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PARTE 1: CIÊNCIA E URBANISMO

1.2. POIESIS URBANA: Cisões de Arte e Urbanismo *

1.3.1. Percepções e Aberturas da História

O desenvolvimento da era moderna abriu a percepção do saber para a mudança, o fluxo da sucessão de idéias e de formas sociais. Este processo consolidou a "História", durante o século XIX, como a Ciência Mãe ("aparece com toda a majestade da grande ciência", Lefebvre, 1971: 17), até meados do século XX, pois, foi o saber que conseguiu gerar sentido à vertigem da substituição da tradição. De Hegel a Braudel ela foi o principal instrumento capaz de compreender esta situação. Construir a história da filosofia, das sociedades, da economia é, ao seu tempo, o modo principal de interferir na realidade, compreender suas verdades, e propor seus sucessores.94

Como vimos, filosofia da história nasce com Voltaire (BAUMER, 1990: 175), mas ela nasce como "'um pequeno número de princípios invariáveis' que davam à história uma certa unidade", e como no mundo newtoniano, pode-se compreender como se "vivia ainda parcialmente num mundo estático de leis eternas, de modelos perfeitos" que geravam um sentido geral ao "império do costume", tão vasto quanto o das aparências da natureza (BAUMER, 1990: 176). Porém, o procedimento de Voltaire já é uma ampliação das noções etnocêntricas da história, pois tratava-se de uma "nova espécie de história universal (...) com capítulos sobre a China, a Índia, a América, etc." (BAUMER, 1990: 182). Assim, a história foi construída considerando as outras sociedades como uma evolução à parte da Européia, mas seu sentido era canibalizado por sua visão central.

A ascensão definitiva da história se dá com a retomada da dialética empreendida por Hegel, que permitiu gerar um sentido para o movimento contraditório, o movimento das sucessões de idéias e do destino dos homens. A contribuição posterior de Marx foi a inclusão da situação concreta nas percepções da história; a busca por estender a história e a construção da verdade ao mundo da práxis; buscando entender a historicidade das estruturas sociais (conceitos e relações); a união entre a sociologia e a economia; o entendimento das tensões internas que movem os sistemas sociais; a história como um instrumento para a construção concreta de um destino melhor para os homens (HOBSBAWN, 1998). Em ambos (Hegel e Marx) o destino "descoberto", é parte fundamental do sentido que o método histórico constrói.

"Uma história 'causal', ligação racional e conhecimento objectivo de causas históricas, ciência tendo por objecto factos encadeados segundo leis e constituindo séries bem determinadas, nunca passou de uma caricatura da história: uma física social (tendo por modelo, como na época de Saint-Simon, a física do século XVIII). Esta concepção abastardada, que se dizia objectiva, permitia ao historiador tecer a história, escolher a trama e o encadeamento,

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Há muito, a história já não goza desta majestade, vivemos sua "grande decepção", a "revolução não trouxe a liberdade, mas sim outras modalidade de opressão" (LEFEBVRE, 1971: 229-230).

seleccionar as séries causais segundo a sua ideologia, o seu gosto, numa palavra, a sua subjectividade. Daí a (...) oscilação entre o positivismo e o subjectivismo" (LEFEBVRE, 1971: 185)

Só assim, compreenderemos a proposta de Jacques Rancière (1994) de uma inseparabilidade entre o discurso (histórico), a política e a ética. No seu livro "Os Nomes da História - Um Ensaio de Poética do Saber" (ainda anterior ao "A Partilha do Sensível", e com uma noção de poética mais restrita), ele começa a construir este outro entendimento da história. A substituição da "Crônica dos Reis" por uma história movida pelas massas, cuja disseminação veio através da figura de Marx (1852) e se desenvolveu pela "Escola dos Annales" (de Lucien Febvre e Fernand Braudel, a Michel Foucault e Jacques Le Goff), produz uma reviravolta na forma de entender seu desenrolar.

Antes, a história seria vinculada a preocupações "acontecimentais", que buscavam a descrição precisa das relações e conflitos dentro da "nobreza", e seu objeto era o estudo das "papeladas" oficiais, tratando de sua datação precisa. O centro do processo histórico era, assim, colocado sobre as grandes figuras, e o restante do povo (excluído do espaço legítimo do fazer histórico) não possuía voz qualificada, possível de interferir no encadeamento dos fatos.

Já antes do século XX, a Historiografia Romântica incluiu a vida corriqueira na construção dos fatos, mas, o faz a partir de seus porta-vozes, os revolucionários e líderes (letrados iletrados), ou então, como na historiografia clássica, fazia os personagens do povo falar através de sua linguagem (a língua erudita), a única com direito à "verdade". Segundo Rancière, esta historiografia, de início, já desqualifica estas outras vozes, como desprovidos do conhecimento da ordem, desprovida da verdade dos fatos por trás das aparências tolas, atuando como agentes cegos à sua própria virtu, e não como motores da história. A Nova

História seria, portanto, uma inversão da relação aparência (fatos corriqueiros insignificantes)

e a verdade histórica (o que a move).

Assim como Velloso (2007) relata que na Comuna de Paris, a cidade "luz" continuava sua vida sem perceber as insurgências em seus guetos, Rancière relata que na Revolução Francesa os cafés e Óperas continuaram funcionando, enquanto o povo tomava a Bastilha. Rancière (1994) propõe a figura do Oceano como metáfora à história: na superfície as ondas turbulentas são o que movimenta e transforma as águas (o aparente é a mobilidade), de agitadas a calmas, enquanto na profundidade, submergida no status quo, reina a calmaria.

Para Rancière, a inclusão destes que não têm lugar para a fala histórica na história, não pode ser simplesmente a multiplicação e recompilação de todos os seus relatos (todos os fatos

da vida cotidiana), o que levaria o estudo à uma profusão de dados caóticos. A escola dos Annales propusera como via a abertura da historiografia a estes outros espaços manifestados pelo povo (daí a inclusão em seus textos de preocupações geográficas e econômicas), não substituindo suas vozes ou recompilando-as, mas situando-as em seu momento "fundador", aquele que permite sua verdade e seu sentido se manifestar por si só.

Assim, o empreendimento da Escola dos Annales não é simplesmente procurar dar "sentido", dar voz, àqueles que estão excluídos dos círculos eruditos, mas também colocá-los como o movimento que destrói a hierarquia estabelecida, e amplia o espaço político, ou seja, instituindo novos espaços onde a voz da massa pode ser ouvida. Assim, fazer história seria trazer de volta à vida as falas daqueles que já não estão mais presentes, trazer à tona o ato fundador, que reconstrói o espaço vivido.

Também, neste sentido, a proposta de Edward Soja de um materialismo histórico- geográfico (com muitas referências a Foucault, 1984) é uma busca teórica que visa não só atender a uma exigência positivista (descrever melhor o mundo), mas, busca dar um novo "sentido" teórico e prático para a transformação do mundo, ao incluir o espaço como agente de construção das diferenças, das hierarquias de poder e das causalidades do movimento social (como veremos no item 1.3.2.). É preciso, portanto, analisar os pressupostos destas "Histórias Críticas", desnudar seus campos-cegos e suas virtualidades, se quisermos interferir no debate. Uma análise poiética da evolução destes debates (empreendidos por Marx, Vladimir Lenin, Rosa de Luxemburgo e Trotsky) será crucial para posicionarmos a discussão no momento atual, e é o que procuramos delinear de modo geral abaixo.

O Materialismo contra o Idealismo: A revolução como motor e sentido.

Em "A ideologia Alemã", Marx propõe "desmascarar" os "sonhos inocentes" dos jovens hegelianos que imaginavam que todas as relações humanas são produtos da consciência. Segundo Marx, eles concebiam que bastaria mudar a interpretação (e manter o que existe) para realizar uma revolução social. Para ele, não é mudando de fraseologia "que se luta com o mundo que realmente existe". Marx pretende partir da realidade (os indivíduos reais em sua atuação real) em oposição às discussões neohegelianas que partiam dos dogmas e das concepções de mundo. Também afirma: "Apenas conhecemos uma ciência, a da história." Assim, ele estabelece uma linha clara entre a história verdadeira (material) e a ideologia, que seria "uma falsa concepção dessa história" ou, ainda, uma "abstração".(ENGELS & MARX, 1999 [1846]: 9-10)

Na busca pela construção de seu "materialismo histórico", Marx e Engels procuram estabelecer a "realidade" humana a partir de uma definição precisa do próprio homem. O que estabelece, em bases concretas, a diferença do homem em relação aos animais é a sua capacidade de "trabalhar", de produzir materialmente o mundo em que vive. Um fato que estabelece um vínculo direto das concepções com a práxis que ela constrói. Assim, nos homens:

"O que são coincide portanto com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que produzem como com a forma como o produzem. Aquilo que os indivíduos são depende portanto das condições materiais da sua produção." (ENGELS & MARX, 1999 [1846]: 12)

É importante notar aqui, que a discussão das "ciências" encontra-se hoje em um estágio muito mais avançado. O simples enunciar de Marx de que está falando sobre as coisas reais em si, não significa que suas concepções (de materialidade, modo produção, homem, etc.) correspondam como um espelho à realidade. Trata-se dos olhos do filósofo de que falará, depois, Engels. Porém, esta atitude radical tem como grande potencialidade arraigar a discussão na "situação" em que o debate ocorre, ou seja, na práxis, onde as relações sociais (mesmo concebidas) implicam concretamente na vida cotidiana das pessoas.

Outra questão importante na discussão entre os hegelianos e Marx está no papel do Estado na sociedade da sua época. Para os primeiros o Estado Moderno é uma construção da razão, que procura estabelecer os princípios ideais de verdade, justiça, ordem, etc. Para Marx, se houvesse verdade, justiça e ordem no mundo concreto, não seria necessário o Estado para submeter as pessoas a uma lógica determinada. Assim, para ele:

"a burguesia, desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa." (MARX, s.d.[1848]: 2)

Em suas obras "O 18 Brumário de Luís Bonaparte" e "A Guerra Civil na França", Marx põe em prática sua história material e demonstra o poder de explicação de seu método. Na primeira, demonstra o processo gradual e contínuo de formação de uma máquina institucional de controle e gerenciamento da produção. Na segunda, aponta como estas somas graduais vão enriquecendo as contradições internas até atingir um ponto crítico que culmina numa revolução: no caso, a Comuna de Paris.

Ao contrário do Estado Burguês, a Comuna não era formada por uma elite intelectual que conhecia as "verdades filosóficas" do mundo, mas pelo contrário, era formada por representantes diretos da classe operária (a maioria oprimida), que eram eleitas não como representantes com títulos de poder, mas como delegados, cuja designação poderia ser

revogada a qualquer momento pelo povo. Marx apenas não consegue compreender como uma Comuna formada por blanquistas e simonianos (socialistas utópicos, na definição de Marx) souberam o que fazer na prática e decretaram uma série de medidas que constituíam o primeiro governo realmente do povo. Conclui por esta experiência que os proletários não precisaram sancionar nenhuma utopia "par decrét", e compreenderam que: "não têm que realizar nenhum ideal, mas simplesmente libertar os elementos da nova sociedade que a velha sociedade burguesa agonizante traz em seu seio." (MARX, 1999 [1871]: 98)

Para Marx, as Revoluções e os Conflitos da sociedade de sua época tinham origem nas contradições entre o "modo produção" (que era socializado, na fábrica) e "modo troca" (apropriação individual da produção e troca através do mercado) (MARX, 1999 [1846]: 94). Assim, para Marx este é o conflito interno do capitalismo que implicará necessariamente em sua superação, pois, o contínuo crescimento da produtividade atingirá um momento em que todos poderão se apropriar dos bens de necessidade, sendo que "este fenômeno só pode ser suprimido se for suprimida a propriedade privada e o próprio trabalho" (MARX, 1999 [1846]: 99). Ou seja, a liberdade pessoal depende da liberdade universal, e só seria possível em comunidade.

O que é, então, a emancipação para Marx? Para ele, quando houver uma coincidência entre a produção material (que é a extensão real da existência do homem) e a apropriação deste produto (ou seja, ser dono de sua própria vida), então, o homem terá se livrado das antigas explorações de classe.

"É apenas nesta fase [comunismo] que a manifestação de si coincide com a vida material; essa fase corresponde à transformação dos indivíduos em indivíduos completos e à superação de tudo o que lhes foi originalmente imposto como natural; corresponde-lhe a transformação do trabalho em manifestação de si e a metamorfose das relações até então condicionadas em relações dos indivíduos enquanto indivíduos." (MARX, 1999 [1846]: 120)

A Reforma contra a Revolução

Eduard Bernstein era um amigo pessoal de Friedrich Engels com quem mantivera contato intelectual até a morte de Engels (entrando inclusive em seu testamento). Entrou para o partido social-democrata alemão juntamente com Karl Kautsky, e em 1899 publicou um livro chamado "Socialismo Evolucionista". A tese principal de Bernstein, que coincide com sua mudança para a via democrática, era que a teoria da "catástrofe iminente do capitalismo" não coincidia com os dados empíricos da realidade. Isso poderia ser provado, já que a condição da classe operária estava melhorando e o número de capitalistas aumentando. Assim, argumenta que: "But it is evident that if social evolution takes a much greater period of time

than was assumed, it must also take upon itself forms and lead to forms that were not foreseen and could not be foreseen then" (Bernstein, s.d. [1899]: s.p.).

Bernstein argumenta que procura eliminar os traços de utopismo que existe na teoria marxista, já que esta define um "objetivo final" a ser atingido e define como único movimento histórico possível para a luta socialista a crise total do capitalismo e a revolução proletária. Sua argumentação abria caminho para a participação proletária no Parlamento Alemão estabelecido por Bismark, onde o partido operário foi ganhando sucessivamente mais cadeiras.

Desta forma, Bernstein acusava Marx daquilo que ele mais havia combatido no socialismo: a utopia. Está implícito no título do livro uma influência direta de Charles Darwin, que em 1859 havia publicado seu revolucionário "A origem das Espécies". Para Ernst Mayer, a grande transformação da ciência que este livro produziu se deve à introdução da história na ciência (algo cuja origem já citamos em Marx) e, principalmente, pela substituição da "teleologia" (característica da história hegeliana e, também, atribuída à inevitabilidade do comunismo em Marx) pela noção de "princípios". No argumento teleológico se dizia que as espécies caminhavam em ordem de evolução até o mais perfeito. O argumento darwiniano partia de uma origem comum de todas espécies, e permitia compreender as bifurcações e evoluções paralelas das milhares de espécies diferentes. Ou seja, a partir de um mesmo contexto natural histórico a evolução para o futuro pode ser infinita e diversificada, mas, seguindo princípios como a "seleção natural". Quando Marx escreveu "A Ideologia Alemã", ainda acreditava na "criação expontânea" dos homens:

"É certo que o primado da natureza exterior não deixa por isso de subsistir, e tudo isso [o trabalho humano] não pode certamente aplicar-se aos primeiros homens nascidos por generatio aequivoca (geração espontânea, N.T.), mas esta distinção apenas tem sentido se se considerar o homem como sendo diferente da natureza." (MARX, 1999 [1846]: 28)

A evidente dianteira do discurso científico de Bernstein (que teve acesso a fontes teóricas materiais mais adiantadas) permitiu que ele reelaborasse a concepção do movimento histórico, embora não o tenha impedido de cometer seus erros. O principal foi, talvez, a eliminação da preocupação com a concepção do futuro, e mesmo com o futuro como um todo:

"I have at no time had an excessive interest in the future, beyond general principles; I have not been able to read to the end any picture of the future. My thoughts and efforts are concerned with the duties of the present and the nearest future, and I only busy myself with the perspectives beyond so far as they give me a line of conduct for suitable action now." (Bernstein, s.d. [1899]: s.p.)

Mas, talvez tenha sido justamente sua ânsia em continuar a guerra de Marx contra a utopia, que o fez cair num imediatismo exagerado, sendo acusado por Rosa de Luxemburgo

de "oportunista" (LUXEMBURGO, s.d. [1900]:s.p). É bem conhecido na literatura marxista que o partido social-democrata votou a favor da Primeira Guerra Mundial, fato "material" utilizado para simplesmente desqualificar suas propostas, desconsiderando-se o desconcerto que estas novas questões trazem à "doutrina" marxista.

A teoria revisionista de Bernstein foi um importante momento de revisão da cientificidade do Socialismo Marxista. Apresentou a possibilidade de um caminho democrático para a emancipação progressiva da classe operária, que não seria menos cheio de problemas que a alternativa revolucionária. Também, reacendem o debate sobre as Associações Cooperativas como um caminho possível para emancipação do trabalho (um debate novamente aceso hoje pela "Economia Solidária", ver SINGER, 1998 e BERTUCCI, 2005). Outro ponto importante foi a contradição interna ao marxismo, ao afirmar que os "proletários" eram ao mesmo tempo "alienados" por sua situação histórica, e por isso mesmo, motores das modificações a seu favor.

Entretanto, no livro "Reforma ou Revolução" Rosa de Luxemburgo faz importantes argumentações sobre este revisionismo, contra-argumentando a favor de três alicerces básicos do Socialismo Científico de Marx: (1) afirma que há uma crescente anarquia implícita da economia capitalista que a dirige para o fim; (2) a socialização da produção é inevitável e crescente; (3) e a consciência de classe tende a aumentar devido o aumento da diferença entre possuidores e não possuidores. Ela argumenta que sem estes pré-requisitos a doutrina marxista não teria fundamentação:

"Ou os 'factores de adaptação' são capazes de evitar realmente o desmoronamento do sistema capitalista e assegurar a sua sobrevivência, portanto, anular essas contradições e, nesse caso o socialismo deixa de ser uma necessidade histórica e, a partir daí, é tudo o que se queira, excepto o resultado do desenvolvimento material da sociedade." (LUXEMBURGO, s.d. [1900]:s.p)

Longe de procurar respostas simples à questão é preciso perceber que a argumentação de Luxemburgo, de que Bernstein estava errado por ser um idealista, não pode ser tomada como satisfatória, e as cicatrizes deste debate ainda estão em aberto.

A Ditadura Democrática e a Revolução Permanente

Um terceiro debate importante foi travado ao longo do estabelecimento das revoluções Russas entre Lenin, stalinistas e Trotsky.

Lenin argumenta que a tendência da revolução é a eliminação total do Estado, já que este (em Marx) seria um instrumento de coerção entre classes. Porém, se distancia dos anarquistas, pois julga que na primeira fase do comunismo, o Estado terá um papel

fundamental na execução das medidas necessárias. Estabelece, assim, a palavra de ordem "ditadura democrática do proletariado e do camponês", uma tentativa de ajustamento da doutrina marxista à formação socio-economica na Rússia. Afirma que só com uma ditadura (que seria democrática, no sentido de que pertence ao povo) poderá implantar as medidas necessárias para a revolução. (LENIN, s.d. [1917]: s.p.)

Por seu lado, Trotsky alterava esta noção com uma interpretação de Marx que julgava mais fiel à doutrina, afirmando que apenas uma Revolução Permanente poderia levar ao comunismo. Com Revolução Permanente Trotsky queria argumentar duas coisas essencialmente: que a revolução não daria certo se ficasse circunscrita ao Estado da Rússia (tendo que se tornar uma mudança universal); e que a revolução deveria quebrar o dogmatismo de implantar primeiro a revolução burguesa, depois a socialista e após a comunista. Elas teriam que ocorrer sem intervalo. (TROTSKY, s.d. [1929]: s.p.)

Para Trotsky era preciso compreender a plasticidade do pensamento de Marx, e que a única forma de promover o socialismo era uma "ditadura" radical da vanguarda dos proletários:

"A ditadura do proletariado, que sobe ao poder como força dirigente da revolução democrática, será colocada, inevitável e muito rapidamente, diante de tarefas que a levarão a fazer incursões profundas no direito burguês da propriedade. No curso do seu desenvolvimento, a revolução democrática se transforma diretamente em revolução socialista, tornando-se, pois, uma revolução permanente." (TROTSKY, s.d. [1929]: s.p.)

Assim, Trotsky afirma que a revolução não termina com a tomada de poder, que abriria uma fase seguinte de reformas democráticas. Mas, ao contrário, a revolução teria um tempo longo e "indeterminado" que se alongaria até o atingir final do comunismo. Desta forma, também Trotsky promove uma reformulação das temporalidades rígidas da história de Marx, e permite compreender como seria possível uma revolução que não é pontual, mas um longo processo.

Acreditamos que estes acerca do papel do Estado, da Revolução, das Reformas, da Democracia e da emancipação na construção de um sentido para a história, demonstram a grande plasticidade no início da formação do pensamento marxista. Estes debates estão, também, arraigados no momento em que ocorreram. Acreditamos que a construção de "sentidos" para a "História" é um processo em que as concepções e a imaginação atua diretamente sobre o espaço percebido, de forma a lhe descortinar possibilidades de abertua, de emancipação. No mundo contemporâneo, não se trata mais de aplicar estas doutrinas para a transformação de nosso espaço realizado, mas, utilizar este saber prático como base teórica