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As formas relativa e equivalente do valor: a gênese da forma dinheiro [Geld]

3 CRÍTICA DA RIQUEZA BURGUESA [CAPITALISTA] E A

3.3 A forma do valor [Wertform], mediante o valor de troca

3.3.1 As formas relativa e equivalente do valor: a gênese da forma dinheiro [Geld]

sociedades capitalistas

Da teoria da mercadoria e da troca, provém a introdução da teoria marxiana do dinheiro. A perspectiva da troca, nas sociedades capitalistas, ao se repetir de maneira permanente, estrutura as condições de produção: os “produtos tornam-se mercadorias”, segundo a formulação de Marx87. Por poder ser conservada ou entesourada e, em oposição à

troca imediata, ao permitir a separação da compra e da venda (isto é, não ficar limitada à permuta imediata), pode, finalmente, uma mercadoria destacar-se das outras, “em virtude de propriedades específicas (divisibilidade, conservação). Ela se torna dinheiro” (LÖWY; DUMÉNIL; RENAULT, 2015, p. 53) (Itálico dos autores). É disto, ou seja, da gênese do dinheiro que iremos tratar neste item, o qual passamos a desenvolver agora. Assim sendo, continuamos com Marx (2006, p. 69-70) quando este escreve:

Todo mundo sabe, mesmo os que nada saibam, que as mercadorias possuem forma comum de valor, que contrasta com a flagrante heterogeneidade das formas corpóreas de seus valores-de-uso. Esta forma comum é a forma dinheiro do valor. Importa realizar o que jamais tentou fazer a economia burguesa, isto é, elucidar a gênese da forma dinheiro. Para isso, é mister acompanhar o desenvolvimento da expressão do valor contida na relação de valor existente entre as mercadorias, partindo da manifestação mais simples e mais apagada até chegar à esplendente forma dinheiro. Assim, desaparecerá o véu misterioso que envolve o dinheiro.

Ora, a expressão mais simples do valor das mercadorias é, justamente, a relação de troca que se estabelece entre duas mercadorias de espécies diferentes. E é da análise desta

87 Conferir o verbete “Dinheiro, moeda” na obra 100 palavras do marxismo, de LÖWY, M.; DUMÉNIL, G.; RENAULT, E., 2015, p. 52-53.

relação de valor que se chegará à forma mais resplandecente deste que é a sua forma dinheiro. Todo o segredo da forma do valor já está posto nessa forma simples, embaciada, do valor. O que precisamos fazer é determiná-la, e é nisto que reside a dificuldade.

O valor de uma mercadoria só pode ser expresso em uma outra. Sendo assim, ele é expresso relativamente, ou seja, numa relação entre mercadorias. Por isto, Marx (2006, p. 71) escreve, referindo-se a um exemplo que ele constrói, o das mercadorias linho e casaco. “A forma relativa do valor do linho pressupõe, por isso, que alguma outra mercadoria se contrapõe ao linho como equivalente”. O linho enquanto igualdade consigo mesmo não expressa nenhum valor, a não ser uma quantidade determinada do valor de uso, linho. O que, logicamente, é uma tautologia que muito pouco nos esclareceria sobre a forma do valor.

Estamos, pois, tratando de dois polos da expressão do valor: a forma relativa do valor e a forma de equivalente. Entre duas mercadorias diferentes, linho e casaco, por exemplo, “o linho expressa seu valor no casaco, que serve de material para essa expressão de valor”. (MARX, 2006, p.70). Então, o valor do linho apresenta-se sob forma ativa, e Marx o chama de valor relativo, quer dizer, relativo ao valor do casaco; que se apresenta ou se acha sob a forma de equivalente. O valor na forma de equivalente, “apenas fornece o material para a expressão do valor de outra mercadoria”. (MARX, 2006, p. 71).

E Marx (2006, p. 71) esclarece:

Para saber se uma mercadoria se encontra sob a forma relativa do valor ou sob a forma oposta, a de equivalente, basta reparar a posição que ocasionalmente ocupa na expressão do valor, se é a mercadoria cujo valor é expresso ou se é a mercadoria através da qual se expressa o valor.

É claro, a mercadoria na qual se expressa o valor, esta é a mercadoria do peculiar valor equivalente. É só na relação entre mercadorias, em se tratando do seu valor, que “a condição de valor de uma se revela na própria relação que se estabelece com a outra”. (MARX, 2006, p. 72). Só assim, é possível se desvelar algo que é comum tanto à forma do valor enquanto relativo, como à sua forma enquanto equivalente. A saber, que ambas são resultado da condição comum de trabalho humano. A substância do valor é, então, como sabemos, o trabalho humano abstrato. Nesta medida, o próprio valor é, ele mesmo, uma substância, ou, melhor escrevendo, uma substância em movimento. É neste sentido que o nosso autor diz:

Por esse meio indireto, diz-se que o trabalho do tecelão, ao tecer valor, não possui nenhuma característica que o diferencie do trabalho do alfaiate, sendo, portanto, trabalho humano abstrato. Só a expressão da equivalência de mercadorias distintas põe à mostra a condição específica do trabalho criador de valor, porque ela realmente

reduz à substância comum, a trabalho humano, simplesmente, os trabalhos diferentes incorporados em mercadorias diferentes. (MARX, 2006, p. 73).

Já tratamos, mais explicitamente, da forma relativa do valor. Vejamos, agora, mais de perto, a forma de equivalente. Segundo Marx (2006, p. 77), “a mercadoria assume a forma de equivalente, por ser diretamente permutável por outra”. A forma de equivalente não contém nenhuma determinação do valor da mercadoria que assume, ela é apenas a expressão material do valor relativo da outra mercadoria. Marx, aqui, é enfático. Diz o teórico: “A primeira peculiaridade que salta aos olhos, ao observar-se a forma de equivalente, é que o valor-de-uso se torna a forma de manifestação do seu contrário, isto é, o valor” (MARX, 2006, p. 78). E com isto vemos confirmada a nossa proposição acima enunciada (vê-se, mais precisamente, elaborada no item 3.1): de que o valor é uma substância, mesmo que uma substância peculiar, a qual denominamos de uma substância em movimento.

Isto é assim porque o valor constitui uma determinação na relação entre as mercadorias, ou seja, o valor é dado em uma relação de oposição. Estamos, por certo, tematizando aqui, a mercadoria enquanto para si mesma, ou seja, discorrendo sobre como as mercadorias, na sua própria lógica, são em essência, quer dizer, se constituem em valor.

Neste contexto, também podemos lembrar de Hegel, quando este trata, na sua Pequena Lógica das puras determinações da reflexão, enunciando no §116 da Enciclopédia

das Ciências Filosóficas em Epítome, primeira parte, A Ciência da Lógica, editada pela

primeira vez em Heidelberg, no verão de 1817: “O ser-outro já não é aqui o qualitativo, a determinidade, o limite; mas, encontrando-se na essência que a si se refere, é a negação ao mesmo tempo como referência, diferença, posição, mediação” (HEGEL, 1988, p.158) (Itálicos

do autor). Com isto, queremos referir-nos à constituição do valor – remetendo, é claro, a Marx –, na essência das mercadorias como resultado de uma relação dialética na qual o equivalente é condição necessária, não somente como determinação, mas também como mediação e referência no processo de troca das mercadorias. Este é o movimento lógico do valor.

No exemplo que estamos seguindo, o das mercadorias linho e casaco, “[...] o casaco, ao exprimir o valor do linho, representa uma qualidade que não é física, mas puro elemento social: o valor que é comum a ambos” (MARX, 2006, p. 79). Quer isto dizer que o valor é o resultado de uma relação social. Daí podermos enunciar, com Marx, “o caráter enigmático da forma de equivalente, o qual só desperta a atenção do economista político, deformado pela visão burguesa, depois que essa forma surge, acabada, como dinheiro” (MARX, 2006, p. 80). Isto se dá desta maneira, visto que a economia política está limitada à superficialidade do empirismo positivista, sendo, portanto, o economista político incapaz de percorrer, através da análise e da

reflexão, o processo da gênese e da consumação da forma equivalente, a qual, finalmente, surge como dinheiro.

O dinheiro representa algo que é comum a todas as mercadorias: o trabalho humano. Partindo das formas do valor, todos os trabalhos são expressos, na forma dos valores das mercadorias, como um só e mesmo trabalho humano, como trabalho de igual qualidade. Todos os trabalhos estão medidos pelo tempo socialmente necessário para que se produzam as coisas (mercadorias). Sendo, assim, então, é que a forma do valor estará constituída nessa relação social, na qual as mercadorias são produzidas, em condições de produção iguais, tendo, assim, sua grandeza medida pelo tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. E elas são permutadas a partir de uma relação que é, logicamente, social, de um valor relativo a um equivalente, sendo isto o que caracteriza a lógica fundante da sociedade das trocas. Pode-se, deste modo, conceituar o valor como uma relação necessariamente social.

O segredo da expressão do valor é a igualdade e a equivalência de todos os trabalhos, porque, como diz Marx (2006, p. 82), “são e enquanto são trabalho humano em geral”, isto é, trabalho abstrato. E mais, escreve, afirmativamente, o autor: “Essa descoberta só é possível numa sociedade em que a forma mercadoria é a forma geral do produto do trabalho, e, em consequência, a relação dos homens entre si como possuidores de mercadorias é a relação social dominante” (2006, p. 82). Isto se refere a uma sociedade na qual prevalece a relação de igualdade na expressão do valor das mercadorias. O que se patenteia na sua permutabilidade, mediante a forma relativa do valor e do seu equivalente (como procuramos mostrar na reflexão que apontamos acima), resultado de um processo histórico no qual o trabalho se faz enquanto homogeneidade, ou seja, é trabalho abstrato, fundante de uma sociabilidade específica, a forma social burguesa.

Um segundo aspecto, fundamental, que devemos destacar quanto à forma do valor, quando se diz que a mercadoria é valor de uso e valor de troca, como é o hábito consagrado, a rigor, “não é verdadeiro”, escreve Marx (2006, p. 82), pois, “a mercadoria é valor-de-uso ou objeto útil e ‘valor’”. Isto quer dizer que a mercadoria como valor, dispõe de uma forma de manifestação própria, e essa forma é, como vimos, considerada apenas “na relação de valor ou de troca com uma segunda mercadoria diferente” (MARX, 2006, p. 82). Sendo isto, é claro, determinado socialmente, de acordo com uma historicidade peculiar, a saber, o movimento de constituição, configuração, afirmação e composição da propriedade privada burguesa, no qual o valor é estabelecido como uma substância, como já apontamos, mas que veremos mais, pormenorizadamente, à frente.

A forma do valor não é o valor; ela é apenas a expressão dele. Elucidar isto é fundamental. O segredo da forma do valor nos é dado ao deciframos a sociedade burguesa, estudando criticamente a anatomia dela – a economia política. A sociedade burguesa (capitalista), na qual “[...] a forma mercadoria é a forma geral do produto do trabalho, e, em consequência, a relação dos homens entre si como possuidores de mercadorias é a relação social dominante” (MARX, 2006, p.82), como citamos logo atrás, implica a manifestação da forma do valor como uma coisa, um produto que tem potencial para a troca e que assim o é porque é produzido mediante a equivalência dos trabalhos que produzem as diversas coisas (mercadorias). Então, isto é o que caracteriza a sociabilidade capitalista, sob a qual o valor não se acha na sua forma, mas, na constituição histórica de um modus vivendi que tem por fundamento universal, a forma mercadoria enquanto base constituinte da forma social e, na qual, a própria forma mercadoria nos diz o que ela é.

Aqui, podemos ler, na letra do próprio Marx (2006, p. 82), em síntese, um ponto fulcral que viemos expondo neste capítulo: “Nossa análise demonstrou que a forma ou a expressão do valor da mercadoria decorre da natureza do valor da mercadoria, não sendo verdade que o valor e sua magnitude se originem da expressão do valor da mercadoria; do valor- de-troca”. Ou seja, valor de troca não é sinônimo de valor.

Isso enseja a fazermos uma pergunta. Por que podemos trocar mercadorias tão distintas, diferentes, entre si? Ou, perguntando-se de outra maneira, como pode o valor de uma mercadoria, do café ou de um carro, por exemplo, estarem expressos em inúmeros outros elementos do mundo das mercadorias? Marx responderia: o corpo de qualquer outra mercadoria torna-se espelho onde se reflete o valor do café ou do carro. E mais, escreve Marx (2006, p. 84- 85): “Desse modo, esse valor, pela primeira vez, se revela efetivamente massa de trabalho humano homogêneo. O trabalho que o cria se revela expressamente igual a qualquer outro”. E isto é assim porque o trabalho abstrato é, como já dissemos, a substância do valor. É este tipo peculiar de trabalho, próprio do modo de produção capitalista, que é o sinete da magnitude do valor nas sociedades mercantis capitalistas, as quais, portanto, estão fundadas nas relações de troca.

Disso depreende-se um terceiro aspecto da forma do valor, o caráter da sua forma geral – o qual é a obra comum do mundo das mercadorias. Marx (2006, p. 88) diz:

O valor de uma mercadoria só adquire expressão geral porque todas as outras mercadorias exprimem seu valor através do mesmo equivalente, e toda nova espécie de mercadoria tem de fazer o mesmo. Evidencia-se, desse modo, que a realidade do valor das mercadorias só pode ser expressa pela totalidade de suas relações sociais,

pois essa realidade nada mais é que a “existência social” delas, tendo a forma do valor, portanto, de possuir validade social reconhecida.

A forma geral do valor resulta do trabalho abstrato, e é, como sentencia Marx (2006, p. 89), “a expressão social do mundo das mercadorias. Desse modo, evidencia que o caráter específico desse mundo é constituído pelo caráter humano geral do trabalho”. Atentemos que o segundo aspecto da forma do valor diz respeito à forma total ou extensiva deste, que é a forma na qual o valor de uma mercadoria estará expresso em inúmeros outros elementos do mundo das mercadorias. Isso se dá, como já sabemos, porque o trabalho que o cria se revela expressamente igual a qualquer outro, ou seja, é trabalho humano homogêneo, trabalho abstrato. Assim, é que, logicamente, o próximo passo da expressão do valor é, como vimos, a sua forma geral.

A forma geral do valor proporciona, escreve Marx (2006, p. 90), “por fim, ao mundo das mercadorias forma relativa generalizada e social do valor, por estarem e enquanto estiverem excluídas todas as mercadorias, com exceção de uma única, da forma equivalente geral”. Vejamos, agora, o trânsito da forma geral do valor para a forma dinheiro.

Marx (2006, p. 91) assevera que: “A forma de equivalente geral é, em suma, a forma de valor”. Todavia,

uma mercadoria só assume forma de equivalente geral por estar e enquanto estiver destacada como equivalente por todas as outras mercadorias. É só a partir do momento em que esse destaque se limita, terminantemente, a uma determinada mercadoria, adquire a forma unitária do valor relativo do mundo das mercadorias consistências objetiva e validade social universal.

Então, mercadoria determinada, com cuja forma natural se identifica socialmente a forma de equivalente, torna-se mercadoria-dinheiro, funciona como dinheiro. Desempenhar o papel de equivalente universal torna-se sua função social específica, seu monopólio social, no mundo das mercadorias. (MARX, 2006, p. 91).

A forma dinheiro do valor é, pois, a forma mais esplendecente deste, a sua forma acabada. Temos, assim, com o capitalismo, a sociedade do dinheiro. E este valor que o dinheiro, possui é pura força do hábito social, é uma convenção decorrente da consumação do modo de produção capitalista. Podemos afirmar, nesta medida, que o dinheiro é sem valor; ou melhor, para ser explicitamente e suficientemente científica, a nossa elaboração deve levar à afirmação de que o dinheiro não é um valor eterno, uma objetividade universal; no entanto, ele o é na sociedade que o constituiu historicamente enquanto equivalente universal – a sociedade capitalista.

Interessante notar, para finalizar este item, que a forma mercadoria, isto é, a mercadoria equivalente na forma simples do valor expresso na permutabilidade das mercadorias, é o gérmen da forma cabal do valor, da forma dinheiro.

Recapitulando e ampliando nossas elaborações, para concluir o presente tópico, rememoremos que: a forma do valor nas sociedades capitalistas, sociedades mercadológicas desenvolvidas, é dada mediante o progresso do valor de troca, no qual a forma mercadoria constitui o núcleo da sociabilidade no capitalismo. Coerentemente, Alysson Mascaro (2013, p. 22), escreve que, “numa sociedade capitalista, a identidade de tudo com tudo é mercantil, e poder-se-ia dizer então, no limite, que a própria noção lógica e mental de identidade remonta a alguma espécie de intercâmbio de objetos e pessoas como mercadorias”. Ou como assevera, magistralmente, Eduardo Chagas (2009, p. 31): “O valor de troca é a forma fenomenal (Erscheinungsform), o fenômeno (Erscheinung), a aparência, pela qual a essência (Wesen), o fundamento, o valor, se expressa, se manifesta”.

No entanto, em uma observação de maior cunho empírico, quer dizer, histórico, em um dos seus diversos clássicos, referimo-nos ao seu A Miséria da Filosofia (1847), Marx (1985, p. 41) já afirmara:

Veio, enfim, um tempo em que aquilo que, outrora, os homens consideravam inalienável tornou-se objeto de troca, de tráfico, podendo alienar-se. Trata-se do tempo em que as próprias coisas que, até então, eram transmitidas, mas jamais trocadas, oferecidas, mas jamais vendidas, conquistadas, mas jamais compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc. –, trata-se do tempo em que tudo, finalmente, passa pelo comércio. O tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para expressá-lo em termos de economia política, o tempo em que todas as coisas, morais ou físicas, tornando-se valores venais, devem ser levadas ao mercado para que se aprecie o seu mais justo valor88.

A corrupção é uma violência. É uma manifestação da própria estrutura do sistema capitalista, da sociedade da troca generalizada, da sociedade que tem no dinheiro o seu deus ciumento, o qual submete todos os valores morais, culturais, políticos e físicos ao seu poder. E a corrupção provém, como as outras tantas manifestações de violência na sociabilidade do capital, da exploração violenta do capital contra o trabalho.

88 [“Esta temática marxiana – a corrupção generalizada pela dominância do valor de troca e do dinheiro – existe desde A Questão Judaica e, presente sobretudo nos Manuscritos de 1844, projetar-se-á na análise teórica d’O

Capital.”] – nota de José Paulo Netto à edição da Miséria da Filosofia, pela Global, de 1985, p. 41, nota (3). Esta

consideração vem, como outras elaborações já, por nós, aludidas, a corroborar a nossa tese de que o pensamento marxiano constitui um método de pesquisa e de exposição que se expressa em um todo articulado. Um conjunto de ideias e práticas concatenado. Sendo que o que está em 1867 no Capital, já se encontra, em certa medida, apontado em 1843 nos manuscritos de Kreuznach.

Falando, inteligentemente, sobre a corrupção no Estado brasileiro, tida e propagada pela grande mídia corporativa do Brasil, como nosso principal problema, o sociólogo Jessé Souza (2018) é enfático: “A doença do Brasil é o ódio de classe”. E arremata, argumentando que:

A característica dessa crise tem a ver com o fato de o Brasil até hoje não ter conseguido incluir a maior parte da sua população nas benesses do mundo moderno. O problema é a desigualdade. Obviamente esse é o grande ponto. E tem uma mentira aí: a que diz que a grande questão que impede que o Brasil seja uma nação desenvolvida e rica, como as nações europeias ou a norte-americana, é a corrupção do Estado. Essa é a principal mentira. Isso foi construído por ideias, por intelectuais, aqui em São Paulo, desde a década de 1930, quando a elite local ficou sem o poder político. Essa elite já era a mais forte, era proprietária das indústrias, das fazendas de café – a semente do que hoje seria o agronegócio. Sem poder político, essa elite precisava criminalizar e estigmatizar o Estado, sobre o qual havia perdido o controle.

É claro que essa história de patrimonialismo tem um grão de verdade. O grão de verdade é que se rouba no Estado também, ainda que este roubo seja a gorjeta dos donos do mercado. Mas todo o resto é mentira e essas abstrações jurídicas do privado e do público não explicam coisa alguma. A gente está montando uma concepção vira- lata sobre o nosso próprio povo, agindo contra nós mesmos. Olha como nossos políticos são corruptos, então vamos logo entregar a Petrobras de mão beijada para as petroleiras europeias e americanas porque os estrangeiros são honestos. Basicamente a coisa funciona assim.

A corrupção no Estado nunca foi o nosso problema principal. É claro que existe. Que se rouba no Estado. Mas se você compara a merreca que a Lava-Jato diz ter recuperado para os cofres públicos com o que realmente se rouba no mercado, é ridículo. Cinco anos passando um scanner na corrupção da Petrobras e você recupera menos do que a empresa pagou de multa para os americanos. As isenções fiscais para os latifundiários somam dezenas de bilhões todos os anos. Para os bancos ainda mais. Sem contar a dívida pública, Selic etc. A corrupção feita pela elite de proprietários, pelo agronegócio e pelos bancos e grandes empresas é mil vezes maior, é um milhão de vezes maior do que o roubo do aviãozinho do tráfico, que é como eu chamo o roubo do político.

Mas, voltemo-nos ainda, para um nível mais abstrato, quer dizer, utilizemo-nos, para a obtenção de delineamentos mais precisos, da faculdade da abstração, visto que, seguindo Marx, “na análise das formas econômicas” (Marx, 2006, p. 16), esta – a abstração –, substitui instrumentos mais apropriados às pesquisas empíricas da natureza. Voltemo-nos, então, à