• Nenhum resultado encontrado

Meuleman e Niestroy (2015) chamam a atenção para a necessidade de uma abordagem consciente, por parte dos governos, para criar mecanismos de governança para a implementação da Agenda 2030 que sejam adaptados à realidade multinível, multiatores e multisetorial da agenda e de seus próprios países. Segundo os autores essa abordagem de diferenciação já estava presente na Declaração do Rio, de 1992, através do Princípio 7 – Common but differenciated

responsability (responsabilidades comuns, mas diferenciadas), mas teria sido interpretada

através de um crivo que opunha países do Norte e do Sul em torno das agendas ambientais. A partir de uma visão mais conciliadora do princípio, entendendo que a Agenda 2030 se coloca como universal e para todos os países, é cunhado o princípio de “Common but differentiated

Governance” (MEULEMAN e NIESTROY, 2015), governança comum, mas diferenciada. Em

seu centro está a necessidade de considerar o contexto cultural de implementação, criando um arranjo que combine diferentes estilos de governança familiares ao local e ao mesmo tempo que respondam aos princípios da Agenda.

Uma abordagem unívoca de governança a ser reproduzida nos diferentes países seria indiferente às realidades culturais particulares. Por isso a ideia de governança comum, mas diferenciada. Dentro dos ODS, os objetivos e metas relativos à implementação e governança traçam os caminhos comuns a serem observados. Meuleman e Niestroy (2015, p. 12299)

exemplificam algumas das metas relevantes, dentro dos ODS 16 e 17, para pensar a governança da agenda, como pode ser visto na Quadro 2.1.

Quadro 2.1 – Exemplos de ‘sub objetivos’ de governança nos ODS

ODS 16, e aqui especialmente “construir, em todos os níveis, instituições efetivas, responsáveis e inclusivas”:

16.3 promover o rule of law (…) e assegurar igual acesso à justiça para todos

16.6 desenvolver em todos os níveis instituições efetivas, responsáveis, inclusivas e transparentes

16.7 assegurar em todos os níveis processos de tomada de decisão responsivos, inclusivos, participativos e representativos

16.10 garantir acesso público à informação (…)

ODS 17, sobre “Meios de Implementação”: 17.9 criação de capacidades (…)

17.14 aumentar a policy coherence para o Desenvolvimento Sustentável

17.16 aumentar parcerias globais (…) complementadas por parcerias multi stakeholder (…)

17.17 encorajar (…) parcerias públicas, público-privadas e com a sociedade civil (…)

17.18 reforço de capacidades (…) para aumentar a disponibilidade de (…) dados Fonte: Meuleman e Niestroy, 2015, tradução nossa.

Além desses, as metas de implementação que constam nos demais objetivos, marcadas pelas letras (a, b, c...), também apresentam aspectos relevantes para pensar a composição de arranjos de governança. Alguns exemplos que citam os autores são:

“mobilização de recursos para implementar programas (1.a), expandir o apoio ao desenvolvimento de capacidades para várias tecnologias (6.a), fortalecer a participação de comunidades locais (6.b), fortalecer o planejamento do desenvolvimento (11.a), implementar políticas e planos integrados (11.b), fortalecer capacidades científicas e tecnológicas (12.a), implementar ferramentas para monitorar os impactos do desenvolvimento sustentável (12.b), e melhorar a capacidade de planejamento e gestão (13.b).” (MEULEMAN e NIESTROY, 2015, p. 12299, tradução nossa).

A diferenciação a ser feita em cada caso particular consiste na chamada metagovernança: a forma em que serão integrados os diferentes estilos de governança, considerando suas fortalezas e debilidades, em relação às caracterísiticas culturais e políticas em que se implementam os objetivos. Os principais estilos mapeados na literatura por Meuleman e Niestroy (2015) são: hierárquico, em redes e de mercados, e respondem às lógicas sociais de hierarquia, igualitarismo e autonomismo.

Cada um deles difere em pelo menos 35 dimensões em relação aos demais, segundo os autores, sendo mais ou menos adequados a situações em específico. Enquanto a governança em redes exige um alto nível de confiança entre os agentes e promove a inclusão de diferentes atores, abrindo para soluções “ganha-ganha”, ela pode incorrer em baixa legitimidade

democrática, ao não ser considerada a forma de entrada nas redes e os mecanismos de prestação de contas. Pode ainda resultar em discussões intermináveis, sem conclusões e encaminhamentos práticos. O estilo de governança de mercados valoriza, por outro lado, a eficiência, a responsabilidade individual e a rapidez, mas falha frequentemente na inclusão de valores como empatia e confiança, e apresenta dificuldade em estabelecer condições de igualdade de concorrência entre competidores. Ambos estilos, ao serem comparados com o tipo hierárquico são insuficientes quanto à estrutura, confiabilidade, mecanismos de prestação de contas (accountability) e na garantia de igualdade entre cidadãos e entre empresas. Em termos de controle, estabelecimento de linhas de comando, clareza de responsabilidade e possibilidade de planejamento a longo prazo, estilos mais hierarquizados de governança também oferecem maior efetividade. Por outro lado, a inflexibilidade, a morosidade dos procedimentos burocráticos e compartimentação das ações setoriais são problemas enfrentados por esse estilo. Somam-se a eles, diversas vezes, a dificuldade de lidar com sinergias, inovação, iniciativas

bottom-up e eventos inesperados ou imprevisíveis (MEULEMAN e NIESTROY, 2015, p.

12301).

Ao sobrepormos tais considerações com o contexto da knowledge democracy (IN 'T VELD, 2013) e a importância da governança da sustentabilidade, como discutido na segunda seção deste capítulo, a necessidade de combinar esses diferentes tipos de governança para que a implementação dos ODS obtenha sucesso é evidente. Segundo Meuleman e Niestroy (2015), a metagovernança sugere que estilos que, à primeira vista, parecem contraditórios podem ser combinados e agir juntos em situações e contextos específicos. Não implica em escolher um estilo de governança a priori, mas implica em primeiro analizar o ambiente de governança para desenhar arranjos e mecanismos que sejam adaptados, e assim, sensíveis às culturas administrativas, aos valores, tradições e normas de um país ou contexto local, levando a uma maior efetividade. Além disso, devem contar com um alto grau de retroalimentação, podendo- se recorrer a diferentes estratégias de metagovernança. Eles elencam três estratégias identificadas na adoção de uma abordagem de metagovernança: (1) a combinação consiste na adoção de um ou mais estilos ao mesmo tempo em um mesmo contexto ou setor; (2) a troca de estilo pode ser empregada quando não se veem os resultados esperados ou frente a novos elementos emergenciais e mudanças nos padrões de interação entre os atores; já (3) a manutenção de abordagens pode assegurar alguns resultados através da proteção de instituições e instrumentos com uma menor flexibilidade às mudanças que possam se apresentar (MEULEMAN e NIESTROY, 2015).

A utilização de técnicas de metagovernança pode se tornar mais eficiente que outras formas de governança, através da redução de custos (econômicos e sociais). Mesmo tendo como requisito investimento em capital humano qualificado para a gestão, os retornos em relação à economia de recursos e resultados eficazes a longo prazo são enormes, segundo os autores. Outra questão importante diz respeito ao efeito distributivo dos custos de governança que é amenizado com a abordagem: enquanto os custos de uma governança apropriada são responsabilidade do governo e custeados com o dinheiro de contribuintes, os custos das falhas de governança são imputados às custas das dimensões econômica, social e ambiental (MEULEMAN e NIESTROY, 2015).

Prescrever um modelo unívoco de metagovernança para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável seria contrasensual da parte dos autores. Assim, Meuleman e Niestroy (2015) optam por elencar passos importantes, como parâmetros que, a seu ver, devem ser considerados para o estabelecimento de mecanismos de metagovernança eficazes. São sete passos: (1) mapeamento do ambiente de governança; (2) avaliação da atual abordagem de governança; (3) identificação ou definição do problema; (4) tradução dos ODS para o contexto nacional; (5) desenho um quadro/arranjo de governança como parte dos Meios de Implementação; (6) administração o arranjo de governança estabelecido; (7) reavaliação e possíveis adaptações (MEULEMAN e NIESTROY, 2015).

2.4.1 Mapeamento do ambiente de governança

O mapeamento do ambiente de governança permite aos responsáveis identificar os atores envolvidos e o papel de cada um deles dentro desse ambiente. Além do mais, permite uma visão ampliada das estruturas legais e administrativas que darão sustentação ou precisarão ser alteradas em um novo arranjo de governança. Compõem o mapeamento também análises sobre o ambiente político local e os valores e tradições daquela sociedade (MEULEMAN e NIESTROY, 2015).

2.4.2 Avaliação da atual abordagem de governança

Os autores (MEULEMAN e NIESTROY, 2015) sugerem uma metodologia de análise que elenque as fortalezas, fraquezas, oportunidades e ameaças que a abordagem de governança corrente representa, a fim de tomá-las como ponto de partida para fazer os ajustes e mudanças necessários, respondendo aos elementos identificados na análise.

2.4.3 Identificação ou definição do problema

É preciso, ainda, identificar com clareza os problemas e desafios que precisam ser superados para a implementação dos ODS no contexto específico do país. Essa definição precisa nascer de um entendimento comum entre aqueles que conduzirão os arranjos de metagovernança, sendo apoiados por um mínimo de consenso (MEULEMAN e NIESTROY, 2015).

2.4.4 Tradução dos ODS para o contexto nacional

Traduzir os ODS para o contexto nacional significa aproximá-los dos desafios de desenvolvimento que cada país em particular enfrenta, criando metas próprias, elencando indicadores e metas, e identificando opções e caminhos para ações e políticas (MEULEMAN e NIESTROY, 2015).

2.4.5 Desenho um quadro/arranjo de governança

A partir dos passos anteriores, seria possível desenhar com mais segurança um arranjo de governança ampliado, e selecionando de forma consciente elementos de diferentes tipos de governança de maneira combinada. Instituições, instrumentos, processos e papéis de diferentes atores devem ser escolhidos de maneira complementar, considerando os múltiplos níveis de interação no ambiente político nacional, um horizonte de interação a longo prazo e uma abordagem transversal dos ODS (MEULEMAN e NIESTROY, 2015).

2.4.6 Administração/gestão do arranjo de governança estabelecido

Depois de estabelecido o arranjo de governança, e quando em funcionamento, os responsáveis por geri-lo precisam aplicar os princípios de reflexividade, resiliência, flexibilidade e diferentes estratégias de metagovernança, seja recombinando ou mudando de estilo. Esses ajustes devem ser entendidos como rotina dentro de um processo de governança que se atualiza continuamente quando se depara com falhas no seu funcionamento. Exige certa rapidez na adaptação (MEULEMAN e NIESTROY, 2015).

2.4.7 Reavaliação constante e adaptações

Esse passo diz respeito à adaptação dos ODS feita à realidade nacional, que precisa ser acompanhado de revisões críticas tanto dos objetivos e metas quanto dos meios de implementação destinados. Uma reavaliação dos arranjos de governança também se inclui

nesse quesito, sendo importante estabelecer, desde o início, ciclos de avaliação (MEULEMAN e NIESTROY, 2015).

Os próprios autores (MEULEMAN e NIESTROY, 2015) chamam atenção para o duplo uso que pode ser feito de um framework de metagovernança, tal como elaboraram. Além de ser utilizado para a construção de arranjos de metagovernança e pode ser aplicado como ferramenta de análise. Atentando às realidades particulares dos países, é possível realizar uma análise dos processos de implementação articulados pelos governos, evidenciando estratégias de metagovernança por eles utilizadas como é objetivo do presente estudo em relação ao Brasil, no capítulo 4.