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A FORMAÇÃO TERRITORIAL: TEMPO-ESPAÇO, PROCESSOS E PERÍODOS A cidade analisada é o resultado de um processo de acumulação de

DESTINO Nº DE VÃS/DIA MÉDIA DE

2. P ERÍODOS, RUGOSIDADES E EVENTOS: CAICÓ COMO ELA TEM SIDO

2.1 A FORMAÇÃO TERRITORIAL: TEMPO-ESPAÇO, PROCESSOS E PERÍODOS A cidade analisada é o resultado de um processo de acumulação de

tempos, onde o espaço se renova ao passo em que conserva permanências. O novo e o velho coexistem no presente para realçar tal processo. Não nos interessa o passado “por si só” [essa é uma tarefa mais própria dos historiadores], o que de fato nos move é o presente. No entanto, esse “presente” está mesclado tanto de tempo-espaço passados como de prospectivas de um inevitável devir. As rugosidades e/ou as formas mais atuais parecem se unir para difundirem anúncios de novos e atuais acontecimentos, como, também, futuras transformações dos lugares.

Nesse sentido, faz-se mister a análise de períodos pretéritos e de seus processos que desencadearam a evolução do espaço citadino caicoense, suas preservações, suas atualizações, bem como as perspectivas de novos rearranjos territoriais. Nesse capítulo da pesquisa, nos ancoraremos em conceitos, como: períodos, rugosidades, eventos, entre outros.

Comecemos nossa análise pelos períodos que se sucederam um a um, tanto em níveis globais, como em níveis locais. Os processos do desenvolvimento global das técnicas e da consequente evolução da humanidade, que desencadearam as “mutações” nas cidades e no urbano mundial e brasileiro, são, por demais, conhecidos, analisados e descritos por tantos e tantos estudiosos, como é o caso de Milton Santos, Ortega y Gasset, Eric Robsbawm, Henry Lefébvre, David Harvey, Lewis Munford, Carl Mitcham, entre outros.

A história e, principalmente, a geografia do mundo são constituídas de períodos que, a partir de um dado tempo51, podem ser chamados de

períodos técnicos e, que, segundo Santos (1999), revelam as sucessões e as coexistências, ou seja, em cada lugar, a relação tempo-espaço se dá concomitantemente de forma assincrônica e sincrônica. Isto se explica, por exemplo, quando ações semelhantes, praticadas por agentes diferentes em espaços também diferentes, acontecem simultaneamente,

51 Estamos nos referindo à Revolução industrial inglesa do Séc. XIX, que marca um novo período na relação homem- natureza, homem-homem. A partir deste período, a segunda natureza ampliou-se consideravelmente.

mas com velocidades distintas. “Cada ação se dá segundo seu tempo; as diversas ações se dão conjuntamente” (Ibid).

A análise de toda e qualquer conjuntura, em especial, no contexto urbano, exibe-nos um conjunto de períodos técnicos que, de um lado, podem ser entendidos como globais e de outro como sendo locais, pois cada lugar, ao seu tempo, também exibe períodos próprios em consonância, pela totalidade, com estes períodos globais.

Reportaremo-nos primeiro às periodizações globais que, segundo Ortega y Gasset (1939) estão assim distribuídos: período da técnica do acaso, período da técnica do artesão e período da técnica do engenheiro. Munford (1934 apud SANTOS, 1999) nos apresenta um outro processo evolutivo dos períodos técnicos e os agrupa em: período das técnicas intuitivas (até 1750), período das técnicas empíricas (1750 – 1900) e o período das técnicas científicas (a partir de 1900). O próprio Milton Santos também nos oferece uma noção bastante interessante acerca do que sejam os períodos. Para este autor, “períodos são pedaços de tempo submetidos a mesma lei histórica [...]. Assim, as periodizações podem ser muitas, em virtude das diversas escalas de observação” (SANTOS, 2008, p. 67). As escalas são três: o mundo, o Estado-Nação e a cidade. A divisão dos períodos, feita por este último autor, está, então, assim apresentada: período técnico, período técnico-científico e período ou meio técnico- científico-informacional.

O espaço é uma instância social, portanto, abstrato, e é uma condição e um conjunto de possibilidades para a existência humana, já o território é o uso deste ou daquele espaço e, portanto, concreto (SANTOS, 1999). Quando analisamos os processos formadores do território caicoense, percebemos a íntima relação dos tempos globais com os tempos locais e as suas consequências no espaço. Isso se apresenta pela noção de [a parte e o todo], ou seja, pela ação sistêmica e pela totalidade. Mas para o entendimento deste processo, faz-se mister uma análise de tempos pretéritos, como sendo um presente do passado.

No período da expansão do sistema capitalista, que teve como trilho a conquista de novos espaços/territórios, as terras de além-mar52

dividiam-se em subespaços de primeira e de segunda natureza. Nativos utilizavam-se da maioria dos subespaços conquistados/invadidos pelos europeus, por meio de técnicas, que podem ser classificadas entre o que

52 Visão do mundo a partir do continente europeu. A Europa desencadeava a ideologia eurocentrista e toda localização se dava a partir daquele continente.

Ortega y Gasset (1963) chamou de técnicas do acaso e técnicas do artesão. No caso do Brasil, a partir do século XV, dois diferentes modos de produção, dois distintos conjuntos de “sistemas de engenharia” passavam a coexistir em uma mesma porção do espaço. Os territórios como recurso, comandados pelos agentes que, pretensamente, começavam a mandar, contraponham-se aos territórios como uso, dos agentes que teoricamente deveriam obedecer, mas insistiam na não obediência. É nesse contexto que se implanta um novo e complexo sistema de relações que terminaria por deflagrar esses diferentes usos de um espaço que, a “posteriori”, se identificaria como sendo o território brasileiro, dividido em regiões e, estas, por suas vez, repartidas em tantos subespaços. É sobre os processos de formação territorial de um destes subespaços que passaremos a nos deter, a partir daqui.

Na conquista/invasão do litoral, os processos de ocupação e usos do território foram se manifestando, a partir do encontro/confronto dos já referidos povos e seus modos de produção. De um lado, os nativos, as técnicas do acaso e do artesão e um modo de viver e usar o território, caracterizado pela vida comunitária e primitiva, como descrito por Medeiros Filho (1984). Coletores, caçadores e agricultores, os nativos plantavam milho e confeccionavam artesanalmente alguns alimentos, como, por exemplo, pães. O autor destaca também a visível equidade na distribuição das coletas sejam frutos, sejam caças. Por outro lado, os colonizadores com técnicas já mais “avançadas” e um modo de produção baseado na moeda, na divisão de classes e na exploração de territórios e de pessoas e, em especial na divisão das terras em sesmarias e datas.

Figura 12: A ocupação estrangeira do território brasileiro nos séculos XV e XVI Fonte: Elaborado pelo autor, 2009.

O sistema técnico preponderante em cada fase da história, como, também, o conjunto das tarefas executadas pelas diferentes sociedades, reflete a correlação entre o uso do território e as técnicas disponíveis em determinada época. As técnicas dos nativos iam sendo, aos poucos, substituídas pelas técnicas dos colonizadores. O uso do novo território “colonizado” anuncia as mudanças, mas denuncia permanências, até porque a coexistência desses povos e suas técnicas durariam ainda algumas centenas de anos.

Não demorou muito e a conquista/invasão se interiorizou. No sertão nordestino, as mesmas coexistências e confrontos se estabelecem. O que mudam são os povos nativos, mas o conflito se dá com os mesmos invasores. A sobreposição de um modo de produção sobre o outro vai aos poucos se perfazendo e as mudanças, nas divisões territorial e social do trabalho, vão também se configurando, isso tudo como resultado de novos usos e (ab)usos do território.

2.2 A PECUÁRIA COMO UM SISTEMA TÉCNICO E O USO/FORMAÇÃO DO