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A Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e o Brasil: uma análise da governança para a implementação entre 2015 e 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

INSTITUTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

ANA BEATRIZ ARANTES ARAÚJO

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o Brasil: uma análise da governança para implementação entre 2015 e 2019

Uberlândia 2020

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ANA BEATRIZ ARANTES ARAÚJO

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o Brasil: uma análise da governança para a implementação entre 2015 e 2019

Dissertação apresentada ao Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia como requisito parcial para obtenção do título de mestra em Relações Internacionais.

Área de concentração: Política Internacional Linha de Pesquisa: Política Externa e Instituições Internacionais

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marrielle Maia Alves Ferreira

Uberlândia 2020

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ANA BEATRIZ ARANTES ARAÚJO

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o Brasil: uma análise da governança para a implementação entre 2015 e 2019

Dissertação apresentada ao Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia como requisito parcial para obtenção do título de mestra em Relações Internacionais.

Área de concentração: Política Internacional Linha de Pesquisa: Política Externa e Instituições Internacionais

Uberlândia, 06 de março de 2020.

Banca Examinadora

_________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Marrielle Maia Alves Ferreira (UFU)

Orientadora

_________________________________________________ Prof. Dr. Henrique Zeferino de Menezes (UFPB)

_________________________________________________ Prof. Dr. Thiago Gehre Galvão (UnB)

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Figura A – “Problemólogos” e “solucionólogos”

Fonte: QUINO (2010).

Aos “solucionólogos” que encontrarem, na leitura deste trabalho, inspiração para mudar o mundo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família por acreditarem em todos os meus sonhos, e em minhas capacidades, e sobretudo por me darem as condições para realizar e concluir o mestrado.

Agradeço à professora, orientadora e amiga Marrielle Maia, pela abertura e pelas provocações, pelo incentivo e as correções, e em especial por abrir portas acadêmicas e profissionais.

Agradeço às pessoas que contribuíram para identificar e contactar os entrevistados nessa pesquisa, em especial Miriam, Patrícia, Alessandra, Denise, Enid, Luiz Afonso, Haroldo, Nelson, Rodrigo e Dashiell. Agradeço às pessoas entrevistadas, pois, com sua ajuda consegui reunir informações e apresentar uma leitura mais humana dos documentos e atas. Agradeço imensamente aos alunos de graduação que contribuíram na degravação das entrevistas: Izabella Lemos, Thaís Pellosi e Lucas Oliveira. Por sua discrição, pontualidade e disposição, muito obrigada.

Agradeço também aos professores Ana Flávia Granja-Barros, Thiago Gehre e Henrique Menezes, que ao longo do desenvolvimento do trabalho contribuíram substancialmente para aprofundar as análises e dirigir melhor o olhar desta pesquisadora.

Agradeço ainda às amigas, Tamara e Taynara, por me manterem no grupo do “pessoal dos direitos humanos”, mesmo tendo mudado os rumos da pesquisa; e também à Carol e à Roberta, por compartilharem as angústias e as alegrias de virar mestra; às mais que amigas, de todas as horas, e aos amigos de fé que sempre estão presentes. Aos amigos da Rede Vocare, que compartilham o olhar de “solucionólogos” e ajudam a manter a inquietação e a vocação por construir melhores instituições públicas. Muito obrigada.

E, sobretudo, a Deus – sem O qual nada seria possível. Figura B – Começamos a nos reunir

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Figura C – Garranchos ideológicos

Fonte: QUINO (2010).

“Política não é apenas sobre como o conhecimento pode ser selecionado para tomar decisões políticas, mas é também sobre como processos democráticos de tomada de decisão devem mudar para incorporar adequadamente os diferentes tipos de conhecimento.”

(IN 'T VELD, 2013, tradução nossa).

“Em quaisquer níveis políticos de mudança, será importante não perder na implementação aquilo que é único no conceito de ‘não deixar ninguém para trás’. Um foco singular na eliminação da pobreza, mesmo de maneira multidimensional, pode não ser adequado [ou suficiente] para possibilitar a todos uma vida em dignidade.”

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RESUMO

O trabalho apresenta uma análise da governança de implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, entre 2016 e 2019 pelo Governo Brasileiro. Argumenta-se que a agenda propõe uma mudança no paradigma de cooperação internacional com a adoção de mecanismo de estabelecimento de metas (goal setting) ao invés da formulação normativa (rule making). Para realizá-la são apresentados e discutidos as implicações sobre sua governança e os parâmetros que estão a ela atrelados, da agenda e da literatura que a estuda, entre eles a governança comum, mas diferenciada e a metagovernança (MEULEMAN e NIESTROY, 2015). Também é realizado um apanhado da trajetória de participação brasileira em debates sobre o meio ambiente e o desenvolvimento, tendo como marco as conferências internacionais sobre meio ambiente. Além disso, é analisada a experiência do país com a adoção de agendas internacionais anteriores – a Agenda 21 e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Por fim é apresentada a análise sobre a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, órgão colegiado consultivo com a atribuição de coordenar a implementação da Agenda 2030 no país, que esteve ativo entre 2017 e 2019, quando foi extinto. Soma-se a análise do trabalho do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada, na qualidade de órgãos de assessoramento da comissão, e da participação da sociedade civil em diferentes momentos, como componente ativa das negociações. Entre as fontes utilizadas estão os documentos levantados em pesquisa no acervo digital do Diário Oficial da União, atas e documentos solicitados à Secretaria Nacional de Articulação Social e a realização de entrevistas com atores-chave. A análise aponta para a fragilidade da estrutura de governança estabelecida e a interrupção da trajetória de defesa do multilateralismo e da participação social para lidar com agendas internacionais em temas correlatos ao desenvolvimento sustentável, e que se acentua a partir de 2018.

Palavras-chave: Agenda 2030; Desenvolvimento Sustentável; Governança; Agendas internacionais; Multilateralismo; Brasil.

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ABSTRACT

This study conveys an analysis of the United Nations’ 2030 Agenda for Sustainable Development’s implementation governance by the Brazilian Government, between 2016 and 2019. It is argued that the agenda proposes a shift on the international cooperation’s paradigm with the adoption of a goal setting mechanism instead of a rule making one. To articulate the analysis, the agenda implications on governance and its parameters, with those from the literature are presented and discussed, with emphasis on Common, But Differentiated Governance and metagovernance (MEULEMAN e NIESTROY, 2015). It is also portrayed a trajectory of Brazilian participation on debates about environment and development, using as time frames the international conferences on the environment. In addition, it is analyzed the country’s experience with the adoption of former international agendas – the Agenda 21 and the Millennium Development Goals. Finally, it is developed an investigation of the National Commission on the Sustainable Development Goals, a consultative collegiate with the attribution to coordinate the 2030 Agenda’s implementation in Brazil. It was active between 2017 and 2019, when it was extinguished. As a part of the study, the work of the Brazilian Institute for Geography and Statistics (IBGE, in Portuguese) and of the National Institute for Advanced Economic Research (IPEA), as advisors for the commission, is presented, and complemented with a view of civil society’s participation in different moments of negotiation. Among the research sources are the documents found in primary data collecting on the government official archive, available online, meeting records and documents obtained with the National Secretariat for Social Articulation, besides the interviews with key actors. The analysis shows the fragilities on the governance structure thar was stablished and the interruption of the tradition in defending both, multilateralism and social participation, to deal with international agendas on sustainable development, which intensifies after 2018.

Keywords: 2030 Agenda, Sustainable Development; Governance; International Agendas; Multilateralism; Brazil.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura A “Problemólogos” e “Solucionólogos”... 1

Figura B Começamos a nos reunir ... 2

Figura C Garranchos ideológicos ... 3

Figura 1.1 Ícones dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ... 14

Figura 2.1 Ícones dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável mapeados de acordo com a indicação de especialistas... 38

Figura 2.2 Doughnut da Oxfam ... 39

Figura 2.3 Doughnut da Oxfam x Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 40 Figura 2.4 ODS como uma rede de metas ... 43

Quadro 2.1 Exemplos de ‘sub objetivos’ de governança nos ODS ... 49

Quadro 3.1 Sessões do Open Working Group, temas e resultados... 84

Figura 4.1 Distribuição de cadeiras e composição da CNODS pelo Decreto nº8.892/2016 e editais de seleção nº 01, 02 e 03/2017... 99

Quadro 4.1 Organizações representantes da Comissão Nacional para os ODS – Primeiro biênio ... 100

Quadro 4.2 Datas das reuniões ordinárias e extraordinárias da CNODS– Primeiro Mandato (jul./2017 a jul./2019) ... 102

Quadro 4.3 Composição da Câmara Temática Parcerias e Meios de Implementação dos ODS – CNODS... 106

Quadro 4.4 ODS: síntese dos resultados do processo de adequação das metas propostas para o Brasil ... 114

Quadro 4.5 ODS: classificação das metas nacionais ... 115

Figura 4.2 ODS 4 e suas metas na plataforma ODS do IBGE ... 121

Figura 4.3 Indicador 4.2.2 na plataforma ODS do IBGE ... 121

Figura 4.5 Indicador 4.2.2 na plataforma ODS do IBGE (cont.) ... 121

Figura 4.4 Indicador 4.2.2 na plataforma ODS do IBGE (cont.) ... 122

Figura 4.6 Indicador 4.2.2 na plataforma ODS do IBGE (cont.) ... 123

Figura 4.7 Mapa nacional por estados do Indicador 4.2.2 na plataforma ODS do IBGE ... 123

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LISTA DE TABELAS

Tabela 4.1 Distribuição do número de indicadores ODS globais segundo a classificação em Tiers e por data de atualização da classificação,

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABC Academia Brasileira de Ciências

ABEMA Associação Brasileira de Entidades Estaduais do Meio Ambiente

AG21 Agenda 21

AGNU Assembleia Geral das Nações Unidas

ANA Agência Nacional de Águas

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CC Casa Civil

CDS-ONU Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU CEPAL Comissão Econômica para a América Latina

CIMA Comitê Interministerial para a Preparação para a Conf. das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento

CNAPO Conselho Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica CNM Conferência Nacional de Municípios

CNODS Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente

CPDS Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional

CTPMI Câmara Temática de Parcerias e Meios de Implementação DEMA Divisão do Meio Ambiente

ECOSOC Conselho Econômico e Social das Nações Unidas ENAP Escola Nacional de Administração Pública

ENDES Estratégia Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

FfD3 3ª Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento GTI-ODS Grupo Interministerial sobre a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 GT-ODM Grupo Técnico para o Acompanhamento das Meras e Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio

GTSC/GTSC2030 Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 HLPF High Level Political Forum

IASS Instituto para Estudos Avançados em Sustentabilidade IBGE Instituto Brasileira de Geografia e Estatística

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IECSDF Comitê Intergovernamental de Peritos sobre o Financiamento para o Desenvolvimento Sustentável

ILAC Iniciativa Latino-americana e Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

Ipea Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MCid Ministério das Cidades

MCT Ministério da Ciência e Tecnologia

MCTIC Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações MDSA Ministério do Desenvolvimento Social

MGoS Major Groups & Other Stakeholders

MMA Ministério do Meio Ambiente

MP/MPOG Ministério do Planejamento/ Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão MRE Ministério de Relações Exteriores

MS Ministério da Saúde

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ONU Organização das Nações Unidas

PCSD Policy Coherence for Sustainable Development

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PPA Plano Plurianual

Rio +20 Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável RNV Relatório Nacional Voluntário

SEGOV Secretaria de Governo da Presidência da República SIOP Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento

SNAS/SEAS Secretaria Nacional de Articulação Social/Secretaria Especial de Articulação Social

TCU Tribunal de Contas da União

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

2 GOVERNANÇA, AGENDAS INTERNACIONAIS E MULTILATERALISMO: A AGENDA 2030 NA DISCUSSÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE ... 25

2.1 Sobre governança e regimes ... 28

2.2 Estratégias de governança no centro do debate sobre desenvolvimento e sustentabilidade ... 33

2.3 A Governança na Agenda 2030 ... 37

2.4 Framework de metagovernança para a implementação da Agenda 2030 ... 48

2.4.1 Mapeamento do ambiente de governança ... 51

2.4.2 Avaliação da atual abordagem de governança ... 51

2.4.3 Identificação ou definição do problema ... 52

2.4.4 Tradução dos ODS para o contexto nacional ... 52

2.4.5 Desenho um quadro/arranjo de governança ... 52

2.4.6 Administração/gestão do arranjo de governança estabelecido ... 52

2.4.7 Reavaliação constante e adaptações ... 52

2.5 Mudança no paradigma de governança na crise do multilateralismo ... 53

2.6 Conclusão: Implicações da Agenda 2030 para a governança e seu estudo ... 55

3 O BRASIL NAS DISCUSSÕES INTERNACIONAIS SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: PARTICIPAÇÃO, NEGOCIAÇÕES E GOVERNANÇA DOMÉSTICA ... 58

3.1 O Brasil nos debates internacionais sobre meio ambiente e desenvolvimento: de Estocolmo à Rio+20 ... 61

3.2 O Estado Brasileiro e agendas internacionais: a Agenda 21 e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ... 76

3.3 A negociação da Agenda pós-2015 e a participação da sociedade civil brasileira 81 3.4 Conclusão: Trajetória da participação brasileira nos debates internacionais sobre desenvolvimento sustentável e seus desdobramentos internos ... 88

4 GOVERNANÇA NACIONAL: O BRASIL E A IMPLEMENTAÇÃO DA AGENDA 2030 PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ... 92

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4.2 Órgãos de Assessoramento Técnico ... 113

4.2.1 IPEA: metas nacionais e cadernos de diagnóstico ... 113

4.2.2 IBGE: indicadores globais e nacionais ... 118

4.3 A sociedade civil organizada ... 125

4.4 Conclusão: Metagovernança e a Agenda 2030 no Brasil ... 130

5 CONCLUSÃO ... 136

REFERÊNCIAS ... 142

APÊNDICE A – Levantamento no Diário Oficial da União e notas metodológicas .. 156

APÊNDICE B – Roteiros de entrevista semiestruturada ... 158

APÊNDICE C – Quadro de acompanhamento dos produtos CNODS - Plano de Ação 2017-2019 ... 169

APÊNDICE D – Quadro de presenças das reuniões do CNODS – Primeiro biênio . 173 ANEXO A – Ata 01 – 1ª Reunião Ordinária ... 174

ANEXO B – Ata 02 – 1ª Reunião Extraordinária ... 185

ANEXO C – Ata 03 – 2ª Reunião Ordinária ... 190

ANEXO D – Ata 04 – 2ª Reunião Extraordinária ... 195

ANEXO E – Ata 05 – 3ª Reunião Ordinária ... 198

ANEXO F – Ata 06 – 3ª Reunião Extraordinária ... 204

ANEXO G – Ata 07 – 4ª Reunião Extraordinária ... 210

ANEXO H – Ata 08 – 5ª Reunião Extraordinária ... 217

ANEXO I – Ata 09 – 4ª Reunião Ordinária ... 223

ANEXO J – Ata 10 – 6ª Reunião Extraordinária ... 227

ANEXO K – Ata 11 – 7ª Reunião Extraordinária ... 231

ANEXO L – Ata 12 – 8ª Reunião Extraordinária ... 236

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1 INTRODUÇÃO

A discussão e a defesa do desenvolvimento sustentável enquanto paradigma ganhou novo ímpeto com a chancela da Assembleia Geral das Nações Unidas em 2015, na adoção da resolução A/RES/70/1 – “Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” (ONUBR, 2018). No septuagésimo aniversário da organização, a visão tríplice de desenvolvimento, contemplando aspectos sociais, econômicos e ambientais, passou a compor sua agenda de forma mais integrada, representada na forma dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

A concepção de desenvolvimento sustentável vinha sendo gestada nos debates internacionais a respeito do meio ambiente, tanto nas conferências entre Estados quanto no debate das comunidades epistêmicas e ativistas. Em paralelo, as discussões sobre desenvolvimento, que ultrapassaram décadas, também se aproximaram das questões ambientais e da visão de sustentabilidade. Desde o Relatório Brundtland, de 1987, a ideia de que o desenvolvimento no presente não deve comprometer as possibilidades de as gerações futuras usufruírem dos recursos disponíveis tem figurado como o conceito de desenvolvimento sustentável reconhecido no consenso político multilateral. Nas últimas décadas, outros núcleos conceituais, ideias, correlações e urgências passaram a acompanhar o conceito, até que ganhou a centralidade na nova agenda das Nações Unidas para 2030.

A proposição de agendas não era inédita dentro do Sistema da Organização das Nações Unidas (ONU). Na Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, a Rio 92, foi aprovada a Agenda 21, na forma de um plano de ação global de atenção ao meio ambiente e sua correlação com aspectos socioeconômicos. Também não era inédito o estabelecimento de objetivos ou metas para o desenvolvimento: a ONU lançou os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), nos anos 2000, com oito objetivos identificados por especialistas a serem alcançados, em especial pelos países em desenvolvimento, até 2015. Entre esses objetivos, destacam-se a erradicação da extrema pobreza e da fome, a universalidade da educação básica, a redução da mortalidade infantil, a melhoria da saúde das gestantes e o combate a doenças como HIV/AIDS, malária e outras. Já o respeito ao meio ambiente, foi tratado de maneira superficial dentro dos ODM, estando presente aliado à qualidade de vida, no Objetivo 7 (UN, 2018).

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, contudo, é apresentada de maneira diferente. Promete congregar em seu centro as principais questões e desafios nas áreas econômica, ambiental e social, de maneira integrada e transversal, sendo proposta universalmente – para todos os países. Acompanha a agenda o slogan “Não deixar ninguém

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para trás”, que imprime uma atenção especial a grupos vulneráveis de todo o globo, exigindo atenção especial às suas necessidades para que também alcancem as metas. Os 17 objetivos foram elaborados e negociados através de um longo e complexo processo de discussão entre 2012 e 2015, sob as diretrizes colocadas pela resolução da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Os 17 objetivos são (ONUBR, 2018):

• Objetivo 1 – Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares;

• Objetivo 2 – Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável;

• Objetivo 3 – Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades;

• Objetivo 4 – Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; • Objetivo 5 – Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e

meninas;

• Objetivo 6 – Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos;

• Objetivo 7 – Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia, para todos;

• Objetivo 8 – Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos;

• Objetivo 9 – Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação;

• Objetivo 10 – Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles; • Objetivo 11 – Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos,

seguros, resilientes e sustentáveis;

• Objetivo 12 – Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; • Objetivo 13 – Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e

seus impactos (reconhecendo que a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima é o fórum internacional intergovernamental primário para negociar a resposta global à mudança do clima);

• Objetivo 14 – Conservar e usar sustentavelmente os oceanos, os mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável;

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• Objetivo 15 – Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra, e deter a perda de biodiversidade;

• Objetivo 16 – Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o

desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; • Objetivo 17 – Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria

global para o desenvolvimento sustentável;

Figura 1.1 – Ícones dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Fonte: Nações Unidas Brasil (2018).

Esse processo, que levou à construção das 169 metas que compõem os objetivos, contou com consultas à sociedade civil e a participação de 70 países membros das Nações Unidas através do Open Working Group – grupo de trabalho estabelecido para tal (KANIE, BERNSTEIN, et al., 2017). O relatório final do grupo de trabalho serviu como base da resolução aprovada pela Assembleia Geral. Compõem também a agenda, além dos objetivos e metas, as partes preambulares da resolução, que tratam dos meios de implementação e parcerias para consecução da agenda.

Na forma de uma resolução da Assembleia Geral, negociada em ambiente intergovernamental, a agenda tem caráter recomendatório. Ela é colocada como um compromisso global entre diversos atores, partes de uma parceria global entre Estados,

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organizações, governos locais, empresas e pessoas. Nesta parceria, contudo, o papel do Estado é o de responsável pelo seu próprio desenvolvimento, tendo centralidade na adesão, implementação e medição dos objetivos e metas.

Ainda que reconheçam os avanços da proposição de uma agenda internacional em prol do desenvolvimento sustentável, uma parte da literatura, amparada no viés crítico, indica que a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é insuficiente em aspectos centrais daquilo que propõem. Pogge e Sengupta (2015), por exemplo, ao ressaltarem o caráter recomendatório do documento nas Nações Unidas, apontam para a possiblidade de que os Estados se utilizem disso para escapar dos compromissos nele registrados. Ao mesmo tempo, esse caráter, que poderia representar a possibilidade de se construir um documento mais ambiciosos e aprovar uma agenda mais progressista, não se concretizou. Assim, segundo os autores, a agenda não cumpre o propósito que ela mesma declara – de inspirar um esforço internacional coordenado para erradicar a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares (POGGE e SENGUPTA, 2015).

Entre as críticas levantadas por eles à agenda, estão a dubiedade e incerteza geradas por não estipular responsabilidades claras para os agentes competentes, sejam eles os Estados ou as agências internacionais; e a reticência em demandar uma reforma estrutural da ordem internacional global, cuja estrutura e dinâmica de funcionamento figura entre as causas dos problemas que a Agenda 2030 pretende enfrentar. Outra crítica importante é a ausência de uma linguagem “pesada” de direitos humanos, deixando de lado a ênfase em direitos já reconhecidos há algum tempo no âmbito das Nações Unidas (POGGE e SENGUPTA, 2015).

Para o presente trabalho, a visão crítica à Agenda 2030 e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, aqui ilustrada no trabalho de Pogge e Sengupta (2015) e de outros1, não é ignorada. Reconhece-se, contudo, que a agenda é produto de negociações políticas, travadas ao longo do tempo, e que representa a acomodação temporária de interesses a respeito do assunto, registrando o peso dos diferentes atores que nelas atuaram. Ainda assim, acredita-se que a própria proposta de um processo de negociação ampliado e participativo engendra a possibilidade de que antigas e novas discussões sejam propostas a cada fase de implementação da agenda, em cada diferente localidade. Nesse sentido, a agenda aqui é a encarada como ferramenta e uma oportunidade, mais do que como normativa.

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A inovação dessa agenda de desenvolvimento está em sua escala, complexidade e pretensão de definir meios de implementação e monitoramento que atentam para as relações entre os objetivos traçados, como aponta a literatura (ALCALDE, 2017; BIERMANN, STEVENS, et al., 2015; FOURIE, 2018). Essa característica implica uma diferença significativa para a adesão dos Estados ao compromisso internacional. Se antes a adesão aos regimes se dava pela assinatura e ratificação dos tratados e demais instrumentos de Direito Internacional, depois incorporados ao sistema jurídico doméstico; no marco da Agenda 2030, a adesão implica a adoção de nova forma de governança (IGES, 2015; MEULEMAN e NIESTROY, 2015; KANIE e BIERMANN, 2017) ou mesmo de um novo framework de formulação de políticas (ALCALDE, 2017)

Assim, entende-se que a Agenda 2030 pretende uma mudança no paradigma da cooperação através das instituições internacionais em um contexto de crise do multilateralismo2. A produção normativa tem dado lugar a outras formas de governança, ou seja, novos mecanismos para influenciar o comportamento dos atores.

Young (2017) argumenta que a produção normativa (em inglês rule making) ocupou por muito tempo um lugar central nos mecanismos de governança global, tendo despertado grande interesse da academia em estudá-lo. Segundo o autor, a produção normativa é um mecanismo que busca moldar o comportamento dos atores (Estados e outros) ao estabelecer normas e acordar regulações, criando mecanismos de compliance para induzir os atores a se comportarem de acordo com o padrão da norma (YOUNG, 2017, p. 32). Muitos estudos no campo das Relações Internacionais têm se dedicado a medir os níveis de compliance dos Estados com as normas internacionais e apontar os problemas que a baixa capacidade de enforcement de algumas instituições as faz enfrentar na tentativa de alterar o comportamento estatal (ENGSTROM, 2017; SIMMONS, 2013; HAFNER-BURTON e RON, 2009; SIMMONS, 1998). Os baixos níveis de compliance podem ser observados em regimes como os do meio ambiente e de direitos humanos.

O mecanismo de governança por trás da Agenda 2030 das Nações Unidas, conforme Young (2017), é o estabelecimento de metas, ou goal setting. Já presente de maneira tímida nos ODM, esse mecanismo ganha robustez dentro do marco dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, com 17 objetivos, 169 metas e outros tantos indicadores. A forma como busca

2Por crise do multilateralismo, como se verá no primeiro capítulo, entende-se a modificação nas formas de interação entre os Estados ao início do século XXI, com um relativo esvaziamento das organizações internacionais e de outros mecanismos de cooperação internacional, cuja proliferação marcou a segunda metade do século XX. Entre as causas de dita crise estariam mudanças no equilíbrio de poder internacional e no eixo dinâmico econômico.

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dirigir o comportamento dos atores difere em vários pontos da produção normativa. No estabelecimento de metas, articulam-se aspirações e foca-se em procedimentos que gerem entusiasmo suficiente para garantir o empenho dos atores em alcançar os objetivos traçados dentro de um tempo estipulado. O autor identifica ainda alguns atributos necessários para a eficácia do goal setting no direcionamento do comportamento dos atores, que em algum sentido, se colocam como desafios para a implementação da Agenda 2030 (YOUNG, 2017).

Outros autores também identificam que a agenda se apresenta como um desafio inclusive para a própria ONU. Helgason (2016), por exemplo, analisa a estrutura de governança para o desenvolvimento do Sistema ONU, que tem por organismo central o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Seu desenho institucional, segundo o autor, impõe constrangimentos para a habilidade da organização em promover e garantir o cumprimento dos ODS (HELGASON, 2016). Por outro lado, o PNUD se coloca como ator central para amparar os diferentes atores ao redor do globo na implementação da agenda e promoção da cooperação para o desenvolvimento. Para tanto, a agência indica que tem trabalhado na elaboração e divulgação de documentos orientadores da implementação da Agenda 2030 por parte dos Estados, bem como no assessoramento dos governos (UNDP, 2019). Ainda assim, como aponta o trabalho de Helgason (2016), é preciso considerar sua capacidade real de executar seu mandato e as condições da agência nos últimos tempos, com redução do orçamento de alguns escritórios ao redor do globo.

Georgeson e Maslin (2018) também chamam atenção para o tamanho do desafio que a agenda representa para a capacidade operativa das Nações Unidas, em meio ao esvaziamento do multilateralismo, como se discutirá a seguir. Os autores apontam, porém, para a estratégia adotada pelo organismo de amparar-se na adesão e implementação nacionais da proposta – tarefa arriscada ao considerar o tempo que a iniciativa custou dentro do marco dos ODM (GEORGESON e MASLIN, 2018). Nesse sentido, ainda que inclua e ressalte a participação de diferentes atores, entre eles a sociedade civil organizada, empresas e governos subnacionais a Agenda 2030 reserva um papel fundamental para os Estados: promover a implementação e o monitoramento dos objetivos e metas, fazendo antes um trabalho de aproximação entre os objetivos de desenvolvimento nacionais e os ODS.

“Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e metas são integrados e indivisíveis, globais por natureza e universalmente aplicáveis, levando em conta as diferentes realidades, capacidades e níveis de desenvolvimento nacionais e respeitando as políticas e prioridades nacionais. As metas são definidas como ideais e globais, com cada governo definindo suas próprias metas nacionais, guiados pelo nível global de ambição, mas levando em conta as circunstâncias nacionais. Cada governo também vai decidir como essas metas ideais e globais

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devem ser incorporadas aos processos, nas políticas e estratégias nacionais de planejamento. É importante reconhecer o vínculo entre o desenvolvimento sustentável e outros processos relevantes em curso nos campos econômico, social e ambiental. ” (ONUBR, 2018, p. 17). Fourie (2018) trabalha diretamente com o dilema de alinhar a agenda nacional de desenvolvimento à nova Agenda de Desenvolvimento Sustentável. Nas palavras do autor:

“Animar a soluções globais para desafios globais, enquanto requer implementação alinhada às prioridades nacionais, claro, faz sentido. Contudo, isso coloca aos governos nacionais o desafio de manter a integridade dos processos de planejamento nacional enquanto alinham os planos nacionais de desenvolvimento com os ODS da Agenda 2030” (FOURIE, 2018, p. 2, tradução nossa).

Ele, então, apresenta em seu estudo de caso a tentativa de alinhamento da agenda nacional de desenvolvimento da África do Sul com a nova agenda, defendendo a adoção do modelo de Policy Coherence for Sustainable Development (PCSD) como linha diretiva do processo.

Segundo Fourie (2018), tal modelo tem sua gênese dentro do Sistema ONU. Primeiro, como modelo orientador da Cooperação para o Desenvolvimento, na década de 1990, tinha o nome de Policy Coherence for Development, e procurava aproximar provedores e receptores da cooperação. Apenas em 2012, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), fora do Sistema ONU, adota o referido modelo na gestão de suas atividades. Tinha uma perspectiva de alinhamento de objetivos e investimentos, considerando 4 dimensões (PICCIOTTO apud FOURIE, 2018): interna ao país provedor; entre os setores de investimento interno do provedor e os do receptor; entre os países provedores para um mesmo país receptor; e entre os objetivos de desenvolvimento do receptor e do provedor.

Contudo, com o debate da Agenda de Desenvolvimento pós-2015, a perspectiva do desenvolvimento sustentável ganha força, e a policy coherence passa a ser debatida em outros termos. As prioridades de desenvolvimento devem ser estabelecidas pelos receptores da cooperação/assistência, com foco nos resultados e de maneira inclusiva: com abertura, confiança e respeito mútuo entre os provedores e receptores. A ideia de transparência e responsabilidade compartilhada também passa a ser central (FOURIE, 2018). Dentro do PCSD ficam marcadas, também, abordagens de formulação de políticas públicas:

whole-of-government approach, comprehensive approach to effects, e multidisciplinary nature of policy coherence (FOURIE, 2018). Partindo dessas abordagens e do estudo da política de

desenvolvimento da África do Sul, o autor propõe para o país linhas diretivas para o alinhamento das agendas.

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Nesse contexto, em que os processos de articulação nacionais tomam centralidade no cumprimento da agenda, faz-se necessário olhar com maior detalhe para a relação dos países em particular com a agenda em questão, como fez Fourie (2018). No caso do Brasil, a importância de sua participação nas discussões sobre desenvolvimento sustentável e regimes ambientais, além da atuação destacada da sociedade civil organizada em fóruns como a Rio+20, fazem do país interessante objeto de estudo junto com a nova agenda de desenvolvimento pós-2015. Aqui, não se pretende reproduzir o modelo de estudo de caso do autor, como se verá a seguir, mas sim lançar luz sobre o processo de implementação da Agenda no Brasil e sua congruência (ou não) com os parâmetros e a lógica definidos multilateralmente, ainda que estes sejam passíveis de críticas como já ressaltado.

Ao fazer um levantamento dos Relatórios Nacionais Voluntários3 apresentados ao High Level Political Forum em 2016 e 2017 e análises coletadas sobre esses documentos, Nicolai e

Sawar (2018) chamam atenção para o fato de que os documentos representam uma boa amostra do compromisso político (e retórico) dos países, mas pouco se aprofundam na maneira como os ODS vem sendo institucionalizados e implementados. Esse resultado, por si, já indica a necessidade de se dedicar ao estudo dos processos de implementação por parte dos países. Em especial, as autoras chamam atenção para a maneira como o slogan “Não deixar ninguém para trás” vem sendo interpretado, e concluem que, na maioria dos casos, não foram cobertas de forma satisfatória nem a participação de grupos mais vulneráveis na elaboração dos relatórios, nem políticas de atenção a esses grupos (NICOLAI e SARWAR, 2018).

O relatório brasileiro apresentado em 2017 é objeto de estudo de Nicolar e Sarwar (2018) de forma geral, sendo mencionado em específico na seção a respeito da institucionalização da agenda. Elas apontam que os países são encorajados, pelas orientações do Secretariado Geral das Nações Unidas, a apresentar em seus relatórios as maneiras que suas instituições domésticas têm se mobilizado para incorporar a Agenda 2030 e trabalhar para o alcance das metas. Nesse sentido, as autoras argumentam que a institucionalização é mostrada de forma muito heterogênea pelos países, sendo difícil a comparação entre eles. No caso do Brasil, é citado que seu relatório faz referência à interlocução com governos subnacionais, como o do Quênia, em contraste com outros relatórios, como o da Alemanha e do Afeganistão, que

3Os Relatórios Nacionais Voluntários são os instrumentos de acompanhamento oficiais dos países em relação à Agenda 2030, definidos pela ONU e apresentados ao High Level Poltical Forum. Ainda que voluntários, há o registro do compromisso de cada Estado-membro apresentar pelo menos dois relatórios durante o mandato da Agenda.

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se referem à composição de agências/comitês específicos para os ODS (NICOLAI e SARWAR, 2018).

Ao resgatar o primeiro Relatório Nacional Voluntário (RNV) (BRASIL, 2017) do Brasil, contudo, é possível identificar a criação de uma estrutura institucional para a coordenação da implementação da agenda no país: a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS), ainda que à época do relatório não estivesse em funcionamento. O relatório também menciona a adequação das metas e indicadores globais à realidade nacional. Observa-se, ainda, que o Governo Federal era tido como a esfera apropriada da articulação nacional, por ser o ente responsável pela articulação com os níveis subnacionais e demais atores relevantes, e mostra sinais de que havia uma compreensão da Agenda como oportunidade para aperfeiçoamento da gestão pública e da governança nacional (BRASIL, 2017, p. 20).

O presente trabalho tem como objetivo central analisar a implementação de uma agenda internacional – a Agenda 2030 – pelo Brasil, considerando a mudança no paradigma de cooperação multilateral pretendida por ela e suas implicações para a governança nacional. Essa análise permite também registrar os processos de articulação política no país até o momento e mapear os atores mobilizados em torno da agenda, bem como apontar os principais desafios e entraves da sua adoção.

Para tanto, fez-se necessário investigar a atuação do Estado brasileiro dentro das negociações da Agenda 2030, tendo por referência seu histórico recente de adesão a agendas anteriores em ambos regimes (ambiental e de desenvolvimento), e ainda conservar uma visão expandida de Estado e da multiplicidade de atores brasileiros que interagem nesse processo de negociação. Soma-se à pesquisa, portanto, a necessidade de investigar a participação da sociedade civil brasileira nas rodadas de negociação – uma particularidade da agenda – e como ela passa a integrar o processo de implementação. Ao fazê-lo é possível desenhar melhor o contexto da implementação da agenda no país depois de 2015, levando em conta a participação social dentro das esferas de governança pública nacionais.

Investigar o processo de implementação doméstica de uma agenda negociada em uma organização internacional permitirá compreender de maneira mais aprofundada as dinâmicas e os processos políticos entre os Estados e essas organizações, como tem sido de interesse da literatura de Relações Internacionais, em especial do estudo de Instituições e Regimes Internacionais. A escolha do Brasil e da Agenda 2030 se justifica, ainda, por outros fatores.

Um deles é a timidez da academia nacional em debruçar-se sobre o tema de forma ampliada. As pesquisas sobre a Agenda 2030 de maneira global ainda são esparsas e se

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dedicam, sobretudo, ao estudo dos conteúdos da agenda, seus objetivos e suas metas e aos possíveis desafios que a implementação de cada um em específico enfrentará nos diversos países (FOURIE, 2018). Esse cenário se dá em virtude da atualidade da temática, tendo a agenda sido adotada em 2015. Há, contudo, trabalhos que exploram as características da agenda e as implicações de sua implementação para o desenvolvimento sustentável de fato (IGES, 2015; MEULEMAN e NIESTROY, 2015; KANIE e BIERMANN, 2017; ZENELEV, 2017). Alguns destes últimos, produzidos anteriormente à adoção da agenda pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Em se tratando do Brasil, o levantamento bibliográfico apontou uma lacuna ainda maior desse tipo de trabalho, a despeito da atuação destacada de algumas universidades em aderir institucionalmente à agenda. Os trabalhos encontrados também se debruçam sobre objetivos específicos e sua implementação de forma fragmentada, mas não abordam a Agenda 2030 em totalidade nem suas implicações para a governança pública de maneira ampliada.

Por ter como objeto pauta tão recente, a presente pesquisa é uma oportunidade para o registro de um processo político ainda em andamento, e, por isso, ampara-se na História do Tempo Presente para tecer reflexões importantes. A partir dos seus resultados, é possível fazer memória institucional do processo de implementação de uma agenda internacional peculiar e, ademais, informar e subsidiar a tomada de decisões para os próximos passos de implementação e acompanhamento.

O horizonte temporal da própria agenda, 2030, é outro aspecto que denota a relevância deste trabalho. A agenda projeta-se por mais uma década, quando será avaliado, em retrospecto, o cumprimento com as metas por ela propostas. Realizar um trabalho de registro e análise das primeiras iniciativas, por parte do Brasil, para sua implementação permitirá avaliar com maior detalhe os resultados que serão obtidos na conclusão da agenda.

Frente à negociação e adoção de uma nova agenda para o desenvolvimento, pós-2015, no âmbito da Organização das Nações Unidas, procura-se entender como o Estado brasileiro, em específico seu Governo Federal, tem incorporado a “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” e em que medida as estratégias adotadas estão em conformidade com a lógica da própria agenda, discutida pela literatura. Para isso, a análise das estruturas governamentais criadas e/ou mobilizadas para a implementação e os atores, públicos e privados, nela envolvidos é determinante e justifica a escolha da Comissão Nacional para os ODS como foco central do estudo. Considerando, ainda, o encerramento da Comissão em 2019 por decisão do Governo Federal, a pesquisa ganha maior relevância e impulso, permitindo levantar questões sobre as descontinuidades no processo de implementação da Agenda e como refletem seu planejamento e estrutura.

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Optou-se, para tanto, por realizar uma análise qualitativa da problemática em questão, amparada pela revisão bibliográfica e pelo levantamento de dados primários através de documentação e entrevistas com atores chave. A revisão bibliográfica4 foi realizada com dois enfoques: na Agenda 2030 de maneira geral, sua formulação, características e importância dentro do da governança internacional para o meio ambiente e para o desenvolvimento; e na participação do Brasil, tanto enquanto Estado tanto como sociedade civil organizada, nas negociações da Agenda.

Para a coleta de dados primários, realizou-se pesquisa em arquivo digital do Diário Oficial da União em publicações de toda as seções de 01/01/2015 a 31/08/2019, com os termos “ODS” e “objetivos de desenvolvimento sustentável”5. Para a análise foram descartados aqueles sem relevância para o tema, em que os termos citados não faziam referência à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. O apêndice A reúne os dados do levantamento e as notas metodológicas. Além dos documentos obtidos no levantamento, também foram analisados os documentos oficiais disponibilizados no site da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, hospedado no portal da Presidência da República (BRASIL, 2019a).

As entrevistas foram realizadas inicialmente na fase exploratória da pesquisa e, em seguida, através do método snowball (RATHBUN, 2008), em que as pessoas entrevistadas indicam novos possíveis entrevistados, considerando sua relevância para o assunto. No apêndice B deste trabalho, publicam-se os roteiros das entrevistas realizadas, como forma de atestar a validade metodológica e ao mesmo tempo assegurar o sigilo da identidade das pessoas que contribuíram com a pesquisa. Sem prejuízo a elas, utilizou-se trechos transcritos de suas falas, de forma anônima, no decorrer do texto.

Optou-se pela organização da presente dissertação em mais três capítulos, que sucedem esta introdução. O próximo capítulo, o segundo, explora e argumenta a mudança no paradigma da cooperação multilateral pretendida pela Agenda 2030 na forma como é discutida pela literatura a respeito do desenvolvimento sustentável e governança da sustentabilidade, que acompanhou a adoção da agenda. São trabalhadas as noções de governança, transgovernança (MEULEMAN, 2013) e metagovernança (MEULEMAN e NIESTROY, 2015), goal setting (KANIE e BIERMANN, 2017; YOUNG, 2017), e framework de políticas públicas

4 Em razão das limitações temporais e logísticas e por opção metodológica, o trabalho não pretende esgotar a literatura sobre a adoção de agendas internacionais de desenvolvimento, por parte do Brasil, ou fazer um relato descritivo dos processos. O interesse maior reside na articulação das estruturas de governança para implementar uma agenda negociada no âmbito de uma organização internacional.

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(ALCALDE, 2017), a partir das quais foi realizado o esforço de identificar parâmetros e desafios para a implementação da agenda nas localidades. Busca-se, ainda, contextualizar a Agenda 2030 no cenário de crise do multilateralismo e as dificuldades do próprio Sistema ONU em gerir a governança para conduzi-la. As conclusões do capítulo apontam os reflexos da crise e da mudança de paradigma para os Estados, Organizações Internacionais e demais atores na Política Internacional, bem como advertem a necessidade de encontrar respostas teóricas no âmbito das Relações Internacionais.

No terceiro capítulo, é feito um resgate da participação do Brasil nos regimes internacionais para o meio ambiente e desenvolvimento desde a década de 1980 até os dias atuais, com ênfase para a adesão e o desempenho do país dentro do marco dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e das negociações da agenda de desenvolvimento pós-2015, cujo referencial é a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). Na análise desta, destaca-se a participação da sociedade civil brasileira junto aos mecanismos internacionais de governança, trabalhando uma visão que identifica estruturas de participação e os atores que nelas interagem.

O quarto capítulo apresenta a análise da adoção da Agenda 2030 no Brasil, a nível nacional, sob a luz dos parâmetros e desafios identificados no capítulo 1. Uma primeira seção apresenta e analisa o trabalho da estrutura de governança e participação social criada pelo Governo Federal para coordenação da agenda – a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Optou-se por utilizar como marco temporal de 2016 até agosto de 2019, de sua criação até o final de seu primeiro mandato, que compreende todo o período em que esteve ativa, utilizando o período como recorte também para as demais seções. Alguns desdobramentos ainda no segundo semestre de 2019 foram incluídos nas seções, por sua relevância para o tema. A segunda seção expande o olhar, ainda dentro do Governo Federal, para outros órgãos e entidades que dialogam com a Agenda 2030, os ODS e sua implementação e monitoramento: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que participaram da Comissão como órgãos de assessoramento técnico. Ao apresentar o trabalho desses órgãos busca-se entender melhor a articulação e os instrumentos da governança federal para a implementação da agenda. Por fim, e não menos importante, soma-se como contraponto e complemento a contribuição da sociedade civil organizada dentro da Comissão e no seu entorno. A iniciativa dos Relatórios Luz, apresentados nas edições do Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas, exemplifica a relevância do trabalho dessas organizações, a partir do qual é possível balizar o estágio da implementação da Agenda 2030 no país.

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Por último, a conclusão retoma a trajetória argumentativa do trabalho, conectando os capítulos, e apresenta algumas “sementes de futuro”: acontecimentos de ordem política que extrapolam o marco temporal e institucional estabelecido para investigação, mas que ganham relevância a partir da análise realizada e, de certo modo, podem alterar e/ou ameaçar a trajetória de implementação da agenda como foi concebida. Vale ressaltar que o trabalho, em seu percurso, não ignora o cenário político brasileiro, os eventos recentes e seus impactos para a estabilidade institucional e dos projetos de governo. Contudo, trata-o como variável interveniente, pois busca dimensionar a implementação da Agenda 2030 no fluxo da política nacional e sua interação com atores como o governo, os órgãos federais e a sociedade civil organizada. O interesse é justamente explorar e analisar quais são as estratégias adotadas dentro das estruturas de governança para que a continuidade do processo de implementação se desse a despeito das mudanças de políticas e de governo, e como elas se situam frente aos parâmetros identificados no seio da agenda.

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2 GOVERNANÇA, AGENDAS INTERNACIONAIS E MULTILATERALISMO: A AGENDA 2030 NA DISCUSSÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

"Afinal, não há nada no fato da ingovernabilidade, que é o ponto de partida, para desanimar o internacionalista que, de fato, trabalha em uma área cuja característica distintiva sempre foi não ser governada.” (SMOUTS, 1998, tradução nossa).

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é apresentada em 2015 como uma novidade para as discussões de desenvolvimento e de meio ambiente, colocadas no centro do multilateralismo e da discussão da alta política: a Assembleia Geral das Nações Unidas e o novo Fórum Político de Alto Nível (no inglês, High Level Political Forum). Fruto de um processo de elaboração e negociação que durou mais de três anos, a agenda é tida como a expressão de um consenso político internacional sobre os principais desafios a serem enfrentados no aspecto econômico, social e ambiental durante os 15 anos seguintes.

A expectativa de uma agenda de desenvolvimento pós-2015 já era dada pela conclusão dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, com os quais a Organização das Nações Unidas (ONU) trabalhou entre 2000 e 2015. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20, essa expectativa se converteu em demanda por uma nova agenda, que incluísse também os desafios ambientais mais urgentes numa visão integrada de desenvolvimento.

A declaração final da conferência no Rio em 2012, “O Futuro que Queremos”, traz uma seção (parágrafos 245 a 251) sobre objetivos de desenvolvimento sustentável a serem formulados pela comunidade internacional, no seio das Nações Unidas. Entre as recomendações trazidas pelo documento está um alerta para sua compatibilidade com a agenda de desenvolvimento pós-2015, recomendando que sejam

“orientados à ação, concisos e fáceis de comunicar, limitados em número, ambiciosos, globais em natureza e aplicáveis universalmente a todos os países, enquanto levam em consideração as diferentes realidades nacionais, capacidades e níveis de desenvolvimento e respeitando as políticas e prioridades nacionais.” (UNITED NATIONS' CONFERENCE ON SUSTAINABLE DEVELOPMENT, 2012, p. 47, tradução nossa).

E acrescenta que os “governos devem dirigir a implementação com o envolvimento ativo de todas as partes interessadas, como apropriado.” (UNITED NATIONS' CONFERENCE ON SUSTAINABLE DEVELOPMENT, 2012, p. 47, tradução nossa).

O processo de elaboração da agenda contou com fases extensas de negociação e diversos processos de consulta, fazendo convergir diferentes processos em um só. São exemplos a III Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento (FfD3) e a terceira

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Conferência Mundial sobre a Redução do Risco de Desastres, que também ocorreram antes do lançamento da Agenda em 2015, e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática de Paris (Acordos de Paris) que aconteceu no final do mesmo ano, mas teve seu espaço negocial respeitado pela agenda (KANIE, BERNSTEIN, et al., 2017).

A elaboração dos objetivos foi conduzida pelo Open Working Group, grupo de trabalho estabelecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2013 pela resolução nº 67/555, com 30 representantes das cinco regiões agrupadas pela ONU em uma distribuição complexa, como relatam Kanie, Bernstein, et al (2017). Eram seis assentos individuais (Benim, Congo, Gana, Hungria, Quênia e Tanzânia), nove compartilhados entre dois países de regiões similares (Bahamas e Barbados; Belarus e Sérvia; Brasil e Nicarágua; Bulgária e Croácia; Colômbia e Guatemala; México e Peru; Montenegro e Eslovênia; Polônia e Romênia; Zâmbia e Zimbábue), catorze compartilhados por grupos de três (Argentina, Bolívia e Equador; Austrália, Holanda e Reino Unido; Bangladesh, República da Coréia e Arábia Saudita; Butão, Tailândia e Vietnã; Canadá, Israel e Estados Unidos; Dinamarca, Irlanda e Noruega; França, Alemanha e Suíça; Itália, Espanha e Turquia; China, Indonésia e Cazaquistão; Chipre, Singapura e Emirados Árabes Unidos; Guiana, Haiti e Trindade e Tobago; Índia, Paquistão e Sri Lanka; Irã, Japão e Nepal; Nauru, Palau e Papua Nova-Guiné), e um assento compartilhado por quatro países (Argélia, Egito, Marrocos e Tunísia).

A decisão de ampliar a participação das delegações durante o trabalho do grupo possibilitou, como apontam os autores (KANIE, BERNSTEIN, et al., 2017), ganhos de representatividade e o relaxamento das tensões entre países desenvolvidos e em desenvolvimento que costumavam acompanhar os debates sobre os temas econômicos, sociais e ambientais. O grupo de trabalho apresentou em 2014 um documento base para ser apreciado pela Assembleia Geral, que continha 17 objetivos de desenvolvimento sustentável e 169 metas, que permaneceram praticamente intactos após sua aprovação e ganharam centralidade dentro da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (KANIE, BERNSTEIN, et al., 2017)

A Agenda 2030 pretende uma mudança no paradigma da cooperação internacional através das organizações internacionais, em especial nos regimes de desenvolvimento e de meio ambiente. Além de trazer para o centro da política internacional o debate sobre desenvolvimento sustentável, faz pensar a implementação de seus objetivos de forma diferente de regimes internacionais organizados em torno de tratados e acordos multilaterais. Parte-se de um paradigma de ratificação de tratados pelos Estados-membro, de compliance com normas do Direito Internacional para um novo, centrado na governança em diferentes níveis, na

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colaboração com diversos atores (para além dos Estados), e envolvendo arranjos complexos para formulação de políticas.

Tal mudança exige dos Estados um comportamento diferente frente aos novos desafios do século XXI – que podem ser sintetizados na definição de antropoceno, com relação às questões ambientais, e da knowledge democracy, sobre os fenômenos sociais e políticos. O conceito de antropoceno diz respeito à entrada do sistema terrestre em uma nova era geológica, em que a ação humana ocupa papel central para atingir um novo nível de equilíbrio ambiental e manter a humanidade dentro de um espaço seguro de operação (FRANCHINI, VIOLA e BARROS-PLATIAU, 2017; RAWORTH, 2012). Ao mesmo tempo, a humanidade tem experimentado uma transformação das relações entre a política, a ciência e a mídia, em que a multiplicação de atores e de canais de comunicação, a reflexividade e a incerteza têm imperado, configurando um novo paradigma democrático cunhado por int ‘t Veld (2013) como knowledge

democracy.

Nesse cenário, é preciso esclarecer conceitos-chave utilizados na literatura de Relações Internacionais, tais como regimes e governança, a fim de explicar a mudança de paradigma que se argumenta. Esse trabalho é realizado na primeira seção do capítulo, que, através da revisão da literatura, busca, no campo da análise de políticas públicas, novos olhares sobre categorias analíticas, em especial sobre o termo governança, e sugerindo sua aplicação para a Política Internacional e doméstica. A seguir, o trabalho se debruça sobre estratégias de governança utilizadas dentro dos debates sobre meio ambiente e desenvolvimento, como o goal setting (YOUNG, 2017) e a metagovernança (MEULEMAN, 2013).

Na terceira seção, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é colocada em pauta, com destaque para suas implicações sobre a governança nos diferentes contextos, podendo ser sobreposta ao internacional, ao nacional e ao local. É revisitada a literatura sobre governança da sustentabilidade, em grande parte produzida em diálogo direto com as discussões da própria Agenda 2030. Desse debate, é apresentado, na seção quatro, um framework de metagovernança que ampara tanto a elaboração de arranjos de governança para a implementação da Agenda, bem como a análise daqueles já estabelecidos. Busca-se com isso identificar parâmetros que permitam a análise do arranjo de governança estabelecido pelo Brasil, que será objeto do capítulo final do presente trabalho.

Por fim, a quinta seção debate os desafios de governança para as instituições internacionais no âmbito dos regimes internacionais de desenvolvimento com enfoque para o Sistema ONU e para os regimes ambientais. A conclusão retoma e apresenta algumas implicações que tanto os novos desafios do século XXI, quanto a Agenda 2030 para o

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Desenvolvimento Sustentável, e as reconfigurações das relações internacionais, colocam para a formulação de políticas e para a academia.

2.1 Sobre governança e regimes

Ao se debruçarem sobre os desafios que a gestão coletiva do meio ambiente coloca para as relações internacionais, Barros-Platiau, Varella e Schleicher (2004) discutem três conceitos dos quais as abordagens teóricas sobre instituições internacionais têm se utilizado para estudar o tema: as organizações, os regimes e a governança global. Pela exposição dos autores, é possível observar uma gradação crescente no nível de complexidade dos fenômenos que os conceitos pretendem compreender. Os estudos das organizações internacionais, já tradicionais dentro da disciplina, se preocupariam ao longo do tempo, com a análise das instituições formais, seus processos e trabalho, bem como seu papel na gestão dos bens comuns ou na composição de um “governo mundial” (BARROS-PLATIAU, VARELLA e SCHLEICHER, 2004).

Já o conceito de regimes internacionais teria sido utilizado, a partir da década de 1970, para explicar as dinâmicas do cenário internacional com o declínio da hegemonia estadunidense e as falhas das organizações internacionais, em especial das Nações Unidas, na gestão dos novos problemas globais. Trata-se de um conceito intermediário: menos amplo que sistema internacional (utilizado nas teorias neorrealistas) e mais abrangente que as organizações internacionais. Na definição mais popularizada, de Krasner (1995, p. 1), segundo a qual “são definidos como princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, sobre os quais as expectativas dos atores convergem em uma determinada área temática”, os regimes são tratados como variáveis intervenientes, ou seja, fatores que influenciam o poder dos Estados e os resultados internacionais. Contudo, como apontam Barros-Platiau, Varella e Schleicher (2004), apesar da ampla utilização da palavra “regime” para análises do cenário internacional, não há precisão conceitual ou mesmo uma escola de pensamento unívoca que trabalhe o conceito. Hasenclever et alii identificam pelo menos três escolas de estudo diferentes que trabalham a noção de regimes internacionais (HASENCLEVER, MAYER e RITTBERGER, 2000).

Ao mesmo tempo, governança global se propõe como conceito ainda mais amplo, que ultrapassa as áreas temáticas sob as quais se restringem os regimes, mas, da mesma forma, carece de precisão teórica. Para discutir o conceito de governança, Barros-Platiau, Varella e Schleicher (2004) citam a utilização dos critérios de governabilidade postos pelo Banco Mundial (Governança Corporativa), o emprego na nomeação do estilo de tomada de decisão na União Europeia (Governança Multinível), ou ainda a designação da expansão de um projeto

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liberal em escala global (Governança Global), quando é confundido com “globalismo”. Os autores exploram de maneira mais profunda outra definição possível, de Rosenau e Czempiel (2000), que trata a governança como “um sistema de ordenação que depende de sentidos intersubjetivos, mas também de constituições e estatutos formalmente instituídos”, (BARROS-PLATIAU, VARELLA e SCHLEICHER, 2004, p. 106) em referência à governança sem governo.

Rosenau e Czempiel (2000) trabalham o conceito de governança distinguindo-o de governo e refinando suas relações com o conceito de ordem na esfera internacional. No capítulo inicial de seu livro, contudo, os autores admitem a falta de clareza em relação às definições. Para eles, apesar de próximos por se referirem a sistemas de ordenação de comportamentos, em que as atividades são orientadas para objetivos e metas, “governo” e “governança” se diferem em relação à formalidade. Enquanto “governo” implica atividades sustentadas pelo poder de polícia de autoridades formais, “governança” refere-se a atividades que também se pautam em um objetivo comum, mas que podem ou não estar respaldadas em responsabilidades legais e formalmente prescritas, sendo independentes do monopólio da violência para sua realização (ROSENAU e CZEMPIEL, 2000, p. 15). Haveria, portanto, um elemento de adesão e eficiência por trás da governança: ela existe (ou é efetiva) quando é aceita pela maioria, ou pelos principais atores do meio em que se estabelece (ROSENAU e CZEMPIEL, 2000).

Rosenau e Czempiel (2000) concebem a governança, ainda, em interação com o conceito de ordem internacional, e discutem-no junto ao conceito clássico de anarquia. Enquanto a ordem pode ser o resultado da ação impensada dos atores, a governança suporia intencionalidade de produzir tal ordem. Em resumo, entendem a governança global como pré-condição e consequência da ordem no sistema anárquico, e como forma de sistematizar e explicar as relações que se estabelecem, intencionalmente, no ambiente internacional. Essa linha argumentativa, como identifica Barros-Platiau, Varella e Schleicher (2004), é tautológica, ou seja, redundante e pouco aplicável como conceito explicativo.

É o mesmo raciocínio tautológico que Smouts (1998) identifica no tratamento que a literatura de Relações Internacionais dá ao conceito, como demonstra no artigo “The proper use

of governance in international relations”. A autora aponta para a necessidade de buscar na

análise de políticas públicas, área de conhecimento que desenvolveu com propriedade o conceito de governança, as raízes para melhor precisar o termo, tornando-o mais útil para o campo de estudo de Relações Internacionais.

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Ao recuperar a definição cunhada pela Comissão das Nações Unidas para a Governança Global, de 1995, a autora define governança como um processo. Citando o relatório final da comissão, a autora destaca a seguinte definição:

“Governança é a soma das diferentes maneiras que indivíduos e instituições, públicas e privadas, gerenciam seus assuntos comuns. É um processo contínuo através do qual interesses conflitivos e diversos podem ser acomodados e ação cooperativa posta em marcha. Ela inclui instituições formais e regimes empoderados para reforçar compliance, bem como arranjos informais acordados por pessoas e instituições ou percebidos por eles como de seu interesse.” (THE COMMISSION ON GLOBAL GOVERNANCE apud SMOUTS, 1998, p. 83, tradução e grifo nosso)

As características centrais na formação de um conceito de governança seriam, portanto: (a) entendê-la como um processo, e não como atividade ou um sistema normativo; (b) entender seu mecanismo de funcionamento como acomodação de interesses, e não de dominação; ressaltando o envolvimento de entes públicos e privados; e (c), ainda que não seja uma instituição formal, sua sustentação por meio da interação contínua daqueles que nela participam (SMOUTS, 1998). Dessa forma, argumenta Smouts, o conceito é útil para o estudo de sociedades complexas, de crescente ingovernabilidade, e com a necessidade de gerenciar externalidades no contexto de interdependência, como é a sociedade global (SMOUTS, 1998). Um dos principais ganhos do uso da governança como conceito analítico é a possibilidade de entender as relações internacionais como um processo de interação/negociação entre atores heterogêneos, fugindo do crivo interestatal. Mesmo que esse olhar para a heterogeneidade não seja novo enquanto perspectiva de estudo, é importante ser enfatizado, segundo argumenta a autora, que sugere uma valorização das arenas públicas em que se dão os processos de interação (SMOUTS, 1998).

Outro aspecto importante é que o uso do conceito de governança possibilita pensar em novas técnicas de gestão da ação coletiva, mais flexíveis às diferentes racionalidades e legitimidades envolvidas no processo. Segundo Smouts (1998), o conceito de governança modifica a forma como entendemos o papel do poder na definição das regras internacionais, e sugere uma inovação analítica: o foco recai sobre a forma como os mecanismos de regulação conjunta (no original, joint regulation) se desenvolvem, são alterados e se modificam, em um contexto de mudança constante, negociações e ajustes recíprocos, motivadas pelos próprios destinatários das “regras”. Difere da proposta de J. Nye e R. Keohane, em que se considera como central a capacidade dos atores de definir as regras do jogo e, assim, determinar os resultados das negociações em alguns setores (SMOUTS, 1998). Se diferencia também das abordagens de estudo de regimes internacionais pois, apesar de a governança acontecer dentro

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