações humanas, não há um ponto final no assunto. Para Imbernón (2011),

a profissão docente comporta um conhecimento pedagógico específico, um compromisso ético e moral e a necessidade de dividir a responsabilidade com outros agentes sociais, já que exerce influência sobre outros seres humanos e, portanto, não pode nem deve ser uma profissão meramente técnica de “especialistas infalíveis” que transmitem unicamente conhecimentos acadêmicos (IMBERNÓN, 2011, p.30).

É uma tendência um tanto natural a tentativa de encontrar uma receita perfeita que sempre resulte em um resultado perfeito. Na educação profissional, com fortes laços com a indústria, essa situação é ainda potencializada, conforme representou Chaplin em seu filme. Um processo cultural instituído no mundo do trabalho e com reflexos na educação, mas que vem sendo enfrentado pelos educadores atualmente.

A formação do professor ou professora deve abandonar o conceito de professor/a tradicional, acadêmico ou enciclopédico e do especialista- técnico, próprio do enfoque de racionalidade técnica, cuja função primordial é transmitir conhecimento mediante a aplicação mecânica de receitas e procedimentos de intervenção projetados e oferecidos a partir de fora (IMBERNÓN, 2011, p. 42-43).

São desafios constantes na educação como um todo, especialmente referenciados nesta pesquisa no âmbito da educação profissional como já problematizado. A análise dessa formação será aprofundada no subcapítulo seguinte.

3.3 Enfrentamento da dicotomia entre teorias e práticas na formação docente