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FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS CONTRA EXCLUSÃO DIGITAL

6. REVISÃO DE LITERATURA

6.1. DA EXCLUSÃO E INCLUSÃO SOCIAL

6.1.2. INCLUSÃO DIGITAL

6.1.2.2. FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS CONTRA EXCLUSÃO DIGITAL

EXCLUSÃO DIGITAL

Num país de dimensões continentais como o Brasil, a realidade nacional constata que um terço da população vive em condições de extrema miséria, com baixos níveis de escolaridade, sem

acesso aos direitos mínimos como moradia, educação, transporte, saúde, trabalho, renda e informação. É neste quadro que se insere a exclusão digital.

A expressão “exclusão digital”, seus sinônimos (brecha digital, infoexclusão, divisão digital, etc.) e seus correspondentes na língua inglesa (apartheid digital, digital gap, digital divide), têm sido relacionados ao não acesso às tecnologias de informação e comunicação, o que tem se tornado uma medida de exclusão digital. Órgãos de pesquisa, em geral, têm se utilizado desse parâmetro para medir a exclusão.

Os excluídos digitais estão à margem da sociedade em rede – muitos têm chamado tal fenômeno de analfabetismo digital. Necessário se faz que a ciência e a tecnologia sejam utilizadas como ferramentas para mudar o cenário dessas desigualdades sociais, com projetos e ações governamentais e institucionais para que a população possa usufruir dos seus benefícios.

No Brasil, a Internet é concentrada nas classes A e B. Os números da classe A, são de primeiro mundo e corresponde a menos de 4% da população brasileira. A classe E, que reúne quase 32% da população brasileira, apenas 0,5% tem acesso à Internet, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD 2003), desenvolvida pelo Instituto de Geografia e Estatística do Ministério do Planejamento.

De acordo com esta pesquisa, cerca de 68% da população brasileira está nas classes D e E e, praticamente, não tem acesso à Internet. Na Europa e nos Estados Unidos, 75% das casas têm computador e 67% têm acesso à Internet.

Esses dados têm sido fundamentais para que o Estado reflita sobre a sua posição, quanto aos índices de inclusão informacional, bem como formas de interferência para garantir ao cidadão acesso à comunicação em rede, como forma de consolidar a cidadania, combater a pobreza, promover a inclusão social e digital, aprimorar a relação entre o cidadão e o poder público e fortalecer o desenvolvimento nacional.

Neste aspecto, o governo federal vem procurando mudar o quadro de exclusão digital que se desenvolve ao longo das últimas três décadas. Diversas iniciativas vêm surgindo com o intuito de democratizar o acesso às tecnologias. No ano de 1999, houve o lançamento da política de informação com o Programa Sociedade da Informação no Brasil - Socinfo que, em 2000, produziu um excelente documento: o “Livro Verde – Sociedade da Informação no Brasil, por meio do Ministério da Ciência e Tecnologia do Governo Federal, em que se mapeou a situação do país, com sugestões e metas de políticas específicas que incentivassem as iniciativas nessa linha, como o primeiro telecentro em nosso país, criado em 1996, em Santa Catarina.

O Mapa de Exclusão Digital no Brasil, publicado em 2003 pela Fundação Getúlio Vargas em parceria com o Comitê para a Democratização da Internet - CDI foi outro importante documento sobre o assunto que se constituiu num relatório pioneiro na questão. Seu propósito principal foi “discutir as bases de um sistema integrado de ações voltadas à conquista da sustentabilidade no combate à miséria através da inclusão digital” (Neri, 2003, p.6). Entre as conclusões alcançadas pelo estudo, destaca-se a contribuição das informações para os aspectos econômicos e sociais das populações integradas à era digital. Esse mesmo autor acredita que

a inclusão digital representa um canal privilegiado para equalização de oportunidades da nossa desigual sociedade em plena era do conhecimento. Ela é cada vez mais parceira da cidadania e da inclusão social, do apertar do voto das urnas eletrônicas aos cartões eletrônicos do Bolsa-Escola, passando pelo contato inicial do jovem ao computador como passaporte ao primeiro emprego.

Os resultados destes documentos serviram para subsidiar o governo brasileiro, na elaboração de modelos relevantes quanto à questão, que foram incluídos em seus programas interministeriais destacando-se: o Projeto Casa Brasil; o MDIC- GSAC-Governo Eletrônico, TV Digital e PC Conectado, no âmbito do Ministério das Comunicações e dos Programas de Tecnologia da Informação e no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia -GSAC; o Programa Computador para Todos, com isenção tributária do PIS e Confins; o Programa Telecentros de Informações e Negócios, que ajudam na formação e empreendedorismo dos brasileiros, em parceria entre o

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, ajuda a combater a exclusão digital e social no país cuja meta foi implantar 3.000 Telecentros em 2006.

A Caixa Econômica Federal, a Fundação Banco do Brasil e diversas outras Instituições Públicas, privadas e ONG’s, têm sido parceiras na luta contra a exclusão digital.

Na iniciativa privada, a experiência com inclusão digital mais significativa é a do Comitê para a Democratização da Informática - CDI, uma ONG fundada no Rio de Janeiro em 1995 pelo empresário Rodrigo Baggio, que já capacitou 263 mil pessoas de baixa renda, em 617 Escolas de Informática e Cidadania – EIC, localizadas em 10 países, sendo que 92% em 19 estados brasileiros.

Quintanilha (2006), em seu artigo “Aulas de incluir: como se forma um educador” informa que o CDI conta com 1.768 educadores digitais, distribuídos em 797 EICs no Brasil e 173 no exterior. Diz, ainda, que os educadores recebem capacitação quanto aos conteúdos sócio-políticos, psicopedagógicos e introdução à informática, aspectos de cidadania, com ênfase em governança eletrônica e software livre. Temas locais também fazem parte da discussão. Vários empreendimentos estão sendo viabilizados para capacitar gestores e educadores de telecentros. A Universidade de Brasília, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior – MDIC está preparando curso de ensino à distância para gestores de telecentros, com carga horária de 360 horas de duração.

As redes dos telecentros estão se consolidando e se aprimorando com softwares de gerenciamento que permitirão o uso de aplicativos para vídeoconferência, ensino à distância e ambientes colaborativos.

Evidencia-se, portanto, a oportunidade de construção de modelos de integração e ações compartilhadas de inclusão digital, onde os aspectos a serem contemplados incluem ações da

ampliação do acesso, capacitação em larga escala e geração de conteúdos para a inclusão digital de parcelas da população menos favorecidas e excluídas do setor produtivo.

Esta sinergia de ações constitui-se como mola propulsora para mudar este cenário e buscar caminhos para ultrapassar as barreiras existentes com políticas públicas de responsabilidade social competentes. É a necessidade de transformar a inclusão digital em política pública sendo entendida como uma prioridade, visto que o direito de acesso à informação tem sido tratado como uma questão de cidadania. Silveira (2003, p.30) reforça a idéia ao acrescentar que esse acesso “deve ser provido por determinações governamentais em combinação com a iniciativa privada, organizações não-governamentais e administração pública federal, estadual e municipal, para que se alcance os resultados desejados, com ênfase nessa última, por ser a célula mais importante no sentido de capacidade de influência e penetração nas diversas regiões do país”.

Sorj (2003, p. 73) traz uma excelente contribuição, neste aspecto, ao afirmar que a crescente complexidade associada à luta contra a desigualdade social sugere novos desafios ao planejamento estratégico das ações governamentais e aos formuladores de políticas sociais as quais devem ser consideradas:

• Os países em desenvolvimento devem levar em consideração o caráter dinâmico da exclusão digital para que os países que não se encontram no núcleo central de geração de tecnologia desenvolvam pelo menos uma capacidade de análise estratégica defensiva;

• As políticas públicas devem coordenar o desenvolvimento de infra-estruturas, com o objetivo de aumentar as sinergias entre as redes físicas, estradas, linhas elétricas, telefonia e fibra ótica;

• As políticas devem assegurar a coerência, a integração, a segurança e a interoperacionalidade das ações dos diferentes serviços públicos, racionalizando custos e coerência das ações do governo;

• Urgências nas tarefas não devem servir de justificativas de forma precipitada em áreas que exigem experiência-piloto, adequação às condições locais, treinamento de usuários, como é o caso de instalação de telecentros e Internet nas escolas;

• Investimentos e acessos coletivos devem ser acompanhados de capacitação humana local;

• Formulação de políticas que assegurem o desenvolvimento de telecentros, cujos modelos deverão se adaptar aos diversos contextos locais.

Nesta mesma linha de ação, Peters, citado por Miranda e Mendonça (2005), a Bridges.org., uma organização internacional não governamental com sede na cidade do Cabo, África do Sul, traz uma contribuição importante e que merece ser observada. A Organização promove o uso eficaz de TIC no mundo a fim de reduzir a pobreza e melhorar a vida do indivíduo, famílias e comunidades. Ele chama isso de acesso real à TIC, e seu trabalho identifica 12 fatores inter- relacionados que determinam se a TIC pode ser usada efetivamente pela população, a seguir:

• Acesso Físico: A tecnologia está disponível e acessível a todas as pessoas e organizações?

• Tecnologia Adequada: A tecnologia disponível é adequada às necessidades e condições locais? Qual é a tecnologia adequada considerando o que as pessoas precisam e como querem usá-la?

• Preço acessível: A tecnologia está disponível a um preço acessível à população?

• Capacitação: A população tem a capacitação e os conhecimentos necessários para o uso efetivo da tecnologia? Ela sabe como utilizar a tecnologia e conhece o seu potencial de uso?

• Conteúdo relevante: Está disponível um conteúdo local relevante, especialmente em termos de linguagem?

• Integração: A utilização da tecnologia é um ônus na vida das pessoas ou está integrada às suas rotinas diárias?

• Fatores socioculturais: Há restrições à utilização da tecnologia com base em gênero, raça, ou outros fatores socioculturais?

• Confiança: As pessoas confiam na tecnologia e compreendem as implicações de seu uso, por exemplo, em termos de privacidade, segurança ou cibercrime?

• Estrutura jurídica e normativa: As leis e regulamentações limitam o uso da tecnologia? É preciso proceder à mudança para criar um ambiente que estimule o uso da tecnologia? • Ambiente econômico local: O ambiente econômico local é propício ao uso da tecnologia?A tecnologia faz parte do desenvolvimento econômico local?

• Ambiente macroeconômico: O uso da tecnologia é limitado em razão do ambiente macroeconômico do país ou região, por exemplo, em termos de falta de regulamentação, questões de investimento e questões trabalhistas?

• Vontade política: Existe vontade política da parte do governo para promover a integração tecnológica de toda a sociedade? E apoio popular para o processo de tomada de decisão do governo?

É preciso que o Estado, consciente desta realidade, estabeleça políticas públicas para a superação das desigualdades informacionais, no intuito de consolidar os direitos à cidadania digital, ao reconhecer que a exclusão amplia a miséria e dificulta o desenvolvimento humano.

Estas considerações são relevantes na formulação de políticas públicas sociais para a inclusão digital. Diversos aspectos importantes, muitas vezes não são observáveis, comprometendo consideravelmente as propostas que já nascem fadadas à morte. O compartilhamento de ações é um fator importante, que deve ser considerado no sentido de ressaltar a inclusão e equiparação de oportunidades para a população brasileira, respeitando os conceitos de diversidade em sua totalidade.

Neste sentido, ações colaborativas facilitam o conhecimento das realidades locais e as formas de interferência, tornando viável a sustentação de projetos de inclusão digital. Esse tipo de preocupação deve ser uma constância do governo no momento de pensar, planejar e instituir políticas e programas de inclusão social e combate à pobreza.

Assim sendo, a velocidade da inclusão deve ser um fator decisivo para que a sociedade esteja preparada o suficiente para as novas exigências da era tecnológica. Somente com um novo pacto social será possível aproveitar o potencial transformador das novas tecnologias da informação e da comunicação para construir uma sociedade mais inclusiva e democrática.