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3 FEMINISMO, VIOLÊNCIA E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: Conceituações

4.4 representações sociais dos implementadores de políticas públicas e serviços de

4.4.4 Representações sociais dos implementadores sobre os serviços de atendimento e as

Nas percepções sobre os serviços de atendimento de que o implementador faz parte, verificou-se que as representações foram positivas, na maioria das entrevistas, contudo, ao representar sobre outros serviços da rede de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a maior parte dos discursos foi negativa.

As falas a seguir representam as percepções positivas, dos projetos do Núcleo Psicossocial de um Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher:

Os projetos daqui têm muito sucesso na resolução de conflitos [...] orientação na educação dos filhos. Vejo muita efetividade, muito sucesso nas orientações sobre a cultura do machismo. Em um levantamento realizado

aqui em dezembro de 2015, identificou-se que o número de reincidência dos homens que participam do projeto é de 2% (I2).

Quando iniciamos a execução dos projetos tínhamos uma grande demanda de homens com vários processos e ocorrência policial, hoje são raros os casos de reincidência. Em um levantamento que fizemos, a reincidência foi de aproximadamente 2% […]. Trabalhamos com a avaliação sobre o que melhorou de forma geral na vida, tanto no grupo dos homens, como no grupo das mulheres. Escutamos dos homens frases como o porquê não nos ensinaram isso antes (I1).

O grupo é um espaço de reflexão que pouco foi encorajado em nossa sociedade. É comum ouvir dos homens nos encontros, que já passaram por vários relacionamentos e sempre foram conflituosos e que precisam de ajuda, pois não sabem agir diferente e querem mudar (I3).

A atuação da justiça quando tem recurso é eficaz […], vi uma eficácia da justiça voltada ao cunho social, uma resposta efetiva de transformação da pessoa. O Projeto Abraço é o carro chefe. Não é uma sentença que pacifica uma relação conturbada. Em audiência se percebe que tem coisas a serem ajustadas na convivência do casal. Nos encaminhamentos se percebe o resultado positivo. O grupo não é para todos os casos, é para aqueles que a pena prevista seria a mínima [...], assim se substitui a pena pela participação no Projeto Abraço e percebemos muito mais eficácia. No início eles vão meio contrariados, mas no decorrer do projeto percebem os benefícios. Eu me sinto muito mais útil em relação à vara criminal (I4).

Os projetos citados nos discursos acima, já existem há mais de sete anos, contam com uma equipe psicossocial completa, com salas individuais e espaço para realização das atividades em grupo. Como foi visto no capítulo das representações sociais dos homens que se configuram como agressores, os participantes desse mesmo projeto, representaram de forma geral como positivo o resultado do trabalho realizado pela equipe psicossocial. Entretanto, percebe-se na fala do implementador quatro, que somente uma parcela de homens agressores é encaminhada ao projeto.

Nos discursos de implementadores de outras instituições, as percepções dos serviços que fazem parte também foram positivas.

Os conteúdos das duas próximas falas se referem ao serviço oferecido por uma Promotoria de Justiça especializada em violência doméstica e familiar contra a mulher.

O trabalho aqui é voltado para o social, um conjunto, todo o objetivo é cortar o ciclo, só punir não ajuda, coibi, mas precisa de outro tipo de intervenção para cessar a violência (I6).

O atendimento daqui é de grande valia, a delegacia só funciona de manhã, aqui temos o espaço reservado para o atendimento, podemos também

encaminhar para o CREAS. Tem casos que a gente vai até a casa, pedimos apoio policial e vamos […] (I8).

A Patrulha Maria da Penha, apresentada na próxima fala, foi implantada no município de Ji-Paraná/RO há menos de um ano, tem a atribuição de verificar o cumprimento pelo agressor, das medidas protetivas aplicadas pelo juiz, sendo esse acompanhamento realizado por meio de visitas domiciliares às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Mesmo sendo recente a implantação da Patrulha, já há resultados positivos conforme a percepção de um implementador.

A implantação da Patrulha Maria da Penha está apresentando um resultado positivo, tem o viés de atenção social, busca diminuir a revitimização, oferece proteção e apoio à mulher em situação de violência, em casos que foi aplicada a medida protetiva. A equipe em visita verifica todos os problemas familiares e encaminha para a rede de atendimento. Desde a implantação da Patrulha, não tivemos descumprimento de medida protetiva por parte do agressor, não sei se por medo, ou outro fator, mas está funcionando (I11). Uma implementadora de um CREAS avaliou em parte o serviço positivo, aponta que o atendimento não surte efeito em todos os casos, trouxe alguns problemas que enfrenta no espaço que atua:

O CREAS muitas vezes é o único espaço que elas têm para falar de si. Meu enfoque nos atendimentos não é só a violência, mas fazer com que entendam que não precisam viver naquela situação. O enfoque é não revitimizar, mas sim encorajá-las a se sentirem capaz de se reerguer junto com os filhos ou sozinha, caso não tenham filhos. Tentamos aqui fazer o acolhimento, já teve atividades em grupo, mas não é sempre. No atendimento há resultado positivo, mas não é em todos os casos […]. As que não conseguem se perceber, não entende a situação que vivencia, a violência está tão intrínseca que ela não consegue sair. Nem todos os casos são encaminhados para nós, aqui não damos conta de atender todas, não tem recursos humanos suficientes […] a estrutura física está longe de ser ótima, há problemas nos equipamentos, já melhorou comparando com o local de dois anos atrás, mas ainda não é a ideal. Assim, a demanda encaminhada é pequena (I9).

Evidencia-se que essa fala confirma os discursos das mulheres em situação de violência, já descritos anteriormente, pois as mulheres entrevistadas não receberam atendimento psicossocial, e essa implementadora traz que a estrutura física e a falta de recursos humanos não permitem atender toda a demanda de mulheres vítimas de violência doméstica no município. Cabe ressaltar que esse município só possui um CREAS, sendo o único serviço psicossocial oferecido às mulheres em situação de violência.

Quanto às percepções negativas dos serviços que compõem a rede de atendimento, o discurso a seguir revela que não há articulação e os serviços não funcionam como deveriam:

A gente consegue atender a demanda, a dificuldade quando tem que recorrer a rede, preciso encaminhar e não tem para onde, tem de nome, mas chega lá, não tem quase nada. A rede é falha (I5).

A inexistência de serviços de atendimento também aparece nas representações sociais, e como resultado o não atendimento às mulheres em situação de violência e aos agressores na maioria dos casos.

O serviço é inexistente, no caso de tentativa de feminicídio que trabalho, não há nenhum tratamento, nem para a vítima, nem para o agressor. Acho que em 90% dos casos não existe atendimento (I10).

O sistema é falho é preciso melhorar. Falta um trabalho com enfoque no agressor. Não tem um trabalho com ele, além da punição ele precisa ser tratado. A cadeia não ressocializa ninguém, sobretudo no nosso país. Então é preciso uma equipe preparada para trabalhar com o agressor. Ele bate na primeira companheira, se separa, bate na segunda e vai repetindo com as outras, para ele é normal e natural a violência, ele precisa se tratar (I9). A política é deficiente e por vezes utópica. O legislador cuidou da parte burocrática, mas não tem executoriedade, às vezes temos que se virar no improviso, não há execução, não há efetividade. A Lei é boa, mas não estabelece fontes de custeio, por exemplo, casas de abrigamento, que não temos, mas quem custeia? A Lei tem que sair do papel e ter eficácia. As políticas são falhas, é uma política do improviso, em cada situação a gente vê o que faz, porque não funciona (I11).

A DEAM foi citada como deficitária, na concepção de uma implementadora, esse serviço precisa melhorar muito:

A investigação não é rápida, na Delegacia da Mulher não tem um local adequado para atendê-la, o que constrange ela, não tem privacidade, esse fato faz com que ela não acredite naquele serviço, e quando volta a pedir informação a respeito da denúncia, não recebe nenhuma. A gente tem que avançar muito (I9).

Evidencia-se que os discursos citados das percepções negativas dos serviços de atendimento, corroboram com as pesquisas de Pasinato (2015), Souza e Sousa (2015) e Souza e Cortez (2014), citados no tópico “Avaliação das políticas públicas de atendimento das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”, capítulo 2.

4.4.4.1 Percepções dos implementadores sobre as mudanças após a Lei Maria da Penha Vários implementadores entrevistados relataram as mudanças percebidas após a Lei Maria da Penha. Nos discursos aparecem como mudanças, o encorajamento da mulher em denunciar, a conscientização por meio das campanhas, o aumento de denúncias de demanda reprimida e as melhorias no sistema da justiça responsável pela aplicação da Lei, nesse sentido, na concepção dos implementadores, a Lei Maria da Penha trouxe benefícios às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Já trabalhava antes da Lei Maria da Penha com violência contra a mulher, após a Lei eu percebi o aumento na denúncia, a Lei Maria da Penha trouxe a demanda reprimida, as mulheres vêm em busca do apoio do Poder Judiciário que antes não tinham. A Lei Maria da Penha mostrou outra realidade, trouxe benefícios, já existia a demanda, mas estava reprimida, pois não tinham conhecimento. As campanhas vêm conscientizando tanto a vítima como o agressor. A violência contra a mulher é um ciclo que precisa ser rompido, é um paradigma que precisa se romper (I4).

Observei muita mudança, principalmente no encorajamento de denunciar. Antes da Lei muitas vezes ela tinha que entregar a intimação ao agressor, também o delegado tentava apaziguar a situação. Hoje temos muita denúncia, não que aumentou a violência, mas era uma demanda reprimida (I5).

Outra implementadora descreve o antes e depois da Lei n.11.340/2006 e cita, em sua percepção, as melhorias a partir da implantação da Lei Maria da Penha.

Antes da Lei Maria da Penha a característica principal era a desconsideração da violência e a Lei seguia o ditado popular, de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Com o passar dos anos a mulher poderia se retratar, depois foi mudando, foi dado uma nova concepção. Era como se não existisse antes, a impressão que eu tenho que era tão insignificante que não se considerava, é o antes e o depois da Lei Maria da Penha, era coisa muito pequena o marido bater na mulher, era equiparado a uma briga de bar, não havia diferença alguma uma briga de bar e uma briga de marido e mulher, após a Lei no início houve controvérsia que a mulher tinha que representar, na primeira fase, não aceitávamos a mulher não querer, e nós operadores do direito não sabíamos direito como trabalhar, não tínhamos consciência da gravidade da situação, e a Lei realmente veio tirar esse véu dos nossos olhos, que o Estado deve interferir […], depois veio a decisão do STJ que não era mais possível a retratação da mulher no caso de lesão corporal, que antes era possível se retratar (I10).

Além das mudanças após a implementação da Lei Maria da Penha, expressadas nos discursos dos implementadores, aparece também a necessidade de melhorias, tendo em vista “que no papel é tudo muito lindo”:

[...] antes da Lei não tinha responsabilização do agressor, isso também acontece muito hoje, mas não como antes, apesar de que no papel é tudo muito lindo, a questão das medidas protetivas não são como é previsto, mesmo com a medida, com a queixa elas ainda são ameaçadas, ele infringe a medida e nada acontece, ligam para a polícia, que não vai até o local. O ideal era ter um policial na porta de cada vítima com medida protetiva, mas isso não vai acontecer nunca. A gente tem muito que melhorar nesse sentido (I9)

Considerando as representações sociais dos implementadores sobre as mudanças trazidas pela Lei Maria da Penha, verifica-se que em seus discursos aparecem as intervenções dos três eixos da Lei, exceto os serviços de assistência integral à mulher, presente no segundo eixo. Todos os entrevistados mostraram conhecimento acerca do conteúdo dessa Lei, mas, como a maioria dos serviços de atendimento psicossocial e saúde não fazem parte do sistema de justiça é como se esses serviços estivessem desvinculados da Lei Maria da Penha, o que não deveria acontecer, pois o atendimento à mulher em situação de violência deve ser integral, intersetorial e interdisciplinar, o que percebe-se não ocorrer.

4.4.5 Percepções dos implementadores da culpabilização da mulher pela violência