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Formação por qualificação: base do modelo taylorista/fordista

Os modos de produção capitalista e a formação profissional regidos pelo modelo taylorista/fordista baseavam-se em dois conceitos: 1) a qualificação do posto de trabalho que é o saber-fazer necessário à ocupação de UM emprego e 2) a qualificação do trabalhador para ocupar um posto de trabalho, que não é definida a partir das exigências do posto, mas das características dos trabalhadores que o ocuparão. A partir desses conceitos, considera-se que “a qualificação é um saber obtido pela formação e pela experiência profissional”. (DELUIZ, 1995).

O foco dessas formas de qualificação está na noção de tarefa, como sequência de gestos individualizados, que desconsideram o saber interativo e coletivo das equipes de trabalho presente não nos postos de trabalho, mas na prática dos trabalhadores. (DELUIZ, 1995).

Com a divisão entre concepção e execução presente no taylorismo/fordismo, o operário, restrito à execução, tem seu conhecimento expropriado pela ciência do capital e perde a possibilidade de pensar, planejar e criar seu próprio trabalho; mais que isso, abre mão de características essencialmente humanas. Desenvolvem-se dois grupos: um pequeno, formado por funcionários altamente qualificados, e um enorme, com operários desqualificados, que conhecem somente o que se refere à tarefa que realiza. (KUENZER, 2002a).

Cria-se, então, uma educação para quem administra, e outra, para quem executa. Para os primeiros, um ensino em níveis médio ou superior, desvinculado da prática cotidiana e do exercício profissional e com forte conteúdo científico do trabalho. É a aquisição desse saber sistematizado e cientificamente elaborado que garantirá o “domínio do trabalhador em favor do capital, pela compreensão de sua prática e do planejamento e controle externo à sua própria ação”. Para os últimos, o ensino torna-se prático e parcial, ministrado no próprio trabalho ou em instituições especializadas. Como é fragmentado, esse aprendizado “não possibilita ao trabalhador a elaboração científica de sua prática, reproduzindo as condições de sua dominação pela ciência a serviço do capital”. (Idem, p.48).

108 Essa divisão intelectual e manual do trabalho presente na educação profissional brasileira, conforme demonstrado no Capítulo I deste trabalho, confirma a dualidade estrutural existente nessa modalidade de ensino.

Ele [o trabalhador] aprende a aceitar sua condição parcial e subalterna na divisão do trabalho, como resultado natural de necessidades técnicas que ao final beneficiam igualmente a todos; e mais, aprende a justificar sua posição de hierarquização do trabalhador coletivo como resultante de sua própria incapacidade para o exercício de outros trabalhos, notadamente os socialmente definidos como intelectuais. Por sua própria “incapacidade” ele é levado a compreender que é impossível a sua participação nas decisões sobre trabalhos que, em virtude de sua complexidade, deve ser planejado e controlado pelos especialistas. Em suma, ele vai sendo educado para executar, obedecer sem discutir e cumprir eficientemente a parte que lhe cabe no processo coletivo de produção. (KUENZER, 2002a, p. 87).

Kuenzer (2002a) caracteriza dois tipos de operários, para demonstrar essa separação: o operário qualificado e o operário não qualificado. O primeiro apresenta o que ela chama de “conhecimento compreensivo”, formulado por meio de teorias e práticas adquiridas por formação técnica ou universitária. Esse operário participa do planejamento e preparação do trabalho que será executado por outros, responsabiliza-se por equipamentos, processos, materiais e produtos e supervisiona pessoas. O último, detém conhecimentos “práticos” adquiridos por suas experiências, e não por meio da escola. Sua principal função é executar tarefas que, devido a seu caráter repetitivo e automático, não requer esforços visuais ou mentais; ele não participa de processos decisórios nem precisa utilizar sua capacidade de julgamento durante o processo produtivo.

Aos trabalhadores do chão-de-fábrica era exigida uma escolaridade mínima; era necessário que ele soubesse ler, calcular e escrever. Suas tarefas giravam em torno da memorização de procedimentos, e eles eram considerados qualificados quando demonstravam habilidade na execução do que era proposto.

O trabalhador desejado à época do taylorismo era o “trabalhador-boi”, tal como foi definido por Taylor (TAYLOR, 1990), ou seja, um ser que não reflete sobre seu trabalho, que se submete passivamente às ordens da hierarquia superior e ao controle de seus tempos e movimentos na execução de seu trabalho; que respeita os rígidos códigos de disciplina das empresas e que realiza repetidamente o trabalho característico de seu posto, sem se sublevar contra isso. Esse tipo de trabalhador tinha sua subjetividade negada, nem seu pensar ou sua intelectualidade eram considerados.

A qualificação apoia-se sobre dois sistemas: 1) as convenções coletivas que classificam e hierarquizam os postos de trabalho e 2) classificação e organização dos

109 saberes em torno dos diplomas (registro formalizado de conceitos teóricos) (RAMOS, 2006).

Conceitos e conhecimentos estão vinculados ao diploma, que é frequentemente perseguido, como forma de validação de formação e obtenção de emprego. Na concepção taylorista/ fordista, o diploma é sinônimo de status e de qualificação.

A formação do trabalhador na lógica da qualificação pode acontecer dentro da própria empresa (mediante a ação do instrutor e dos operários mais experientes) ou fora dela em instituições autorizadas a oferecerem formação profissional (IFETs, SENAC, SENAI etc). Na primeira opção, há o repasse ao operário de um conhecimento parcial (somente daquilo que sua tarefa exige); ele não terá um conhecimento acerca da totalidade do processo; dessa maneira, o capital “tem condições de controlar o acesso ao saber sobre o trabalho, o que lhe confere maior poder sobre o operário”. Na segunda, reduz-se o controle do saber por parte da fábrica. Quando o operário alia sua prática no trabalho à realização de cursos externos, ele passa a ter acesso a um conhecimento menos parcial sobre seu próprio trabalho27 (KUENZER, 2002a).

Para Bihr (2010, p. 40),

no taylorismo e no fordismo, o saber e a habilidade operários tendem a ser monopolizados pelo staff administrativo ou até mesmo a ser diretamente incorporados ao sistema de máquinas, provocando a expropriação dos operários em relação ao domínio do processo de trabalho e uma maior dependência em relação à organização capitalista do trabalho.

Como o sistema taylorista exigia uma força de trabalho capaz somente de realizar movimentos repetitivos, o aprofundamento dos conhecimentos durante a formação profissional do trabalhador não era necessário. Para preparar meros executores de tarefas, as instituições profissionalizantes, incluindo o SENAC, que seguem os documentos oficiais da legislação educacional, não precisavam oferecer um ensino capaz de levar o sujeito a refletir, opinar ou criticar. Era necessário simplesmente uma educação conteudista baseada na memorização. Além disso, a adoção, pelas escolas, de um modelo de organização e funcionamento pautado na fragmentação, controle do tempo, especializações e supervisão demonstra a influência do taylorismo/ fordismo no âmbito educacional.

27 Mesmo o mercado ditando, muitas vezes, as regras para formação dos trabalhadores, cursos fora das

fábricas ainda garantem uma forma de aquisição do conteúdo do trabalho de maneira menos assistemática e fragmentada.

110 Nesse momento, o SENAC, obedecendo às determinações legais, oferecia uma formação voltada para a ocupação de postos de trabalho, com foco no tecnicismo e mecanicismo. A preocupação girava em torno da aprendizagem de conhecimentos específicos de uma determinada ocupação.

A corrente pedagógica que ajudou a embasar o ensino profissionalizante na época do taylorismo/fordismo foi a pedagogia tecnicista, que, segundo Saviani (2001), baseava-se nos pressupostos da neutralidade científica e pregava os princípios da racionalidade, eficiência e produtividade a partir de um processo educativo objetivo e operacional.

Ainda de acordo com esse autor, assim como no modelo taylorista/fordista utilizado nos processos de produção, a pedagogia tecnicista buscou organizar a educação racionalmente operacionalizando objetivos, mecanizando processos, parcelando o trabalho pedagógico a partir de especializações de funções, padronizando o sistema de ensino a partir de esquemas previamente formulados a fim de impedir que interferências subjetivas diminuíssem a eficiência do processo educativo. O protagonista desse modelo pedagógico são os meios, professores e alunos ficam relegados a segundo plano sendo meros executores de um processo educacional concebido, planejado e coordenado por especialistas neutros, objetivos e imparciais. “A pedagogia tecnicista, ao ensaiar transpor para a escola a forma de funcionamento do sistema fabril, perdeu de vista a especificidade da educação, ignorando que a articulação entre escola e processo produtivo se dá de modo indireto e por meio de complexas mediações.” (SAVIANI, 2001).

A pedagogia tecnicista marcou o sistema de ensino do SENAC, principalmente na organização do trabalho na escola, na elaboração do material didático e na orientação dos professores (SENAC, 1993).