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CAPÍTULO III. EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO NO PERÍODO PÓS-INDEPENDÊNCIA

3. Educação e formação no período Pós-independência

3.3. Organização da Formação Profissional na Primeira República

3.3.2. Formação Profissional Contínua

Como já foi referido, a formação profissional contínua ao longo da Primeira República desenvolveu-se, maioritariamente, no quadro da educação e formação em contexto de trabalho ou formação on the job. Com efeito, a formação em contexto de trabalho pode ser definida como o ``processo de aprendizagem que, realizado no posto de trabalho, se orienta para aquisição de competências necessárias ao desempenho de uma profissão, sob a orientação de um trabalhador qualificado e a cargo da entidade patronal´´ (Pereira & Brito, 1998, p. 112). Durante a Primeira República e mesmo depois da publicação do Decreto nº 110/83, de 1 de Dezembro, todas as empresas tinham aprendizes e a formação deste pessoal era exclusivamente no local de trabalho. A formação era excessivamente prática, na maior parte das vezes sem nenhuma componente teórica o que contribuía para a sua débil eficácia.

A designação ``formação permanente´´ inserida nos documentos oficiais da República de Angola, ao que parece, é reflexo e influência da agenda e regulação educativa e formativa das organizações internacionais. Com efeito, foi introduzida e adotada em Angola no âmbito do cumprimento da agenda da Unesco, inscrita no relatório ``Aprender a ser´´ publicado no início da década de 70. Com efeito, tal como aconteceu noutras paragens do mundo, o alcance dos ideais da Educação Permanente foi limitado, por uma visão muito reducionista. Por outro lado, e no sentido contrário da lógica subjacente à Educação Permanente, ``o alargamento da forma escolar a todos os tempos e espaços contribuiu para desvalorizar as aquisições humanas realizadas por via não escolar, a partir de vivências experienciais´´ (Canário, 2003, p. 193). Em

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Angola, o alargamento da escola formal às formas não formal e informal de educação contribuiu, em grande medida, para a desvalorização da formação profissional contínua, mantida, até a aprovação da Lei de Base do Sistema Nacional de Formação Profissional, no âmbito do ensino médio técnico e do ensino superior, dois subsistemas de educação que eram tutelados por um Ministério da Educação inerte, em matéria de formação profissional (Angola C. d., 1983). Apesar das dificuldades acima apontadas, a formação profissional contínua manteve-se e continuou a ser desenvolvida.

Referiu-se, igualmente que, a implementação da formação profissional foi acompanhada de dificuldades relacionadas com a falta de capacidades em termos de infraestruturas e exígua capacidade técnica do órgão regulador de orientar, controlar e supervisionar a explosão das ações de formação que se propagaram depois da independência e com a entrada em vigor da Lei da Nacionalização da educação. Portanto, o Ministério da Educação, no âmbito da sua função reguladora e de órgão do Estado com poderes de superintendência e de tutela administrativa, não tendo controlo sobre a formação profissional contínua realizadas nas organizações empresariais, circunscreveu a sua ação à educação formal. Mesmo com a entrada em vigor do Decreto nº 110/83, de 1 de Dezembro, quadro normativo que veio traçar as linhas orientadoras para a implementação e desenvolvimento da Estratégia da Formação Profissional, aquele órgão não conseguiu materializar uma política de avaliação e acreditação das ações de formação profissional que ocorriam nas diferentes empresas e centros de formação.

De referir que, em termos de formação profissional, havia 48 centros que garantiam a formação profissional contínua em todo o território nacional. Até 1990, havia, igualmente, 20 outros centros que desenvolviam, simultaneamente, formação profissional inicial e formação profissional contínua. No ano letivo 1987/88 havia 100 ``centros de capacitação´´ ou formação profissional contínua. Com efeito, as ações de formação de caráter sistemático e regular, inscritas no quadro da Estratégia da Formação Profissional obedeciam à orientação pedagógica e metodológica do Ministério da Educação.

Nos termos do artigo 6º do Decreto nº 110/83, de 1 de Dezembro, as ações de capacitação são da exclusiva competência de cada Ministério ou Secretaria de Estado, no âmbito da organização administrativa do Estado, e são dirigidas a trabalhadores com o objetivo de aperfeiçoamento, atualização ou ampliação de conhecimentos técnicos específicos através de estágios, encontros ou seminários de qualificação e especialização que visam a adaptação a novas tecnologias ou a outras necessidades de desenvolvimento das força produtivas do setor.

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Com base neste artigo, identificada a necessidade de formação do trabalhador competia ao Ministério, secretaria ou um órgão sob sua tutela indicar outro trabalhador experiente ou contratar o serviço de um especialista para acompanhar o estágio ou realizar o encontro ou seminário de qualificação e especialização profissional, respetivamente. Neste contexto, o conteúdo da formação era determinado pelo posto de trabalho. Para este feito, o posto de trabalho, segundo Meignant (2003, p. 52), designa `` uma situação particular de trabalho´´ num emprego determinado. Quanto às finalidades, a formação profissional contínua visava o aperfeiçoamento profissional, atualização ou ampliação de conhecimentos técnicos específicos em função de novos conteúdos do posto de trabalho, das exigências do emprego e da profissão. Esta é uma disposição particularmente reducionista do desenvolvimento profissional de trabalhadores, onde se esquece, por completo, a dimensão formativa e humana da atividade profissional.

Adicionalmente, da análise do referido preceito normativo pode concluir-se que, a política pública de formação profissional contínua que vigorou em Angola, durante a Primeira República, relativamente à lógica subjacente, foi pensada para ambientes profissionais pouco dinâmicos e profissões estáveis, por um lado, por outro lado, foi estruturada para desenvolver, nos aprendizes, competências predominantemente instrumentais, despidas de qualquer fundamentação teórica, por isso, utilitarista. Todavia, esta orientação tem muitos inconvenientes no quadro do desenvolvimento profissional dos trabalhadores. O primeiro deles tem a ver com o fato de a limitada preparação teórica promover uma visão estreita, redutora e rasa sobre o trabalho, a profissão, o posto de trabalho e sobre o emprego. Em segundo plano, a débil preparação dos trabalhadores, inscrita no âmbito da aprendizagem por imitação, observação, repetição e erro, contribui, muitas vezes, para a reprodução somente daquilo que o formador sabe e ensina (até dos erros), não cria condições para produzir outras formas de resolver os problemas enfrentados no dia-a-dia. Por fim, a profissionalização precoce dos jovens pode estimular o abando escolar, suscitando um conjunto de consequências a médio e longo prazos, principalmente, no quadro da concorrência profissional que se acentua cada vez mais.