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3 FEMINISMO, VIOLÊNCIA E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: Conceituações

4.4 representações sociais dos implementadores de políticas públicas e serviços de

4.4.3 Representações sociais dos implementadores sobre os motivos dos casais continuarem

Nos conteúdos representacionais dos implementadores, os motivos que levam a mulher em situação de violência doméstica e familiar a manter-se no relacionamento violento

são diversos, observou-se que na maioria dos discursos apareceu os filhos como razão de permanecer com o companheiro, também aparecem as condições emocionais ou condição psicológica, e a situação socioeconômica, em cada fala há outros motivos além desses.

Elas permanecem com o companheiro por dependência emocional, econômica e por questão familiar, é muito frequente elas dizerem: 'ele é um excelente pai, mas quando bebe vira um monstro', elas querem uma cura para ele, um tratamento, tem um sentimento de amor, querem manter a estrutura familiar. Há casos que relatam uma história na delegacia, quando chega em Juízo, distorcem a fala, e dizem que ele só se defendeu, e buscam justificar as agressões se responsabilizando pela situação, mesmo com risco de responder por crime, dizem que estavam nervosa e só queria prejudicar o marido, dizendo que mentiu na delegacia. Outras com um grau maior de esclarecimento, representam o crime (I4).

Muitas por causa dos filhos, tentam manter a família, dizem que gostam dele, pensam que ele pode mudar, ele promete essa mudança, mas acaba não melhorando (I8).

Eu acho que é dependência implícita um do outro e a esperança de melhoria, a ilusão e a dependência, ela se anula e acha que sem ele não consegue viver. Quando acontece uma violência isolada, você consegue relevar, mas não esquece, é como uma louça quebrada, pode colar, mas não volta a ser a mesma. Quando ocorre a agressão física é uma ruptura sem volta, você vive, mas sempre o temor vai estar presente (I11).

As mulheres têm dificuldade de sair da relação por conta da condição psicológica dela. Temos aquelas que estão na condição de dependência econômica, mas tem muito mais com dependência emocional, ela não consegue viver sem ele, apanha, apanha e depois vem retirar a medida e tem condições econômicas boas, mas não consegue se desvencilhar da relação. A religião influencia muito, pois dizem que tem que aguentar, acham que se submeter à violência irão salvar a família. Muitos pastores dizem para a mulher voltar para casa, elas às vezes alegam para retirar o processo, que é evangélica e vai ser mal vista na igreja caso se separar. Tem também a ideia que os filhos não podem ficar longe do pai (I5).

Observa-se nessa última fala a percepção da influência da religião na perpetuação da violência doméstica contra a mulher, e a falta de preparo nessa questão de alguns representantes de igrejas, a esse respeito Krob (2014, p. 208) afirma que:

Os tabus religiosos podem colaborar para manter a mulher que sofre violência em seu relacionamento. A falta de preparo teológico para lidar com situações de violência doméstica também pode contribuir e alimentar os mitos religiosos que compactuam com esta realidade. As Igrejas compactuam com a reprodução e manutenção dos mitos e da violência contra as mulheres no momento em que se tornam cúmplices da cultura do silêncio e da omissão, recusando-se a denunciar os atos de violência e seus autores, além das estruturas institucionais e sociais injustas que perpetuam essa prática.

Conforme o próximo discurso, a implementadora cita duas situações, a primeira que a mulher permanece na relação violenta em função dos filhos, mas quando acontece a violência com os filhos ela denuncia também para proteger os filhos.

Quando ocorre os retornos a mulher gosta muito dele, ela sofre, mas não deixa de gostar [...]. Ela acredita que não é capaz de viver sozinha com os filhos sem aquele indivíduo que é o responsável pela família. Ela não se enxerga como capaz, que pode seguir sozinha. Acredita na mudança, ele faz juras de amor, e diz que vai mudar e ela acaba acreditando e volta. Acontece muito de elas darem uma nova chance. Tem também as que entendem que não vivem bem, mas a situação econômica é tão emergencial que o problema da violência é menor do que o econômico, não tem um teto para cuidar dos filhos […]. A mulher se da conta que tem que denunciar, e muitas é só por isso, quando a violência chega aos filhos, ai ela se da conta que não da mais desse jeito, enquanto as agressões são direcionadas só a ela, ela vai remediando (I9).

Junto com a questão dos filhos aparece o projeto de vida idealizado pela mulher e a vergonha da separação, o que a leva a permanecer no relacionamento violento.

A questão de ir e vir dos casais acontece por não querer desistir de um projeto e depois tem os filhos, não querer tirar o pai dos filhos, tem também a vergonha de se separar (I10).

Outra entrevistada também cita a questão econômica, tanto baixa quanto alta, como um fator para a mulher continuar na relação, a autoestima da mulher, além disso, traz igualmente como os demais implementadores a questão dos filhos e acrescenta a falta de empoderamento e apoio familiar.

Vários motivos, depende o âmbito que vive o casal. Por exemplo, os casais de classe baixa, tem a questão econômica, sempre a mulher pensa nos filhos, é dependente dele, saiu de casa cedo, não estudou, depende dele. Já percebo que os casais de classe alta por status, pensa que vai mudar, e também a mulher pensa nos filhos. Também independente da classe social, tem a questão da autoestima da própria mulher, falta empoderamento e apoio familiar (I6).

A falta de empoderamento da mulher também é representada na próxima fala, mas como uma deficiência do Estado no atendimento à mulher em situação de violência. É apontado também o medo, a questão socioeconômica e a mulher não querer se expor, como motivos para continuar na relação violenta.

Muitas por medo se calam. Eu vejo que elas ficam reféns dos homens, é como se não tivessem coragem de dar um passo para a liberdade, e acham

que aquilo vai passar. O Estado precisa dar mais empoderamento para a mulher, isso ainda não ocorre. A violência nunca ocorre de forma isolada, no momento que agride a esposa, tem filhos no meio, já vimos relatos de filhos que foram em defesa da mãe. Tem a questão socioeconômica, tem um exemplo de um menino que defendeu a mãe na briga, e o pai foi preso[...] depois ele disse que queria o pai de volta, porque não tinham o que comer. A questão econômica existe sim. Tem também as que não querem se expor (I7).

Percebe-se que foram muitos os motivos citados pelos implementadores para as mulheres permanecerem por anos na relação violenta. Souza e Ros (2006) identificaram o medo, dependência financeira e submissão, como motivos que mantêm as mulheres vítimas de violência no relacionamento violento, citam como indícios, a dependência financeira, a dependência emocional, a criação dos filhos e a falta de apoio. Evidencia-se que todos os motivos e indícios indicados por Souza e Ros para a mulher não denunciar e continuar na relação violenta foram representados pelos implementadores entrevistados. Da mesma forma, Cunha (2008, p. 169) aponta que a “dependência emocional é a principal razão para que muitas mulheres das camadas médias e alta, que sofrem violência conjugal, permaneçam com os companheiros violentos ou demorem de romper os laços afetivos”. Na pesquisa realizada por ela com mulheres “das camadas médias e altas”, que vivenciaram situação de violência, a maioria das participantes se separou do agressor, mas o tempo médio de convivência foi de dezenove anos. Ou seja, tentaram por muitos anos manter o casamento, o que aparece também nas falas das mulheres entrevistadas nesta pesquisa.

4.4.4 Representações sociais dos implementadores sobre os serviços de atendimento e as