• Nenhum resultado encontrado

3. O universo da Inclusão: da evolução do conceito de «inclusão» às práticas educativas

3.4. A formação de professores

O desenvolvimento da educação inclusiva transporta consigo um problema que, ao longo dos anos, se tem revelado de difícil resolução: a formação de professores na área da inclusão e das NEE. Para que a escola inclusiva se torne uma realidade não é suficiente que os professores abracem essa filosofia educativa, é imprescindível que estes possuam conhecimentos que lhes permitam ensinar, dentro da mesma sala, crianças diferentes, com níveis diferentes de aprendizagem e de conhecimentos. Assim, cabe aos responsáveis pelo sistema educativo reconhecer o que é necessário realizar para que os gestores escolares reúnam condições que fomentem a autoformação dos professores (Costa, 1996). No entanto, apesar da importância da formação, não só inicial, como contínua, a autora afirma que “rareiam as acções de formação em serviço” (p.158). No modelo inclusivo, a formação de professores assume uma importância central, não só para os denominados “professores de métodos e recursos”, como para os docentes do ensino regular, dada a posição de destaque que assumem neste modelo educativo (Porter, 1997). Tal formação não deve cingir-se à formação inicial, mas é de todo importante que exista uma atualização permanente dos conhecimentos e competências, bem como a aquisição de novas competências, entendendo- se assim a formação pessoal como uma alavanca no desenvolvimento das práticas educativas inclusivas. Torna-se, por isso, cabal que se desenvolvam planos de formação de longo prazo, como forma de colmatar as necessidades dos docentes face às necessidades educativas dos alunos (Porter, 1997). Esta medida enunciada por Porter, reforça os princípios aceites na

90

Declaração de Salamanca (1994), segundo os quais, um dos fatores fulcrais para a promoção da escola inclusiva é a formação adequada de todo o pessoal educativo. Esta posição foi reiterada num documento da UNESCO, em 2001, ao afirmar que

a formação deve assentar num processo contínuo, que garanta a todos os professores os conhecimentos necessários para educarem todos os alunos da forma mais eficaz, possibilitarem que alguns professores assegurem acções de apoio junto dos colegas e dos alunos com necessidades educativas mais comuns e que especializem outros, para o atendimento dos alunos com problemas de maior complexidade e de baixa incidência (Unesco, 2001).

Permanece, ainda, uma preocupação constante na implementação de uma educação e de uma escola mais inclusivas, por parte das organizações internacionais de defesa dos direitos humanos.

Como forma de responder às lacunas evidenciadas ao nível da formação académica dos profissionais da educação, em muitos países, começaram a ser integrados no currículo de formação inicial de professores disciplinas na área das NEE. Esta medida afigura-se muito importante, pois permite aos futuros docentes um conhecimento de situações com as quais terão de lidar, face ao aumento da inclusão de alunos com NEE nas escolas regulares (Rodrigues, 2006). Na mesma linha de pensamento, Hegarty (2001) defende que a inclusão de temas relacionados com as NEE na formação inicial de professores é imprescindível, pois todos necessitam de conhecimentos sobre as deficiências e as dificuldades de aprendizagem, bem como competências para o ensino destes alunos.

Em Portugal, a formação de docentes foi, desde muito cedo, uma preocupação evidenciada pelos responsáveis pela educação. Contudo, tal cuidado reportava-se, de acordo com o Decreto-Lei n.º 31.801, de 26 de dezembro de 1941, em exclusivo aos docentes de educação especial, que trabalhavam apenas com alunos portadores de deficiência. Relativamente à obrigatoriedade de existência de disciplinas sobre a inclusão ou as NEE, nos currículos do ensino superior, na formação de docentes do ensino regular, esta só aconteceu em 1987 (Rodrigues, 2006). Deste modo, pode afirmar-se que, não obstante os docentes do ensino regular reconhecerem que os alunos com NEE têm o direito a uma educação de qualidade semelhante à que auferem os outros alunos, recebendo-os na sala de aula, admitem, efetivamente, a falta de formação para responder de forma adequada à diversidade de alunos na sala de aula (Lopes, 2007, Monteiro, 2000, Zigmond, 2007). No sistema educativo nacional, a falta de formação dos docentes do ensino regular levanta constantes celeumas, uma vez que estes não receberam qualquer tipo de instrução académica no que respeita à implementação dos normativos legais relacionados com a educação especial. Assim, parte significativa dos docentes continua a ser vítima da falta de formação, seja ela inicial ou

91 contínua, que lhes permita desenvolver estratégias de ensino diferenciado na sala de aula (Jesus et al., 2004, Rodrigues, 2006). Só dando aos professores uma formação adequada na área da NEE, bem como nos domínios as atitudes e valores se poderá alcançar uma reforma da educação inclusiva (Rodrigues, & Lima-Rodrigues, 2011). Apesar da falta de conhecimentos, o Novo Estatuto da Carreira Docente, criado pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de janeiro, ao referir-se às funções do docente do ensino regular face à integração dos alunos com NEE, afirma que

para além de leccionar as disciplinas e matérias para que se encontra habilitado de acordo com as necessidades educativas dos alunos que lhes sejam confiados e no cumprimento do serviço docente que lhe seja atribuído, deve, ainda, dar atenção aos alunos com dificuldades de aprendizagem integrados na turma (art. 5.º, 3.º §, alínea a).

Perante tal deliberação, pode-se considerar que os docentes do ensino regular são, no sistema de ensino, as maiores vítimas entre a incompatibilidade do ensino individualizado, fulcral para os alunos portadores de deficiências e o ensino em grupo, praticado com os alunos normais (Lopes, 2007). Além disso, segundo Rodrigues (2006), a maioria dos conteúdos lecionados no ensino superior centra-se, sobremaneira, em temas de ordem classificativa e clínica. O que leva o autor a questionar se serão estes os conteúdos a privilegiar, na aquisição de competências de um docente que irá exercer a sua profissão, inserido num sistema educativo que se pretende seja inclusivo. Assim, o autor defende que “a formação deve ser feita em termos das deficiências mais ligeiras (a esmagadora maioria dos casos que surgem nas escolas regulares) e que todo o conhecimento da diferença seja integrado numa compreensão da diversidade humana que vai das altas habilidades até à deficiência e dando a noção que os casos muito difíceis são uma minoria e que na grande maioria as dificuldades são discretas e leves” (p.7).

Num estudo sobre as dificuldades sentidas pelos docentes no que respeita à sua formação, Candeias et colab. (2009) afirma que a formação inicial e contínua deve incidir no desenvolvimento das competências pessoais e relacionais, no desenvolvimento de práticas de ensino e no desenvolvimento dos conhecimentos sobre as diferentes NEE. Segundo Morgado (2003), o desenvolvimento profissional e a formação de professores são dois dos três eixos fundamentais para que seja possível a criação de uma resposta educativa e diferenciada à diversidade, quer dos alunos, quer do contexto onde se inserem. Torna-se assim urgente disponibilizar formação na área da inclusão, com o objetivo de criar condições académicas, atitudinais e socias que permitam uma verdadeira inclusão dos alunos portadores de deficiência nas salas de aula regulares (Kauffman, & Lopes, 2007). Só garantindo qualidade profissional dos professores e dos outros agentes educativos se conseguirá uma escola inclusiva coesa. Uma escola mais eficaz para todos os alunos e que, diariamente, procura

92

responder a um sem número de desafios que a inclusão apresenta, fruto dos múltiplos contextos e situações nos quais a educação inclusiva está submersa, tendo sempre presente o respeito pela diferença e a igualdade de oportunidades (Costa, Leitão, Morgado, & Pinto, 2006). A inclusão de alunos com NEE nas escolas regulares é, na verdade, o caminho fundamental que conduz à inclusão social, constituindo uma meta, neste novo século, dos diversos sistemas educativos, onde se pretende educar todos os alunos na escola regular (Cardoso, 2004).

Em síntese, o termo «inclusão» surgiu na década de 70, na área das Ciências Sociais, associado ao reconhecimento de que todo o ser humano deve ser respeitado nos seus direitos essenciais (Habermas, 1999, 2000). Apesar de ser um conceito amplamente utilizado na área da educação especial, o seu uso nem sempre se processa da forma mais correta, visto que é, com frequência, empregue como sinónimo de integração ou de mainstreaming. Deste modo, o conceito de «inclusão» é, por muitos, considerado como um exemplo marcante da confusão e controvérsia geradas pela falta de clareza na linguagem. Assim, encontrar uma definição que seja consensual afigura-se uma tarefa delicada, uma vez que o mesmo vocábulo significa coisas diferentes para pessoas diferentes (Morgado, 2009, Winzer, & Mauzurek, 2000). O conceito de inclusão surge, por isso, ligado à justiça social, não se confinando às pessoas portadoras de deficiência, mas abrangendo todos os que se sentem deslocados do meio onde vivem, trabalham ou estudam. É, ainda, definido como o modo como o ser humano se relaciona com a diversidade e a diferença. No que se refere às pessoas com deficiência, a inclusão é definida como a oportunidade que é dada a essas pessoas de participarem em todas as atividades educativas, laborais, de diversão, comunitárias e domésticas. Trata-se pois de um conceito que apresenta, na sua conceção, uma dimensão de defesa dos direitos humanos (Forest, & Pearpoint, 1992). No âmbito escolar, a inclusão deve sustentar-se sobretudo nas necessidades da criança, como um todo e não unicamente no seu desempenho académico (Alper et al., 1995, Udistky, 1993). Sendo um conceito difundido a nível internacional, em Portugal a aceitação do movimento de inclusão defrontou-se, nas décadas de 80 e 90, com uma relutância por parte do corpo docente. No domínio legislativo, o Decreto-Lei n.º319/91, de 23 de agosto de 1991 foi um passo em frente para que o movimento inclusivo fosse aceite no seio da comunidade educativa (Ferreira, 2002).

Dada a sua heterogeneidade, o termo inclusão apresenta-se submerso num encontro e desencontro constantes. Assim se compreende que a criação de uma definição única seja um trabalho difícil e pouco consensual, que tem como consequência posições antagónicas (Winzer, & Mauzurek, 2000). Numa posição anti inclusão existem autores que defendem que o professor do ensino regular não pode ensinar de modo positivo os alunos com deficiência que lhe são colocados dentro da sala de aula. A discriminação, a falta de formação dos docentes do ensino regular na área da NEE, os resultados negativos alcançados pelos alunos com deficiência nas salas de aula regular surgem como os principais fundamentos utilizados contra

93 a inclusão (Zigmond, 2003). Contrariamente, os defensores da inclusão total consideram que, com a inclusão do aluno na sala de aula regular, os rótulos associados à educação especial irão desaparecer (Kauffman, & Lopes, 2007). A defesa pela inclusão total tem como trave mestra os princípios morais e éticos, os valores sociais e a defesa dos direitos das minorias (Fonseca, 2004, Zigmond, 2003). No que respeita ao desenvolvimento das crianças com NEE, os proponentes da inclusão total afirmam que, quando os alunos usufruem de um ensino no contexto da sala de aula regular, conseguem alcançar resultados positivos (Pivik et al., 2002).

Aceitar a inclusão no meio escolar é sem dúvida fulcral para o sucesso dos alunos. No entanto, a aplicação dos princípios inerentes à filosofia da inclusão dependem das práticas educativas utilizadas pelos docentes no processo ensino-aprendizagem. Assim, do vasto conjunto de práticas educativas, as que se afiguram mais proveitosas para a educação inclusiva são: (i) o trabalho em equipa, que permite o desenvolvimento de um ensino mais incisivo; (ii) a aprendizagem em cooperação, cujo principal objetivo é colocar os alunos que apresentam mais dificuldades a trabalhar em conjunto com os que revelam mais capacidades, fomentando um sistema de tutoria; e (iii) o modelo de «inclusão ao contrário», que pretende integrar os alunos com dificuldades em atividades direcionadas para alunos sem problemas, promovendo a aceitação social (Ainscow, 2000, Fonseca, 2004, Guralnick, 2001, Porter, 1997). No seio das práticas inclusivas, o currículo assume uma posição de destaque, enquanto base da qual nascem as estratégias a desenvolver com cada aluno. Deste modo, a aceitação da educação inclusiva, por parte dos órgãos de gestão e docentes, não basta. É necessário que se realize uma mudança paradigmática do currículo tradicional para o currículo inclusivo (Correia, 2001, Fonseca, 2004, Porter, 1997). Esta transformação encontra o seu suporte na Teoria das Inteligências Múltiplas (TIM), que na educação especial contribui não só para um melhor entendimento da deficiência, mas também na elaboração do currículo a desenvolver com cada aluno (Armstrong, 2001). Apesar de ser um assunto amplamente teorizado, o currículo inclusivo só apresentará sucesso quando os professores compreenderem que são o veículo principal que pode levar as práticas inclusivas aos alunos (Armstrong, 2001, Tilstone et al., 2003)

No modelo inclusivo, a formação profissional afigura-se como um ponto central do seu desenvolvimento. É, por isso, importante que os docentes não se confinem à formação recebida inicialmente no seu ciclo de estudos, mas que mantenham uma contínua atualização dos conhecimentos e competências. Numa perspetiva de formação contínua é essencial que se desenvolvam planos de formação de longo prazo que permitam, tanto aos docentes de educação especial, como aos docentes do ensino regular fazer face às necessidades educativas evidenciadas pelos alunos (Candeias et colab., 2009, Morgado, 2003, Porter, 1997). Neste sentido foram, paulatinamente, integradas nos currículos de formação inicial disciplinas específicas na área das NEE, permitindo aos profissionais em formação adquirir conhecimentos nesta área, para que, no futuro, fossem capazes de resolver situações com as

94

quais terão de lidar face à crescente inclusão dos alunos com deficiências nas salas de aula regular (Hegarty, 2006, Rodrigues, 2006).

No contexto nacional, a formação de docentes na área das deficiências foi, desde muito cedo, uma preocupação dos responsáveis pela educação, como se pode verificar pelo Decreto-Lei n.º 30 801, de 26 de dezembro de 1941. Contudo, confinava-se aos docentes de educação especial, deixando de fora os docentes do ensino regular. Face à falta de formação na área das NEE destinada a este grupo, os mesmos assumem que, pese embora reconheçam que os alunos com deficiências têm o mesmo direito à educação que os outros alunos, esta lacuna formativa, tanto a nível inicial com contínuo, continua a impedir parte significativa dos docentes do ensino regular de desenvolver estratégias diferenciadas na sala de aula e consequentemente de responder de forma adequada à diversidade de alunos, na sala de aula (Jesus et al., 200, Lopes, 2007, Monteiro, 2000, Rodrigues, 2006, Zigmond, 2007). A formação de docentes, bem como de outros agentes educativos surge assim como um dos pilares para alcançar uma escola inclusiva coesa (Costa et al., 2006).

Perante os argumentos apresentados pelos vários autores no que se refere à inclusão, bem como aos diferentes fatores a ela associados pode concluir-se que, apesar da existência de opiniões contrárias, a inclusão deve ter como principal objetivo possibilitar ao ser humano uma vida com dignidade, onde as suas caraterísticas, as suas diferenças, sejam de raça, religião ou físicas, possam ser respeitadas e aceites pela sociedade. Contudo, a inclusão não pode ficar fechada em tratados ou diplomas legais. É necessário que se torne uma realidade concreta e aplicável nos diferentes contextos, incluindo o da educação. Neste domínio a implementação da filosofia da inclusão depende da utilização de práticas inclusivas eficazes tanto na escola, como na sala de aula. Mas, os métodos de ensino-aprendizagem estão dependentes, em primeira instância, dos docentes, pelo que é fundamental que estes se revelem recetivos à inovação e à experimentação de novas formas de ensinar.

Inclusão, práticas educativas inclusivas, currículo inclusivo ou educação inclusiva são, por isso, temas fundamentais na defesa do direito de todo o ser humano à educação. No entanto, para que a filosofia da inclusão se concretize de modo efetivo, não basta que os professores a aceitem e acolham dentro das salas de aula regular, os alunos com NEE. É imperativo que esses mesmos docentes possuam conhecimentos que lhes permitam ensinar, dentro da mesma sala de aula, crianças diferentes, com níveis diversificados de aprendizagem e conhecimentos. Neste sentido, a formação de professores de educação especial e do ensino regular assume, no modelo inclusivo, um papel preponderante, uma vez que estes são o leme que conduz o barco da aprendizagem. Sem uma formação inicial e contínua que incida na área específica da inclusão, os docentes, bem como os restantes agentes educativos, não poderão responder, de modo harmonioso, às necessidades evidenciadas pelos alunos. É, pois, urgente que o sistema educativo nacional possibilite aos profissionais da educação meios que

95 lhes permitam enriquecer os seus conhecimentos, a nível pedagógico, social e atitudinal, que assegure aos alunos com deficiência uma verdadeira inclusão na escola e por conseguinte na sala de aula regular.

Em suma, apesar de se afigurar como a pedra angular de uma sociedade mais equitativa, a implementação do modelo inclusivo, com tudo o que lhe está subjacente, só deixará de ser uma utopia e passará a ser uma realidade quando o mesmo for aplicado, de forma moderada, sem incorrer em posições fundamentalistas e dogmáticas que, ao invés de incluírem e formarem cidadãos que aceitam o outro na sua diferença, fomentam a exclusão dos outros e, até mesmo, a autoexclusão.

97

4. A Classificação Internacional de Funcionalidade