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3 FEMINISMO, VIOLÊNCIA E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: Conceituações

4.2 Representações sociais das mulheres em situação de violência

4.2.2 Formas de violência sofrida e percepções sobre os fatores motivacionais: relatos das

Falar sobre a violência sofrida não foi uma tarefa fácil para as mulheres entrevistadas, pois envolvem muitas lembranças tristes que elas gostariam de esquecer, mas as marcas

físicas ou psicológicas estão presentes, mesmo com o passar dos anos elas conseguem contar com detalhes as violências sofridas, sendo que a maioria das entrevistadas sofreu vários tipos de violência e mais de uma vez pelo mesmo companheiro, mesmo assim, muitas entrevistadas permaneceram na relação por muitos anos, conforme segue os relatos:

Fui agredida muitas vezes, não sei nem a quantidade, meu esposo sempre foi violento, foram muitos anos apanhando, sou marcada de faca, de soco, tenho muitas marcas, ele já me chamou de todos os palavrões possíveis. Os motivos sempre foram ele ter ciúme de mim, dizia que eu tinha outro homem, o que não era verdade, e também porque chegava em casa alcoolizado e eu sabia que ele saia com outras mulheres, mas se eu falava alguma coisa vinha as agressões, eu não podia reclamar de nada (M2). Eu fiquei grávida aos 14 anos e depois de dois anos de casados ele me deixou com minha filha, ai eu arrumei um namorado e mais um filho, mais ele foi preso em 2007, mas nenhum dos dois nunca me maltratou. Depois arrumei esse que toda vez que usava drogas me batia muito, fiquei quatro anos apanhando, ele chegou a me jogar na parede, bateu de cabo de rodo nas minhas costas, já fiquei toda machucada, teve uma vez que jogou uma garrafa contra mim, eu me abaixei e pego na televisão, eu já peguei faca pra me defender. Ele também tinha muito ciúme, fazia eu sair de todos os trabalhos, assim eu ficava dependente dele pra tudo (M3).

Ele começou a me bater durante minha gravidez, começou com um tapa, um puxão de cabelo e só foi piorando, com seis meses de gravidez ele quebrou meu nariz. A briga começou quando eu procurei o dinheiro que ele tinha me dado para fazer a ultrassom e ele já tinha gastado, ele não aceitou eu cobrar dele e me bateu […]. Ele sempre dizia que não usava drogas, mas depois confessou que usava, ai não escondia mais e usava dentro de casa. Quando começava a usar ficava uns três a quatro dias seguidos, nesses dias ninguém saía de casa, as crianças não iam a escola e ele ficava correndo como um doido no quintal da casa. Um dia eu escondi as drogas e ele pegou uma faca e dizia que se eu não devolvesse, ele cortaria meus dois braços. Eu devolvi, porque naquele dia eu sabia que podia ficar sem os braços […]. Depois ele ficava durante a semana em casa e nos finais de semana sumia. Quando encontrei ele, estava com outra, ai discutimos dentro do carro, com as crianças no banco de trás e ele me jogou para fora do carro. Ainda bem que estava devagar, mas tenho a marca na perna até hoje. Perdi as contas de quantas vezes eu fui agredida, ele já quebrou meu nariz duas vezes, uma vez ficou com ciúme e achava que eu tava traindo ele, me levou em um mato e deu dois tiros em meus pés. Ele sempre achava que eu estava traindo ele, e ameaçava, sempre teve arma, já me deu coronhada na minha cabeça. Dizia se eu deixasse ele, iria cortar meus peitos e minha bunda, deixando eu aleijada para ninguém mais desfrutar de mim (M5).

Uma das entrevistadas não relatou violência física, mas percebeu que vivia em um relacionamento onde havia violência psicológica e exploração para o trabalho, sendo que após a separação sentia-se ameaçada pelo ex-companheiro, conforme seu relato a seguir:

Eu tive um relacionamento de quatro anos, casamento mesmo 9 meses […]. Desde o início foi difícil, enquanto namorávamos terminávamos o namoro e voltava na mesma semana, isso aconteceu muitas vezes, ai numa briga ele me procurou com as alianças e flores e pediu em casamento, quando eu aceitei e ele foi morar na minha casa, foi os piores meses de minha vida, meses de escravidão. Eu levantava todos os dias às 6 horas para fazer o café e deixar tudo pronto, depois ia trabalhar, ele levantava às 10 horas, ia para o trabalho dele, a tarde trabalhava um pouco e depois saia para beber e jogar, quando ele chegava em casa estava tudo pronto, eu fazia janta, e ele gostava de dormir tarde e eu ficava fazendo companhia a ele até a hora dele ir dormir, as vezes caindo de cansada e sono, mas achava que tinha obrigação de ficar. Eu sustentava a casa com meu salário, quando faltava alguma coisa, ele dizia que eu não controlava direito as contas, e não me ajudava, eu dava sempre um jeito de pagar […]. Ele não me agredia fisicamente por causa do meu trabalho, por eu ter contato com a Delegacia e os demais órgãos, e sabia que ia preso, mas a violência psicológica sempre, me humilhava na frente das pessoas, chegou um ponto que eu não comia mais, não dormia direito. Depois da separação eu viajei, reativei a rede social, ele não deixava eu ter rede social. Algum tempo depois ele começou a mandar mensagem via telefone todos os dias, começou a mandar flores, me procurar em casa e no trabalho. Foi muito difícil, eu devolvia as flores [...]. Passou um ano ele mandou outra mensagem me elogiando, ai eu comecei a ficar com medo, teve um dia que tinha que sair de madrugada para trabalhar, pedi para me buscarem, quando chegava a noite também já pedi para colegas me deixarem em casa (M4).

Exceto a quarta entrevistada, todas as demais foram agredidas fisicamente, ou seja, a violência física foi a que mais apareceu nos relatos. Igualmente na pesquisa realizada por Ribeiro e Coutinho (2011) sobre as representações sociais da violência doméstica contra a mulher, a violência física, foi também a que teve maior prevalência na categoria “tipos de violência”. Destarte, também houve depoimentos de violência psicológica, uma delas expressou a seguinte representação:

Eu acho que a violência psicológica muitas vezes é pior que levar um tapa e deixa marcas que não conseguimos esquecer com facilidade (M4).

Cabe salientar que todas as entrevistadas, por mais que não expressassem por palavras o termo violência psicológica, relataram várias situações que são características desse tipo de violência, como acusar a mulher de traição, ou relatar as traições cometidas, não deixar a mulher trabalhar, ofender a mulher com palavras de baixo calão, etc. Ou seja, a violência psicológica está presente nas demais violências, e pode provocar danos emocionais difíceis de reparar.

A maioria das entrevistadas citou o uso abusivo de álcool e outras drogas e o ciúme como fatores motivacionais da violência. Em estudo realizado por Vieira et al. (2014),

concluem que o uso abusivo de álcool e outras drogas pelos homens, potencializam a violência doméstica contra as mulheres. Apesar de potencializar a violência, não é possível afirmar que é a causa do ato violento, mas sim, que as mulheres ficam mais vulneráveis quando o homem faz uso de substâncias psicoativas. Nesta mesma direção, com base em Azevedo (1985), Jesus e Sobral (2017, p.202) afirmam que:

os fatores precipitantes, em que se encaixam as bebidas alcoólicas, as drogas, o estresse, não podem ser considerados como determinantes da agressão do homem contra a mulher, pois os mesmos agem somente como potencializadores e/ou catalizadores das situações de violência, ou seja, a disposição dos homens agredirem as mulheres já preexistia à espera de uma oportunidade de manifestar-se, utilizando os efeitos psicobiológicos provocados pelo uso das bebidas alcoólicas e das drogas como benefício. Três mulheres entrevistadas que citaram o uso das drogas pelo agressor como fatores motivacionais da violência, estavam separadas de seus companheiros. A entrevistada número 3 que estava separada do agressor há dois anos aproximadamente e vivendo em união estável com outra pessoa, relatou que não queria mais ser chamada para nenhuma audiência sobre o que aconteceu entre ela e seu ex-companheiro (que continuava preso), verbalizando:

Eu estou bem agora, moro longe da cidade, e nem eu, nem meu marido queremos ficar vindo aqui, eu já falei tudo o que aconteceu, não quero mais encontrar com ele (M3).

Observa-se aqui a revitimização da mulher, ela demonstrou estar frustrada com a morosidade do sistema judiciário, já havia se passado dois anos, estava tentando seguir a vida em outro relacionamento, mas o processo, apesar do tempo percorrido, continuava tramitando, e mais uma vez foi intimada a comparecer para ser ouvida.

4.2.3 Percepções das mulheres sobre os motivos para continuar na relação violenta: