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3 FEMINISMO, VIOLÊNCIA E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: Conceituações

4.3 Representações sociais dos homens agressores

4.3.3 Serviços de atendimento psicossocial: representações sociais dos agressores

O objetivo desse estudo não foi verificar as representações sociais sobre um serviço especificamente, entretanto, os discursos dos entrevistados se referiam ao serviço em que receberam atendimento, e expuseram suas percepções sobre esse serviço, e as mudanças a partir da participação. Aqueles que não receberam atendimento psicossocial, também expuseram suas representações.

Os agressores entrevistados participantes de grupos do Núcleo Psicossocial do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, perceberam o serviço positivo, em suas representações as palavras que mais aparecem são: muito bom, ensina a reagir e a se comportar, mas por outro lado, em seus depoimentos discordam da obrigatoriedade da participação nas reuniões.

Já estou no oitavo encontro do projeto. Eu aprendi muito no grupo, a ter paciência, é bom demais, não concordo com a obrigação de vir, porque não cometi violência, mas aprendi coisas diferentes, como reagir no caso, trago o que está acontecendo e eles me dizem o que fazer, no caso da minha ex- mulher que só me perturba, eles já me orientaram como agir, para não me prejudicar de novo (H5).

Contrariado em participar do grupo, porque em sua percepção o que aconteceu com ele e com a companheira não se enquadra em violência doméstica contra a mulher, mesmo com o trabalho realizado nas reuniões, ainda não ampliou a compreensão sobre a violência doméstica, por outro lado, em suas representações o trabalho desenvolvido pela equipe psicossocial trouxe melhorias em seu comportamento, para esse entrevistado, agora ele sabe agir mesmo que seja “provocado” pela ex-companheira, consegue evitar as discussões.

Na fala do próximo entrevistado percebe-se que ele atribui as mudanças significativas em seu relacionamento com a esposa, ao trabalho desenvolvido pelo grupo reflexivo.

Hoje foi meu último dia no grupo, os conselhos são muito bons, mudei meu comportamento em muitas coisas em casa, antes eu dizia para minha mulher ‘eu to saindo, não sei a hora que volto', agora eu convido ela para sair junto. Estou aprendendo a ter mais paciência e saber reagir (H7).

Na visão dos entrevistados, o comparecimento no grupo de reeducação e recuperação não deveria ser obrigatório, afirmam que são prejudicados no trabalho, tendo em vista que as reuniões ocorrem no período da manhã, contudo, todos expressaram que essa obrigatoriedade é muito melhor que a pena privativa de liberdade:

O grupo aqui é muito bom, estou participando já tem três vezes, muito melhor que deixar preso, que sai pior de lá. Aqui a gente reflete um pouco, eu acho que está me ajudando a controlar minha raiva, vejo que parece que melhorou minha convivência familiar, só não gostei de ser obrigado a participar das palestras, porque já perdi emprego por isso, justo no dia que eu ia começar a trabalhar, tinha a palestra e eu não fui, ai colocaram outro no meu lugar, mas se fosse em outro horário, participaria mesmo sem ser obrigado.

Há também aqueles que não tiveram a alternativa de participar de programas de recuperação e reeducação (conforme previsto na Lei Maria da Penha), pois no município onde residem não há esse serviço, assim, em nenhum momento foram atendidos por profissionais de Serviço Social ou Psicologia para refletirem sobre o crime, todavia, na fala a seguir o agressor não manifestou o desejo de ser atendido:

Da primeira vez que aconteceu fiquei três meses na prisão e mais dois de tornozeleira. Dessa última vez, dois meses de reclusão. Sempre foi com minha esposa, mas nunca foi nada grave mesmo, coisas de casal, ela é muito difícil, quer mandar em tudo, mas estamos juntos até hoje. Nunca recebei atendimento nenhum, acho que quem precisa de psicólogo é minha esposa, ela é muito nervosa, eu não preciso não (H3).

Nessa entrevista verificou-se que implicitamente a esposa também foi culpabilizada pelas agressões, verbalizando que ela é muito nervosa por isso ocorre a violência. Relatou ainda, que sua filha de 10 anos apresentou dificuldades de dormir, que acorda à noite, chora bastante e está sempre assustada. Sobre os motivos de continuarem juntos, ele relata:

Temos filhos, e agora acho que minha filha precisa muito da minha presença, eu não quero me separar, minha esposa diz que quer só na hora da briga, depois ela me procura, foi até na cadeia me visitar poucos dias depois que fui preso (H3).

Ficou clara a necessidade de atendimento psicossocial à família, pois mesmo com todas as agressões, um relacionamento conflituoso desde o início do casamento, eles continuam vivendo juntos há anos, entretanto nem para o agressor, tampouco para a vítima, ou vítimas (no caso da criança) esse serviço foi disponibilizado.

Em outro caso, na percepção do autor de violência doméstica e familiar, ele precisa de atendimento psicossocial, já é paciente do CAPS e recebeu esse atendimento no início do tratamento, mas não teve continuidade por falta de vaga:

Já recebi atendimento de assistente social e de psicólogo no CAPS, pois faço tratamento lá, o atendimento foi muito bom, mas depois não consegui mais

agendar. A assistente social é mais no início, quando faz todas aquelas perguntas e agenda o psiquiatra, e o psicólogo nunca tem vaga, só tem um sabe, não dá conta é muita gente, acho que também atendem os casos mais grave, meu problema é alcoolismo, e depois tava muito nervoso, ai tomo remédio até hoje (H1).

O município onde reside esse entrevistado possui mais de 100 mil habitantes e conta somente com um CAPS II, não há atendimento específico para dependentes de álcool e outras drogas, pois não possui CAPS AD, o que justifica o entrevistado dizer que não havia vagas para atendimento psicológico, tendo em vista que o único CAPS atende toda a demanda.

Evidencia-se que somente os agressores que por determinação do Juiz para o comparecimento obrigatório em grupos reflexivos do Projeto do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Velho, tiveram acesso contínuo por um período a esse serviço, sendo que nas representações dos participantes, mesmo alguns participando contra a vontade, expressaram que o trabalho proporcionou-lhes ampliarem os conceitos sobre violência doméstica e familiar contra a mulher, a ter paciência, saber agir em determinadas situações para evitar a violência, e para os que continuam com a esposa, melhorarem o relacionamento afetivo.