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Ainda no intuito de construir as bases que possibilitarão a análise dos esforços de implementação da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, faz-se necessário olhar com maior detalhe para os desdobramentos nacionais de duas iniciativas que os precederam: a Agenda 21, formulada durante a Rio 92 e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, adotados na Cúpula do Milênio, em 2000. Os dois documentos, assim como a Agenda 2030 e os ODS, revelam esforços diferentes da comunidade internacional para colocar

metas globais em relação às temáticas do meio ambiente e do desenvolvimento. De ambas, como se verá a seguir, desdobram-se processos nacionais para internalizar as agendas e atingir as metas propostas.

A Agenda 21 expressa um largo consenso sobre o desenvolvimento sustentável, negociado durante a Rio 92, assinado por 179 países. É um programa extenso, composto por quarenta capítulos que preveem ações para alinhar os distintos aspectos do desenvolvimento sustentável, promovendo-o no presente, “sem limitar as opções das gerações futuras”. Com o intuito de traduzir as ações em iniciativas domésticas, a própria Agenda 21 Global, prevê a elaboração de agendas nacionais.

Alguns autores retomam e analisam o processo de formulação da Agenda 21 Brasileira, no final da década de 1990 e durante a década de 2000 (MALHEIROS, PHLIPPI JR e COUTINHO, 2008; FONSECA, 2016). Cinco anos após a adoção da agenda global, a Agenda 21 Brasileira começou a ser elaborada, por meio da Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional (CPDS), estrutura de governança que reunia representantes do Governo Federal, da sociedade civil e do empresariado, sob a presidência do Ministério de Meio Ambiente e Secretaria-Executiva da Coordenação da Agenda 21, do mesmo ministério (FONSECA, 2016). Segundo Fonseca (2016), houve a tentativa dos idealizadores da estrutura de estabelecer a articulação da Agenda 21 dentro da Casa Civil da Presidência da República ou do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP), à época do Governo de Fernando Henrique Cardoso, já a partir do entendimento de que a matéria extrapolaria a questão ambiental.

A CPDS optou pela contratação de consórcios públicos para elaboração de diagnósticos da situação nacional frente a seis temas: cidades sustentáveis; redução das desigualdades sociais; agricultura sustentável; gestão de recursos naturais; ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável; e infraestrutura e integração regional (FONSECA, 2016). Através desses diagnósticos, realizados por instituições ligadas à pesquisa e à comunidade científica, foi possível estabelecer os subsídios de discussão em eventos, seminários e consultas públicas, que percorreram 26 estados brasileiros, nas cinco regiões. O autor (FONSECA, 2016) chama atenção para a participação popular: 6 mil pessoas de maneira direta, e estimativa de 40 mil pessoas de maneira indireta ajudaram a definir os 21 objetivos nacionais, dentro de cinco eixos25.

25Os 21 Objetivos da Agenda 21 Brasileira são: Eixo: A economia da poupança na sociedade do conhecimento: (1)Produção e consumo sustentáveis contra a cultura do desperdício, (2) Ecoeficiência e responsabilidade social

A Coordenação da Agenda 21/MMA e a CPDS teriam a atribuição de acompanhar a implementação da Agenda 21 Brasileira, sob o Programa AG21, como aponta a análise de Fonseca (2016) do Plano Plurianual 2004-2007 do Governo Federal. Fonseca aponta ainda que, por decisão política, a implementação deixou de ser acompanhada, sendo que ambas as estruturas do Governo Federal foram direcionadas para fomentar a criação de Agendas 21 locais, nos estados e municípios brasileiros. Segundo ele, essa opção, reforçada no desenvolvimento de ferramentas metodológicas e financiamento de projetos através do Fundo Nacional do Meio Ambiente para elaboração das agendas locais, mostram que a Agenda 21 deixou de ser concebida como um processo de transformação para ser encarada, ela mesma, como um projeto, com início, meio e fim, que pode ser avaliado como um produto a ser entregue. Nesse sentido, o autor escreve:

Essa decisão política do MMA [de priorizar a criação de agendas 21 locais] fez com que, desde a publicação dos documentos finais, em 2002, até o momento desta pesquisa, não tenha havido um acompanhamento sistemático do desenvolvimento da AG21 enquanto processo e nem ações de estímulo e promoção da continuidade do processo da AG21 Nacional. (FONSECA, 2016).

O acompanhamento da agenda precisaria ser feito através da observação dos indicadores e sua evolução em direção às metas colocadas pela agenda, criando uma cultura de avaliação das políticas. Nesse sentido, Malheiros, Phlippi e Coutinho (2008) atentam para a importância que os indicadores representam para o acompanhamento das transformações em direção ao desenvolvimento sustentável, seu o papel dentro da Agenda 21 e a ausência de uma integração, no Brasil, dos indicadores produzidos com os contemplados na agenda nacional.

Os autores (MALHEIROS, PHLIPPI JR e COUTINHO, 2008) revelam que mesmo que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tenha desenvolvido e publicado em 2002, frente aos incentivos da Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (CDS-ONU), uma compilação de indicadores de desenvolvimento sustentável, ela não foi feita

das empresas, (3) Retomada de planejamento estratégico, infraestrutura e integração regional, (4) Energia renovável e biomassa, (5) Informação e conhecimento para o desenvolvimento sustentável; Eixo: Inclusão social para uma sociedade solidária: (6) Educação permanente para o trabalho e a vida, (7) Promover a saúde e evitar a doença, democratizando o SUS, (8) Inclusão social e distribuição de renda, (9) Universalizar o saneamento ambiental protegendo o ambiente e a saúde; Eixo: Estratégia para a sustentabilidade urbana e rural: (10) Gestão do espaço urbano e a autoridade metropolitana, (11) Desenvolvimento sustentável do Brasil rural, (12) Promoção da agricultura sustentável, (13) Promover a Agenda 21 Local e o desenvolvimento integrado e sustentável, (14) Implantar o transporte de massa e a mobilidade sustentável; Eixo: Recursos naturais estratégicos: água, biodiversidade e florestas: (15) Preservar a quantidade e melhorar a qualidade da água nas bacias hidrográficas, (16) – Política florestal, controle do desmatamento e corredores de biodiversidade; Eixo: Governança e ética para a promoção da sustentabilidade: (17) Descentralização e pacto federativo: parcerias, consórcios e poder local, (18) Modernização do Estado: gestão ambiental e instrumentos econômicos, (19) Relações internacionais e governança global para o desenvolvimento sustentável, (20) Cultura cívica e novas identidades na sociedade da comunicação, (21) Pedagogia da sustentabilidade: ética e solidariedade (FONSECA, 2016).

de maneira alinhada com a Agenda 21 Brasileira. Desde 1995, a Comissão das Nações Unidas, iniciou um processo de formulação de indicadores comuns que pudessem servir para o monitoramento da Agenda 21, e apoiar os procedimentos de tomada de decisão, contribuindo para a harmonização dos parâmetros de coleta de dados entre os países. Foi realizado um processo participativo que contou com uma fase de testes, da qual o Brasil fez parte (MALHEIROS, PHLIPPI JR e COUTINHO, 2008).

Ainda assim, na proposição dos indicadores nacionais, o IBGE optou por utilizar indicadores diferentes. Malheiros, Phlippi Jr e Coutinho (2008) relatam que dos 57 indicadores propostos pela CDS-ONU, 15 foram deixados de lado pelo IBGE, na primeira versão do relatório. Alguns deles, como a desertificação, a concentração de poluentes em áreas urbanas e adequação da moradia, foram incluídos em uma versão de 2004, mas outros foram deixados de fora, como a emissão de gases de efeito estufa e estratégia de desenvolvimento sustentável. Os indicadores escolhidos pelo IBGE, em sua maioria, já eram utilizados pelo próprio órgão, e alguns seriam coletados de fontes externas. Quanto a isso, os autores alertam para a necessidade de se construir os indicadores a partir de problemas reais para que sejam de fato úteis, e permitam o acompanhamento verdadeiro do que se pretende medir (MALHEIROS, PHLIPPI JR e COUTINHO, 2008). Caso contrário, como foi realizado, os dados pouco informam sobre a trajetória das políticas adotadas. Esse diagnóstico reforça a tese de Fonseca (2016) de que a Agenda 21 Brasileira não foi tratada como processo, e que deixou de haver interesse no acompanhamento de sua implementação pela Coordenação Agenda 21/MMA.

Ao mesmo tempo em que se optou por incentivar sua adoção a nível local, a Agenda 21 dividia espaço com outra agenda internacional nos anos 2000, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). E em alguns momentos, foram tratadas em conjunto, conforme aponta o caderno de debate da Agenda 21 e Sustentabilidade, produzido pelo Ministério do Meio Ambiente em 2005, sob o título “A Agenda 21 e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: as oportunidades para o nível local”, de Flora Cerqueira e Marcia Facchina (CERQUEIRA e FACCHINA, 2005).

Os ODM, no início da década, já estavam no radar do Governo Federal. Ainda que não compusessem o debate estrito sobre desenvolvimento sustentável, os oito objetivos aprovados dentro da Resolução nº 55/2 de 2000 da Assembleia Geral das Nações Unidas, buscavam enfrentar os principais desafios dos países em desenvolvimento26. Em primeiro lugar estava

26 Uma série de estudos apontam as limitações dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio enquanto conceito e agenda. Fehling, Nelson e Venkatapuram (2013) ao fazerem uma revisão desses estudos apontam para os

acabar com a fome e a miséria, e incluía objetivos quanto à educação básica, igualdade entre sexos, a redução da mortalidade infantil e a melhoria da saúde das gestantes, o combate a epidemias como o HIV/AIDS e a malária. O sétimo objetivo, apesar de fazê-lo de maneira tímida, trazia um enfoque na qualidade de vida e respeito ao meio ambiente. Boa parte desses objetivos tinham correspondência com os desafios encontrados pelo Brasil à época e, portanto, foram facilmente incorporados às metas nacionais.

Os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio eram compostos por 21 metas globais que seriam acompanhadas por 60 indicadores, tinham uma complexidade menor que a Agenda 21 Global. Os dados base para a elaboração das metas foram os coletados em 1990, e previa-se o monitoramento periódico dos indicadores até 2015. Roma (2019) pontua que o tanto o IBGE quanto o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) foram designados os órgãos responsáveis pelo acompanhamento do progresso dos indicadores no Brasil, bem como pelo acompanhamento das demais metas, adaptadas para o país a partir do Grupo Técnico para o Acompanhamento das Metas e Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (GT-ODM).

O GT-ODM foi criado através do Decreto Presidencial de 31 de outubro de 2003, durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva. Era composto pela Casa Civil e a Assessoria Especial da Presidência da República, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, o Ipea e o IBGE. Posteriormente, foram acrescidas a Secretaria Executiva do Conselho Gestor Interministerial do Programa Bolsa Família e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Seu ciclo de reuniões era mensal, sendo que demais participantes, fossem entes públicos ou da sociedade civil poderiam ser convidados a participar (BRASIL, 2003). Tanto o formato da estrutura de governança quanto a periodicidade das reuniões mostram um grande comprometimento do alto escalão do governo com os ODM.

O Governo Federal, em parceria com agências do Sistema ONU no Brasil, elaborou cinco Relatórios Nacionais de Acompanhamento, publicados pelo Ipea em 2004, 2005, 2007, 2010 e 2014. Roma (2019) realiza o esforço de sistematizar os resultados do país na implementação dos objetivos, contextualizando-os em relação ao desempenho global. O autor indica que o Brasil teve sucesso no alcance da maior parte das metas, inclusive em metas nacionais mais ambiciosas que foram determinadas de maneira voluntária. Com grande destaque para a redução da pobreza para um quarto do nível de 1990 e erradicar a fome no país,

principais diagnósticos: os ODM foram formulados por um número limitado de stakeholders, sem a participação dos países em desenvolvimento e passando por cima de compromissos internacionais assumidos anteriormente; os objetivos são em grande parte inalcançáveis e simplistas, falham em adaptar-se às realidades nacionais e reforçam a intervenção verticalizada.

tendo a primeira sido alcançada ainda em 2012 e a segunda em 2006 (ROMA, 2019). Em relação às metas do Objetivo 7, que contemplam o cuidado com o meio ambiente, o país apresentou também bons resultados, em especial pela diminuição do desmatamento na região amazônica, e pelo aumento das fontes de energia renovável e limpa (SAAD, 2015).

O bom desempenho do país frente aos ODM pode ser explicado pela convergência das prioridades dos governos do período com as metas estabelecidas, sendo articulada, entre os ministérios e com ampliada participação social através de conselhos e comitês gestores de políticas setoriais, e a implementação de programas que atendiam aos objetivos em questão. Saad (2015) destaca uma série de políticas públicas, tanto de transferência de renda e de elevação do salário mínimo, quanto de ampliação do acesso a serviços públicos como água potável e energia elétrica.

A posição privilegiada por seu bom desempenho possibilitou ao Brasil, como visto anteriormente, destacar-se para discutir uma agenda de desenvolvimento pós-2015, quando se encerravam as metas dos ODM (SAAD, 2015). Coincidindo com a articulação dentro dos debates sobre meio ambiente, e por decisão da Rio+20 sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que, mesmo correndo em paralelo em relação à agenda pós-2015 encabeçada pelo Secretariado Geral das Nações Unidas, acabariam se fundindo (SAAD, 2015) na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

3.3 A negociação da Agenda pós-2015 e a participação da sociedade civil brasileira