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Em nossos dias, mais que a ausência ou a morte de Deus, é proclamado o fim do homem.

Michel Foucault Até aqui, buscou-se elucidar o que se entende por modernidade. Viu-se que frequentemente ela foi concebida como sinônimo de efêmero, fugaz, atomizador e difuso. Um universo baudelairiano inteiro mergulhado em um ambiente fragmentado de contradições de forças opostas, construção e destruição, num mar de indivíduos que já não sabem quem são, mas buscam novas identidades. São niilistas que provaram a morte de Deus, e que buscam na razão e na ciência novos parâmetros para constituir a vida.

Mas o que se opera na modernidade do século XX, para que ocorra o que muitos autores denominam de pós-modernidade? Compreender o significado de pós-modernidade pode ser bastante complexo. Isso porque não há um consenso sobre sua definição, e muitos autores, apesar de concordarem sobre as transformações em vários campos da vida urbana, assinalando um novo momento histórico, não utilizam o termo específico pós-modernidade. Como pretende-se mostrar neste trabalho, apesar das diferenças nos termos escolhidos para designar a pós-modernidade e nas múltiplas direções de análise entre os autores trazidos nesta pesquisa, os conceitos desenvolvidos por eles não são restritivos e excludentes, mas se complementam em sua maioria.

Inicialmente, o que há é uma espécie de afastamento, reação, ou repulsa à ideia de modernidade nas diferentes áreas da filosofia, da cultura e da ciência, como medida de se contrapor energicamente aos modelos totalizantes há muito estabelecidos. Uma série de eventos

(em especial, o “Maio de 68”), a partir da década de 1960, mas com mais força na década de 1970, marcou uma virada econômica e cultural, com grandes mudanças no contexto socio- histórico, iniciadas depois da Segunda Guerra, borbulhando pela Europa e Estados Unidos inicialmente e espalhando-se pelo resto do mundo mais tarde.

Nesse período, a efervescência das transformações levou à insurgência de algumas correntes de pensamento preponderantemente francesas, como tentativas de se desvencilhar de um dogmatismo marxista, assim como uma insatisfação em relação à teoria fenomenológica do sujeito. Uma dessas correntes é o pós-estruturalismo que, muitas vezes, pode provocar confusão semântica em relação ao pós-modernismo, talvez pelo pós-estruturalismo ter surgido, também, na pós-modernidade. Em síntese, enquanto o primeiro (o “pós-estruturalismo”) contrapõe-se em relação ao seu objeto teórico, o “estruturalismo”, e preocupa-se com transformações na área do conhecimento, o segundo, por sua vez (“o pós-modernismo”), possui como objeto o “modernismo” e relaciona-se com transformações históricas mais amplas, abrangendo diferentes áreas da vida social.

Talvez, o principal representante do pós-estruturalismo seja o filósofo Jacques Derrida. Dentre outras coisas, o pensamento pós-estruturalista visa revisar pressupostos da linguagem deixados por Saussure, bem como questionar dualidades, analisar paradoxos estabelecidos, refutar axiomas linguísticos já arraigados e, mais especificamente, criticar a sobreposição da presença sobre o vazio e da fala sobre a escrita. Em perspectivas que se assemelham, filósofos como Jean François Lyotard, Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Felix Guattari e Michel Foucault, desenvolveram suas teorias no contexto do pensamento.

O pós-estruturalismo (LECHTE, 2002) objetiva desconstruir as ordenações sistemáticas do estruturalismo, repensando a metafísica, mas, de toda maneira, mantendo-se questões presentes no estruturalismo em relação ao sujeito humanista. O pós-estruturalismo investiga, portanto, os fundamentos do pensamento ocidental. Por meio dessa abordagem, o pensamento de Derrida aponta para uma tradição repleta de paradoxos e dificuldades racionais. Sua teoria desafiava, sobretudo, a ideia de uma filosofia com base em uma estrutura ou centro. Um significante não se relaciona mais de modo direto com o significado, este pode ser modificado de variadas formas.

Em A Condição Pós-moderna (1998), Lyotard desenvolve um relatório sobre o conhecimento, a ciência e a tecnologia em sociedades capitalistas avançadas, ou seja, aquelas informatizadas e tecnológicas, e traz alguns apontamentos importantes. Quando Heidegger buscou em Ser e Tempo (2006[1927]) trazer à tona a questão do Ser, mal poderia prever os eventos que estariam por vir. As substantivas transformações no estatuto da ciência subverteram

a questão do Ser pela do conhecimento (gnoseológica), como a principal preocupação do filósofo moderno. Isso ocorre, Lyotard (1998) explica, em um contexto de incredulidade diante das metanarrativas.

Lyotard defende, portanto, que durante a modernidade tivemos dois “grandes relatos” de legitimação do saber: o “relato de emancipação” e o “relato especulativo”. No primeiro relato, o saber se legitima como instrumento para se alcançar dignidade, autonomia e liberdade: manifestava-se nas políticas em relação ao ensino, no governo de Napoleão, uma relação em que o conhecimento é o meio e o Estado e a sociedade são os fins. No segundo relato, que se desenvolveu no começo do século XIX, o principal argumento é que o saber se legitima por si próprio. Esses dois grandes relatos sucumbiram pelo próprio questionamento dos argumentos que eles apresentavam.

Não obstante, o surgimento de uma sociedade tecnológica informacional implica na impossibilidade de aceitação de uma metanarrativa universalizante, de maneira que a ciência pode ser mais bem compreendida em termos de “jogos de linguagens”, ou seja, em todos os ambientes científicos há uma crise de legitimação que compromete um discurso hegemônico uno. Há um processo de transformação radical do saber: “A informação ganha papel central e a ciência se tornou uma maneira de organizar as informações” (LYOTARD, 1998, p. 9). O que ocorre é que a informática passa a moldar o próprio conhecimento que assume essa forma e subverte-se então não só a noção de conhecimento, mas de produção de conhecimento, pois este converte-se em mercadoria, em valor de troca submetido ao capital.

De maneira similar, Gilles Deleuze e Felix Guattari (1992) constroem seu trabalho em cima de uma crítica ao estruturalismo linguístico, refutando a ideia de hierarquia e, adotando uma funcionalidade e horizontalidade de pensamento, ou seja, partindo da premissa de que os acontecimentos possuem camadas e devires e, assim sendo, não devem ser compreendidos a partir de uma única lógica. Essa perspectiva marcaria uma crítica contundente ao trabalho de Freud em O Anti-Édipo (2010). Deleuze e Guattari, em Conversações (1992), falam sobre a Revolução de Maio de 68 como um acontecimento que possui muitas camadas, inclusive geograficamente, como um fenômeno cuja importância está nos seus devires e não em um único resultado. Ou seja, ambos falam sobre ler nas entrelinhas, buscando compreensões de subjetividades múltiplas.

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