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Formas: Objetividade Engajada e Representações Científicas do Espaço

PARTE 1: CIÊNCIA E URBANISMO

1.1.2. Formas: Objetividade Engajada e Representações Científicas do Espaço

"O debate assim iniciado só pode ampliar-se. Não devemos recuar diante de sua amplitude, mas, ao contrário, alargá-la. Obriga-nos a redefinir o socialismo e o comunismo, enquanto perspectivas (possibilidades) do movimento histórico. Elementos novos interferem, depois de Marx e Lênin, que exigem nova definição." (LEFEBVRE, 1967: 383)

No ano de 1972, Carlos Lessa realiza a aula inaugural da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo, onde ele busca estabelecer as diferenças entre a Análise Econômica e a Economia Política. Para ele, a primeira parte de uma simplificação da realidade, dividindo-a em partes, como num mosaico, a partir do qual o raciocínio trabalharia através da análise e da dedução. Já na segunda, Lessa entende a possibilidade aberta pela visão crítica como um processo em que as "partes" são relacionadas sempre com o "todo" numa relação dialética com toda a sociedade.

Neste mesmo sentido, Edward Soja (1993; 2000) entende a idéia de um "mosaico urbano" desenvolvido pela Ecologia Urbana da "Escola de Chicago", como um empirismo cego, que decompõe o urbano em partes homogêneas de um mesmo todo, tido como elementos "naturais", onde os vínculos entre as partes eram gerados por "indivíduos iguais, fazendo escolhas semelhantes", princípios e leis naturais necessárias a qualquer formação "ecológica". Essa visão acabava por automatizar o status quo, não percebê-lo como a construção de "relações sociais históricas", tomando-as por eternas. Soja propõe perceber o espaço urbano como um "caleidoscópio", em que a construção de cada parte, altera a figura gerada no todo por seu jogo de espelhos, uma idéia em que a transformação históricas das diversas "leis sociais" resulta numa transformação de tudo aquilo que se supunha uma "estrutura" universal.

Ambos concordam que o momento "analítico" é um processo inicial de toda teoria, onde o crítico acumula dados e informações da sociedade, mas enfatizam a necessidade de um momento seguinte, em que os dados são postos em jogo, e é realizado um processo de reflexão sobre suas implicações gerais, que torna possível a reestruturação do conhecimento e a formulação de novas idéias. Neste mesmo sentido Lefebvre afirma:

"Reduzir, é um procedimento científico, diante da complexidade e do caos das constatações imediatas. De início, é preciso simplificar, mas em seguida e o mais rápido possível restituir progressivamente o que a análise afasta. Sem o que, a exigência metodológica se transforma em servidão e da redução legítima passa-se ao reducionismo." (LEFEBVRE, 2006: 116)

Em 1939, Lefebvre publicou um livro chamado "O Materialismo Dialético" que se tornaria um clássico da literatura marxista, sendo publicado em diversas línguas, mas que Lefebvre considerou "apenas um primeiro esboço" do livro "Lógica Formal Lógica Dialética" (1975: 47). A proposta deste último era trazer uma discussão mais clara da relação entre o materialismo dialético, as ciências e sua metodologia.

Neste livro, Lefebvre defende:

"O tratado queria expor o materialismo dialético não como um sistema filosófico, mas como um movimento, um processo de conhecimento que vai: do abstrato (elaborado pela reflexão) ao concreto; do formal (lógico) ao conteúdo (praxis); do imediato ao mediato (desenvolvido pelas mediações e em particular por aquela da lógica dialética) e do menos complexo ao mais complexo." (LEFEBVRE, 1975: 4)

Esta forma de compreender o pensamento dialético lhe rendeu a censura política do projeto editorial, cancelando os sete volumes que deveriam se seguir. Esta intervenção teórica foi considerada polêmica, pois estabelecia a necessidade de uma relação entre as duas lógicas, de tal forma a evitar a dialética "escolástica" de alguns teóricos, tomando a formalização como o início do pensamento:

"Se aprofundada, a lógica formal não proíbe o pensamento dialético. Ao contrário: mostra a possibilidade dele, abre-se para a sua exigência, sua espera, seu trajeto; 'funda' a necessidade desse pensamento. A lógica formal remete à dialética, pela mediação da lógica dialética." (LEFEBVRE, 1975: 24)

Assim, sua teoria é de que as "Formas" são os contornos sobre os quais se propõe diversas relações lógicas, e o Conteúdo seria as diversas questões concretas que são inseridas nestas formas vazias55. Lefebvre considera que o pensamento Hegeliano já havia revolucionado o pensamento ao fazer a "crítica do velho princípio de identidade (da não- contradição, do terceiro excluído)", porém teria suprimido o difícil problema da "mediação" entre lógica e dialética, forma e conteúdo. (LEFEBVRE, 1975: 2)

Além disso, a teoria de Lefebvre reformula a noção de coerência na lógica formal, ao propor uma coesão entre os termos envolvidos: numa oposição de termos (A / B), os dois termos implicam um no outro de forma dialética, sendo um mesmo enunciado passível de ser "verdadeiro e/ou falso" a depender do referencial adotado (1975: 8). Assim, se torna impossível também a tautologia transparente e vazia ("redução completa do conteúdo), pois numa afirmação A ≡ A, a repetição já introduz a diferença (1975: 10). Seria, portanto,

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É bom notar que o "conteúdo" para Lefebvre é o inverso do ele é para Hegel (1996: .95), porque para este, como o real é a razão, então o concreto é a própria idéia consciente de si, a própria idéia realizada (isto tanto na natureza quanto abstrações do espírito. Para Lefebvre, seguinto Marx, o concreto se relaciona diretamente com a

necessário a construção de uma "lógica da diferença", que inclui a afirmação como um conteúdo:

"O movimento 'forma-conteúdo', e a relação sempre concreta que religa esses termos, fazem o objeto de análises a propósito das quais se pode repetir o que foi dito mais acima: cada démarche trata de [assenta-se sobre] um resíduo de uma operação analítica anteriormente conduzida; o irredutível – fundos ou fundamentos da “presença” do objeto – subsiste e persiste sempre." (LEFEBVRE, 2006: 159)

Por outro lado, as formas não são elementos isolados da realidade à qual se referem, e também se transformam ao entrar em contato com um determinado conteúdo:

"O conteúdo dessas formas as metamorfoseia. A forma quadrangular se reencontra no campo militar romano, nas bastides medievais, na cidade colonial hispânica, na cidade americana moderna. Porém, essas realidades urbanas diferem a tal ponto que só a forma abstrata autoriza uma comparação." (LEFEBVRE, 2006: 160)

Assim, a ligação entre fatos e teorias é um processo de confrontação (situado historicamente e politicamente) através de uma dialética entre forma e conteúdo, e não uma relação que pode ser resolvida apenas no âmbito da multiplicidade de interpretações:

"Esses e vários outros autores, que se colocam sob o signo do rigor formal perfeito, cometem o erro perfeito – o paralogismo - do ponto de vista lógico-matemático: o salto por cima de uma região inteira [a cisão entre forma e conteúdo], evitando o encadeamento, salto vagamente legitimado pela noção de “corte” ou de “ruptura”, utilizada segundo as necessidades da causa. Eles interrompem a continuidade do raciocínio em nome de uma descontinuidade que sua metodologia deveria proscrever. O vazio assim organizado e o alcance dessa ausência variam segundo os autores e as especialidades; essa acusação não poupa nem J. Kristeva e sua “semiótica”, nem J. Derrida e sua “gramatologia”, nem R. Barthes e sua semiologia generalizada56. Nessa escola, que se torna cada vez mais dogmática (o sucesso ajudando), incorre-se freqüentemente nesse sofisma fundamental: o espaço de origem filosófica- epistemológica se fetichiza e o mental envolve o social com o físico. Se alguns desses autores suspeitarem da existência ou da exigência de uma mediação57, a maioria deles salta, sem outra forma de processo, do mental ao social." (LEFEBVRE, 2006: 11-12)

Assim, para Lefebvre a lógica, enquanto vazia pode ser neutra, porém, sempre que colocado um conteúdo na forma, ela passa a ser uma afirmação política e situada (LEFEBVRE, 1975: 13 e 36):

"Todavia, ela só é 'neutra' enquanto vazia; e na medida em que, implicando a possibilidade de pensar, não seja um pensamento. Nenhum pensamento, nenhuma idéia, nenhuma 'reflexão' que tenham objeto e conteúdo podem ser completamente neutros. (...) Existe alguma proposição

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Ela alcança outros autores, em si mesmos ou através dos precedentes. R. Barthes fala de J. Lacan nesses termos: “Sua topologia não é a do dentro e do fora, ainda menos do alto e do baixo, mas, antes, de um anverso e de um reverso moventes, do qual a linguagem não cessa precisamente de trocar os papéis e de virar as superfícies em torno de alguma coisa que se transforma e, para começar, não é.” (Critique et vérité, p.27). (nota de Lefebvre)

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Esse não é o caso de Cl. Lévi-Strauss, que em toda a sua obra identifica o mental e o social pela nomenclatura (das relações de troca) desde os primórdios da sociedade. Por seu turno, J. Derrida, colocando a “grafia” diante da “fonia”, a escrita à frente da voz, ou J. Kristeva, evocando os corpos, buscando uma transição (a articulação) entre o espaço mental previamente posto por eles, portanto pressuposto, e o espaço físico-social. (nota de Lefebvre)

que não implique responsabilidade? Não existe. Quem pensa inocentemente? Ninguém." (LEFEBVRE, 1975: 30)

Neste sentido, Lefebvre (1986: 417) ataca duramente as proposições na arquitetura que tomam a geometria como um elemento "neutro" para a descrição do espaço, já que impõem uma homogeneização rígida à diversidade de visões.

"O termo “forma” pode se tomar em diversas acepções: estética, plástica, abstrata (lógico- matemática) etc. Geralmente, seu uso implica a descrição de contornos, a determinação de fronteiras, de envoltórios, áreas ou volumes. É neste sentido que a análise espacial a aceita. O que não evita toda dificuldade. Uma descrição formal que se quer exata pode se revelar em seguida penetrada de ideologias, sobretudo se implícita ou explicitamente ela tem uma intenção redutora. O que define um formalismo." (LEFEBVRE, 2006: 157)

Apesar de Lefebvre conceber a possibilidade de se separar in abstracto o conteúdo e a forma, sua argumentação é de uma irremediável união na praxis:

"Por metonímia e abuso de linguagem, pode-se falar de uma lógica de classe quando um conteúdo político é tratado logicamente, sistematizado erigido em regra e norma social. Uma estratégia de classe levada até o fim, implacavelmente, obedece a tal lógica. Inclui ou exclui, através da lei ou da morte, da violência.58 (...) Com essas reservas, a lógica concreta, a 'praxiologia', revela sempre, decerto, uma 'lógica de classe', uma estratégia aparente ou oculta numa ideologia e inerente a esse véu ideo-lógico." (LEFEBVRE, 1975: 30)

Apesar das acusações de hegelianismo, a proposta de Lefebvre não é a famosa identidade proposta por Hegel (o real é racional, e o racional é real), mas uma busca por compreender, considerar e dar sentido teórico e prático para a dialética existente entre o mundo e as teorias:

"Como denominar a separação que mantém à distância, uns fora dos outros, os diversos espaços: o físico, o mental, o social? Distorção? Defasagem? Corte? Fissura? Pouco importa o nome. O que interessa é a distância que separa o espaço “ideal”, depedente das categorias mentais (lógico-matemáticas), do espaço “real”, o da prática social. Enquanto cada um implica, põe e supõe o outro." (LEFEBVRE, 2006: 21)

Esta idéia de uma união entre o espaço físico, mental e social será fundamental na teoria do espaço (urbano) de Lefebvre, pois não apenas "relativiza" a noção do que é real (as proposições sempre ligadas a uma métrica, a estrutura de uma teoria), mas propõe uma "coesão" dialética entre estes três espaços, tornando cada um parte constituinte do todo do outro.

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Estes temas estão também muito presente na obra de Boaventura Souza Santos, que falará de uma "razão metonímica" (que reduz a diversidade como partes homogênias de um único "todo") e de uma "lógica abissal" (que pressupõe estabelecer os critérios absolutos das "categorias" "reais") que impõem seu domínio sobre as outras "lógicas" provocando a deslegitimação de determinadas práticas sociais, e consequentemente, sua exclusão do campo da verdade dita "legítima" (ver SANTOS, 2006 e 2007).

Herbert Marcuse, apesar de toda diferença que apresenta em relação às idéias de Lefebvre, demonstra de maneira bastante clara a amarração radical e inseparável de toda forma a um conteúdo ético implícito, ao analisar o mito da Caverna de Platão. Para ele, neste relato, a idéia assume um caráter "subversivo" em relação à realidade das aparências no interior da caverna. Ao contrário da lógica formal, que afirma que (x) é (y) (o Real é Racional, o Estado é Razão, o Homem é Livre), a verdade na dialética do filósofo se fundaria a partir de uma "violenta libertação da Caverna": "não declara um fato, mas a necessidade de

ocasionar um fato". O ponto importante que queremos ressaltar nessa análise, é que para

Marcuse a subversão impõe um imperativo, ou seja, "o predicativo 'é' implica um 'deve' ". Assim, qualquer filósofo ao afirmar que a verdade "é" aquilo que viu no exterior da caverna, ele empreende uma afirmação que é, também, uma atitude "ética" (MARCUSE, 1967: 133).

Por isso, quando se afirma que o real é racional, o Estado é Razão, ou o homem é livre, ocorre um processo seletivo, em que se julga (e joga fora) todas as situações onde o Estado não é racional, ou o homem é escravizado, ou seja, afirma-se: "o homem não é (de fato) livre, dotado de direitos inalienáveis etc., mas deve ser, porque é livre aos olhos de Deus, por natureza, etc." (MARCUSE, 1967: 134).

"Esta lógica projeta outra modalidade de existência: a realização da verdade nas palavras e [n]os atos do homem. E, visto como este projeto compreende o homem como um 'animal social', a polis, o movimento do pensamento tem um conteúdo político." (MARCUSE, 1967: 134).

Isso estabeleceria, para Marcuse, que a verdade coincidiria com a "negação" das aparências, propondo, assim, uma realidade "bidimensional" que supere a realidade percebida cotidianamente, onde a "arte" teria um papel fundamental, pois tem a capacidade de subverter a forma estabelecida de ver o mundo, conduzindo o pensamento a uma verdade negativa59.

A arte revolucionária não seria mais uma ilusão, seria "antes uma contraconsciência: a negação do pensamento realístico-conformista (...) desvia a arte do poder mistificador do dado concreto e a liberta para a expressão da sua própria verdade" (MARCUSE, 1981: 22). A arte "destrói a experiência de todos os dias e antecipa um princípio de realidade" (MARCUSE, 1981: 30); e se ela não pode mudar o mundo, muda as conciências que têm a nova capacidade para mudar este mesmo mundo (MARCUSE, 1981: 42)

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Esta proposição não está em completo acordo com as idéias que propomos, já que esta negação não é necessariamente uma só. Além do fato de que esta noção leva ao que chamaremos de "melancolia" (ver próximo item) já que ao propor o exterior da caverna como uma nova caverna, só a "negação infinita" teria um conteúdo de verdade. Assim, o filósofo propõe, de fato, uma outra caverna como verdade: a revolução total da vida como única forma de fazer coincidir as idéias com aquilo que verdadeiramente são. Nossa proposta, ao contrário, chegará a uma multidimensionalidade da realidade, cujo conteúdo verdadeiro se vincula a uma noção de "verdade poiética" do mundo, uma dialética contínua daquilo que imaginamos com aquilo que é (ver LEFEBVRE, 1967: 389, e item 1.1.3.).

Para Marcuse a arte tem também a capacidade de relacionar dialeticamente a forma e o conteúdo, pois ela procede através de uma inversão de suas identidades: o conteúdo de uma vida trágica se transforma na "forma" de uma tragédia (a estória); o conteúdo da vista de uma janela se torna uma janela para entender o mundo, ou seja, trata-se de um "conteúdo" utilizável pelo público como "forma" para repensar a realidade:

"O preço de ser artista é experimentar o que os não-artistas chamam forma como conteúdo, como 'a verdadeira coisa' (die Sache selbst). Então pertence-se de qualquer modo a um mundo invertido; porque agora o conteúdo, incluíndo-se a nossa própria via, torna-se uma coisa meramente formal." (NIETZSCHE apud MARCUSE, 1981: 50)

Boaventura S. Santos parte de uma analise das proposições de verdade nas ciências e também procura demonstrar que "Não há ciência pura", pois esta sempre tem uma relação direta com a história e a cultura da qual faz parte. Assim, ele estabelece que há uma diferença entre neutralidade (a suposição, na ciência moderna, da possibilidade da "eliminação" do sujeito concreto produtor do saber, substituíndo-o por um supostamente universal e necessário) e objetividade (que pode ser a formulação de objetos teóricos de forma metodológica e rigorosa) (SANTOS, 2007:23). Assim, para evitar uma neutralidade ingênua e um subjetivismo vulgar, Santos propõe a busca por uma "objetividade engajada", como "renovação da crítica" e "reinvenção da emancipação" (SANTOS, 2007: 11). Esta objetividade engajada seria a construção de um saber que se sabe parcial e envolvido com projetos situados, buscando transparecer e potencializar o engajamento político e emancipatório que cada forma possui:

Assim, Boaventura pondera:

"O terceiro desafio é distinguir entre objetividade e neutralidade. É a idéia de que devemos ter uma distancia crítica em relação à realidade, mas ao mesmo tempo, não podemos nos isolar totalmente das conseqüências e da natureza do nosso saber, porque ele está contextualizado culturalmente; todo saber é local, todos os sistemas de saber são locais, inclusive as ciências." (SANTOS, 2007: 57)

Esta perspectiva da relação entre a forma e o conteúdo apresenta uma distancia extremamente grande de uma série de estudos atuais que buscam a reafirmação do formalismo dito modernista. Para ilustrar como esta proposta vai além da aceitação ingênua da forma universal do modernismo (um momento histórico e parcial), recorreremos a uma citação relativamente longa:

"Nos textos de Helio Piñón o formal sempre se refere à estrutura relacional ou sistema de relações internas e externas que configuram um artefato ou episódio arquitetônico e determinam a sua identidade. Esse sentido relacional da forma é, no âmbito da arquitetura moderna, uma conseqüência da sua renúncia aos valores de objeto como algo fechado em si mesmo. A idéia de forma como relação (...) Parece evidente que a identidade formal de uma obra depende da presença de uma estrutura formal que defina sua organização espacial e as

relações com o seu entorno, a qual pode ser definida como “um princípio ordenador segundo o qual uma série de elementos, governados por relações precisas, adquirem uma determinada estrutura” (...) Afirmar o formalismo da arquitetura moderna é enfatizar o seu empenho de dotar de ordem visual a espacialização de um programa, sua recusa em se satisfazer com a simples correção funcional de um projeto (...) Helio Piñón enfatiza a ruptura metodológica que ela [a arquitetura moderna] introduziu em relação aos modos de produção artística anteriores, substituindo a imitação por uma idéia autônoma de forma, desvinculada de qualquer sistema prévio ou exterior. (...) O empenho construtivo moderno se caracteriza por situar o marco de legitimidade da obra no âmbito do objeto, buscando a lógica da sua constituição como artefato ordenado por leis que lhe são próprias. (...) Para Piñón, a resolução de um programa em termos formais é a essência da arquitetura moderna e, por decorrência, da sua. O programa é o maior vínculo que um projeto mantém com a realidade (...) Na obra de Helio Piñón os edifícios são o que são, não o que aparentam ser. (...) A universalidade de um projeto é a condição de que algo seja reconhecido por si mesmo e que possa servir para outros propósitos sem perder sua qualidade intrínseca. Ambos aspectos, o reconhecimento de forma, e sua flexibilidade dependem de uma estrutura formal consistente. (...) sistematicidade também se deve ao fato de ser um atributo que confere a uma obra a ordem necessária ao seu reconhecimento como forma ou, em outras palavras, propicia a ação formativa do sujeito." (MAHFUZ, 2007: s.p.)

Apesar de declarar a construção de um "objeto" centrado em si mesmo, e supostamente universal, a teoria modernista revisitada é um ressurgimento de uma busca por uma forma universal positivista, que está claramente vinculada à uma época em que sonhava com a capacidade do pensamento ocidental de atingir uma "verdade" única e geral, impondo seus sonhos situados de forma hegemônica frente à diversidade cultural de colocar a questão arquitetônica. O projeto modernista se baseia numa fé no progresso, cuja personificação era representada na figura do arquiteto especialista, cujo dom emanava de sua genialidade intrínseca para lidar com o espaço euclidiano. Trata-se, portanto, de uma redução da diversidade do fenômeno arquitetônico à uma visão específica e histórica, cuja única forma de se tornar universal é através da dominação, imposição e desqualificação das outras perspectivas como atrasadas.

A busca pela forma universal positiva pode ser exemplificada, na arquitetura modernista, pela repetição de uma série de características: planta livre (que busca uma forma que sirva a qualquer conteúdo); as fachadas de vidro (forma que supostamente poderia manter todas relações possíveis com o entorno, exceto, é claro, a não relação, ou a relação perspectivada); as leis plásticas universais (tais como proporções de ouro, ou cores primárias, capazes de formar todas as outras cores, sem se dar conta do caráter situado destas teorias); e assim por diante.

Esta postura diante da forma espacial gerava um esvaziamento total da atividade de produção do espaço, eliminando seus conteúdos e decisões éticas implícitas:

"No melhor dos casos, o espaço passava por um meio vazio, recipiente indiferente ao conteúdo, mas definido segundo certos critérios inexprimidos: absoluto, ótico-