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CAPÍTULO 2 FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO

2.1 FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA: PERSPECTIVAS,

Ao retratar a temática formação profissional em Educação Física, acredita-se que a proposta é um tanto desafiadora, por entender que essa formação é ampla, necessitando dessa forma recorrer a vários conhecimentos, que na compreensão de Soares (1995) “abarcam desde o universo das ciências físicas e naturais até aquele próprio das ciências humanas, passando inclusive pela filosofia” (SOARES, 1995, p. 133).

Um dos primeiros a contribuir com essa temática foi Medina (1990), em que em sua pesquisa com os estudantes de Educação Física evidenciou diferenciado níveis de consciência2. Nesse estudo, Medina concluiu que os estudantes de Educação Física eram possuidores de uma consciência transitiva ingênua3 com base no senso comum, portanto, se fazia necessário que essa formação evoluísse no sentido de oportunizar os estudantes a aquisição de uma consciência transitiva crítica4.

Para o autor, a Educação Física não necessitava apenas pensar, mas pensar a relação teoria/prática, ou seja, ao se permanecer em um nível de consciência transitiva ingênua, o indivíduo não conseguiria perceber a importância do processo reflexivo perante suas ações. Nesse sentido a Educação Física não consegue justificar a sua existência, uma vez que não consegue estabelecer críticas no que concerne ao seu campo de conhecimento.

Dessa forma, a formação em Educação Física que pressupõe que irá possibilitar uma ação pedagógica na prática não se torna concreta, pois, “qualquer prática humana, sem uma teoria que lhe dê suporte, torna-se uma atitude tão estéril (apenas imitativa) quanto uma teoria distante de uma prática que a sustente” (MEDINA, 1990, p. 68).

Portanto, Medina (1990) ao realizar este estudo na década de 1980, sinalizava a importância de se ter uma formação pautada na unicidade teoria/prática, bem como a produção de estudos que refletissem a possibilidade de se articular uma metodologia que fosse

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Níveis de consciência refere-se a estudos feitos por Paulo Freire, em que estabeleceu vários níveis de consciência as pessoas, identificando os seguintes tipos e consciência: intransitiva, transitiva ingênua e transitiva crítica (MEDINA, 1990).

3 Esse nível de consciência se restringe as interpretações simplistas de situações problemáticas, ou seja, não

existe um posicionamento diante dos fatos, ou ainda tendem a um fanatismo (MEDINA, 1990).

4 A consciência transitiva crítica determina um sentido em que os indivíduos são capazes de ir além das

superficialidades, assumem posturas diante das situações emblemáticas, percebendo claramente os fatos com o intuito de uma transformação por meio de suas relações (MEDINA, 1990).

organizada com o intuito de alterar os valores sociais vigentes com outros que compatibilizasse o desenvolvimento das potencialidades humanas.

Outro estudo que possibilitou identificar várias problemáticas em relação a formação em Educação Física, foi retratado por Fensterseifer (1986) ao analisar criticamente essa formação. A conclusão desse estudo estabeleceu como fator desencadeante para uma formação deficitária em Educação Física, a falta de criticidade, cientificidade e historicidade durante o processo de formação.

O resultado desse deficit resulta em uma formação simplista norteada por um currículo pautado pelo conceito de desportivização, desarticulado com a realidade dos saberes permeados por esse currículo. Assim a formação se contextualiza com o pressuposto de estabilizar o sistema em vigência, se fazendo presente a fragmentação e a dicotomia entre teoria e prática (FENSTERSEIFER, 1986).

E como fator balizador dessa formação pautada por um saber acrítico, está a aceitação e implementação de modelos teóricos importados de outras realidades que corrobora com uma formação que não prioriza a classe trabalhadora, representada em seu bojo pelo paradigma da aptidão física e tendo no esporte um estabilizador do sistema, altamente alienante e excludente, uma vez, que prioriza a questão somente do autorrendimento (FENSTERSEIFER, 1986).

Faria Junior (1987) ao retratar a formação em Educação Física fez um alerta a respeito do intuito de que essa formação de cunho generalista se tornasse cada vez mais especializada, ocasionando um possível esfacelamento dessa profissão. Percebe-se na preocupação de Faria Junior (1987) que os currículos pautados por uma formação especialista reverberassem na criação de instrumentos de poder com intuito de estabelecer monopólios.

As constatações, preocupações e implicações feitas por estes estudos explanados até aqui, refletem também nos inúmeros estudos realizados atualmente (CAMPOS, 1999; SANTOS JUNIOR, 2005; MOLINA NETO, 2005; BETTI, 2005; REZER, 2007; TAFFAREL et al, 2007; BRACHT, 2007; SBORQUIA, 2008). Quase três décadas depois, estes estudos ainda comprovam a existência de uma ação pedagógica da Educação Física, pleiteada por uma metodologia com esvaziamento de conteúdo, com base na aptidão física, com ênfase na técnica e exacerbação na competição.

Corroborando com esse fato, Santos Junior (2005), constatou que os acadêmicos ao final da sua formação chegam com as mesmas incertezas que aqueles que se formaram no início da década de 1990. Os aspectos principais das fragilidades encontradas nesta formação

está na insipiência do conceito de conhecimento da área; nas fragilidades de compreensão dos objetivos a serem desenvolvidos com crianças e jovens no âmbito escolar; a dificuldade em organizar a disciplina de Educação Física em que se ensina e não apenas treina; nos problemas na percepção entre os nexos existentes nas questões sociais e o modelo educacional pautado pela hegemonia; no desconhecimento das proposições construídas para a Educação Física a partir da década de 1980. A impressão desse autor diante de tal contexto revela se: “Como um velho filme a passar de maneira monótona e insistente, mudando apenas os nomes e lugares” (SANTOS JUNIOR, 2005, p. 19).

Como alternativa para a mudança dessa insistente situação, Taffarel (1993; 2007) estabelece para a formação profissional em Educação Física uma grade curricular comum, com eixos curriculares que fariam da Educação Física um curso que produz conhecimento em que teria como garantia a indissociabilidade entre teoria e prática, permitindo assim a qualidade na formação teórica e por fim todos esses aspectos seriam permeados por uma gestão democrática.

Porém, no entender de Manoel e Tani (1999), a problemática não se restringe somente a implementação de uma grade curricular, ela implica também em uma filosofia acerca dessa preparação, ou seja, uma clara definição do perfil profissional que quer se formar. Por sua vez, esse perfil deve estar articulado com a realidade, que vai desde as necessidades sociais até as características de mercado em seu dinamismo peculiar.

Lovisolo (1995), explicita que a Educação Física está norteada por vários equívocos e malentendidos, o que torna as questões muito mais complexas. O currículo para a formação profissional abarca desde da mecânica à filosofia, contemplando também a fisiologia, neurologia, biologia, sociologia, história, entre outras. Com essa grande demanda torna-se cheio de fragmentos e multidisciplinar. A formação profissional perante esse currículo tem implicações voltadas para a falta de integração e diálogo com as diversas disciplinas que o compõem. Assim, o currículo é concebido com “justaposições de fragmentos ou como mosaico de disciplinas” (LOVISOLO, 1995, p. 19).

Ao elaborar o planejamento, o professor de Educação Física se subsidia em conhecimentos científicos, porém ao adentrar no campo pedagógico, os valores em que decorrem essa intervenção, bem como a forma como são selecionados esses conteúdos não são decisões científicas. Com isso, o profissional de Educação Física, ora trabalha pautado na ciência, ora como interventor sem utilizá-la, confundindo disciplina com planejamento de atividades (LOVISOLO, 1995).

Com esse impasse, o professor ao adentrar na escola, não ensina a disciplina de Educação Física, como é o caso da matemática - a título de exemplo - que tem seus conteúdos sistematizados de acordo com o que foi trabalhado em sua formação. A Educação Física atua com atividades programadas com base em conhecimentos científicos, as quais primordialmente devam realizar objetivos sociais. Portanto, ao ter essa função a Educação Física não tem necessidade de se sentir inferior, pois “a sociedade moderna pareceria não funcionar sem os especialistas da intervenção” (LOVISOLO, 1995, p. 22).

Os debates ocorridos a partir da década de 1990 produziram significativos discursos à respeito do currículo mínimo e diversas produções vinculadas às ciências sociais com possibilidades de novas reflexões e avanços a respeito da formação profissional em Educação Física. Dessa forma, esse período pode ser caracterizado por uma importante “crise” na área, surgindo assim a necessidade de uma reestruturação curricular.

Sabe-se que a Educação Física como área de conhecimento e de intervenção profissional passou por diversas reestruturações em seu currículo. Até o início de 1987 a formação em Educação Física habilitava o profissional licenciado, com a possibilidade de atuar profissionalmente como técnico desportivo por meio de uma complementação em que se cursavam mais duas disciplinas esportivas - à escolha do aluno (CAMPOS, 1999).

O profissional de Educação Física licenciado tinha sua formação atrelada a princípios técnico-instrumentais, resquícios de um currículo com ênfase militar. Portanto, a Educação Física no seu aspecto histórico apresenta uma formação diferenciada das demais licenciaturas, uma vez que no seu currículo apresentava alternativas de formação em nível técnico (SBORQUIA, 2008).

Com a necessidade de um rompimento com essa formação profissional por meio de diversas críticas e debates em que a reflexão culminou em superar a estrutura curricular vigente, a partir de 1987, o curso de Educação Física passou a ter a opção de ser somente Licenciatura ou Bacharelado mediante a Resolução nº 03 de 16 de outubro de 1987 o Conselho Federal de Educação (CFE), revogando a Resolução 69/69, redefiniu um novo currículo para o curso de Educação Física (CAMPOS, 1999).

Diante dessa reformulação, cresceu o debate em relação a dicotomia teoria/prática pertencente não somente ao quadro geral da formação profissional, mas especificamente também a formação em Educação Física. Assim, diante das exigências que circundam a sociedade capitalista o qual essa formação está inserida, o currículo passa por uma reorganização em que se torna evidente a divisão entre disciplinas consideradas teóricas das

de cunho prático (SILVA, 2002). A separação entre os dois elementos que se constitui o trabalho humano “determina a maneira como se concebe e se produz conhecimento no interior dos cursos de formação de professores [...]” (SILVA, 2002, p. 120).

Longe de se considerar um fim para a problemática em relação a dicotomia teoria/prática, porém, com o intuito de avançar - embora no decorrer do processo em algum momento se faz necessário o recuo para que o avanço aconteça - acredita-se que o início desse avanço perpassa pelas reflexões que concerne a fragmentação da formação profissional em Educação Física. Para isso ser possível, torna-se essencial o debate e o diálogo - muitas vezes tensos - com o objetivo maior de compreender as vertentes contrárias e favoráveis dessa fragmentação, para com isso ensejar um “novo olhar” para o currículo que contempla essa formação em um nível local de atuação no qual esta pesquisa se insere.