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Foto[carto]grafia: Cartaz grupo – Adolescentes e medicação

Fonte: Arquivo pessoal

Percebo uma preciosidade nessa foto[carto]grafia, partindo da própria questão colocada “Na sua visão, como os adolescentes no castelo lidam e pensam a

77 As questões foram elaboradas conforme a temática solicitada pelos trabalhadores: a

medicação?”. O que a pergunta remete é um colocar-se na dimensão do outro – o jovem – deslocar e descolar-se de si, para se pensar como jovem, como interno.

Olhemos para a imagem maior colada no painel, essa acompanhada do descritor “Fuga da realidade”. Esse ponto apareceu muito na voz dos trabalhadores, tomando este como um dos principais motivos da solicitação por medicamentos realizada pelos jovens. Os trabalhadores estavam dizendo que a [hiper]medicação era solicitada pelos jovens, a fim de “fugirem da realidade”.

Questiono: Seria a realidade do castelo? Quando socilicitada medicação pelo jovem, ele recebe?

Pois bem, levantamos as questões à epoca. Quanto à primeira, apesar de alguns trabalhadores confirmarem que a fuga pelo medicamento é sim para suportar o espaço da internação, outros trouxeram a ideia de uma fuga da realidade de sua própria história/vida ou da infração cometida.

Quanto a segunda questão (se o jovem que pedia, recebia), recordo78 da

técnica de enfermagem do local esclarecendo:

“Se está no prontuário, um ‘se necessário’ a gente pode dar, se não, não há o que fazer”. (Notas da lembrança, 2017)

Entre as lembranças das falas, retomando o relatório da ação, os escritos guardados, notei que a discussão quanto a essa questão proporcionou colocações como:

“Pois é, quem ‘precisa’ não quer, quem não precisa quer usar” “Às vezes eu sei que aquele guri não precisa de remédio, mas o psiquiatra deu, o que vou fazer? Eu não tenho formação pra isso” “É difícil, porque o médico vê o guri só no horário marcado, a gente tá com o ele todo dia.” (Notas do diário de campo, 2015). Quem precisa de medicação? Por quais motivos? Uma patologia? Um diagnóstico? É somente o psiquiatra que decide se o jovem vai ser medicado ou não? Talvez tenhamos respostas, talvez seja necessário deixar as perguntas em suspenso,

78 Assim como as falas dos jovens – em que algumas estão registradas em relatório, outras são

retomadas a partir das lembranças ainda muito vivas em mim, as falas dos trabalhadores também são trazidas nessa perspectiva, embora, algumas delas tenham sido guardadas em diário de campo da residência.

“Ah, se um sai da linha já se corre o risco de pedalaço, mas com os quartos com mais de três,

como fazer?!” Notas do Diário de Campo

evitando janelas. O que posso acrescentar é o meu perceber da trama do poder disciplinar do castelo em seu pleno funcionamento. Na citação a seguir destaco a palavra a ser trocada por castelo:

Vocês têm, portanto, esse sistema de poder que funciona no interior do asilo e que distorce o sistema regulamentar geral, sistema de poder que é assegurado por uma multiplicidade, por uma dispersão, por um sistema de diferenças e de hierarquias e, mais precisamente, pelo que poderíamos chamar de uma disposição tática na qual os diferentes indivíduos ocupam um lugar determinado e cumprem certo número de funções precisas. Vocês têm aí, portanto, um funcionamento tático do poder ou, melhor dizendo, é essa disposição tática que permite que o poder se exerça (FOUCAULT, 2006, p.9 grifo meu).

Assim nos damos conta de que tipo de poder opera no local. A medicação79,

no contexto das medidas socioeducativas,não está vinculada somente ao ato de dar remédio, mas coloca-se como “engrenagem, como máquina que transforma a vida em objeto” (FREITAS, 2012, p. 497). Sendo assim, ela é mais um dispositivo, um dos elementos que sustentam a engrenagem de funcionamento do castelo. Isso existe para manter o poder disciplinar, regulando vidas infames, produzindo lugares – do louco, do infrator, daquele que precisa ou não precisa.

No entanto, há microlutas (!!!). A mesma trabalhadora que afirmou “não ter o que fazer” também diz que algumas vezes usa placebo – tanto para o jovem que não tem o “se necessário” em seu prontuário, quanto para o sujeito “hipermedicado”. E que tal ação ocorre em interlocução com alguns trabalhadores. Reforço: Alguns. Esse aspecto e o diálogo sobre ele foram possíveis somente a partir da produção de outro painel:

79 Neste estudo, trato do enfoque do uso propriamente dito da medicação, no entanto, compreendo a

ampliação do uso do medicamento para o conceito de medicalização. Repito a citação já anunciada na introdução: “Foucault amplia o uso do conceito medicalização, pois fala da apropriação, pela sociedade, dos saberes médicos reconhecidos como discurso com efeitos de verdade nas mais diferentes esferas sociais, disciplinando e governando a vida de todos e de cada um” (CHRISTOFARI, FREITAS, BAPTISTA, 2015, p.1083).

Vê-se a compreensão clara do que pode ser feito a fim de evitar o uso da medicação propriamente dita. Destaco ao que foi chamado de “Correrio80”: um dos

agentes socioeducativos explicou tratar-se de um investimento na escuta e no desdobramento da medida em si, “correndo” para encaminhar relatórios ao juizado, para conseguir o horário de novo julgamento/avaliação, para conseguir o atendimento com a psicóloga, para conseguir a cela na ala de medida mais branda, enfim, fazendo um “correrio” para que o jovem perceba que há alguém se importando com ele, cuidando, de acordo ao que é chamado de socioducação (ou humanização?).

Nas palavras de Deleuze e Guattari “é preciso fazer o múltiplo, não acrescentando sempre uma dimensão superior, mas, ao contrário, de maneira simples, com força de sobriedade [...] um tal sistema poderia ser chamado de rizoma” (DELEUZE, GUATTARI, 1995, p.11).

80 No castelo é nomeado “correrio”, mas em outras unidades o termo aparece como “correria”.