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3 POLÍTICAS E INICIATIVAS DE ACESSO LIVRE E

3.4 FRANÇA: HYPER ARTICLES EN LIGNE (HAL)

Em 21 de junho de 2006, o Diretor Geral do Centre National de La Recherche Scientifique (CNRS) Arnold Migus emitiu uma carta destinada aos diretores de unidades tendo como objetivo o “desenvolvimento   dos   arquivos   abertos”.   Nela,   declarava a adesão do CNRS à Declaração de Berlim, inclusive com a disponibilização de uma solução prática – o HAL, infraestrutura informática desenvolvida pelo Centre pour La Communication Scientifique Directe (CCSD), unidade própria do CNRS. A carta solicitava que os diretores convidassem os pesquisadores de suas unidades e também os associados a depositar na base HAL, assim que possível, os manuscritos resultantes de suas pesquisas para que estivessem livremente disponíveis para a comunidade científica internacional.

A carta apresenta como benefícios em depositar no HAL a imediata visibilidade conferida ao trabalho de pesquisa, a preservação em longo prazo em modo eletrônico e a fácil identificação da produção científica de cada instituição através da formação de coleções na base HAL, os chamados portais (como o hprints - the Arts and Humanities

eprint repository). Em contrapartida, o CNRS se comprometia a manter a base de dados em acesso livre, a preservar em longo prazo os arquivos e a garantir a estabilidade dos endereços online dos documentos.

A filosofia de depósito assumida pelo HAL é de manuscritos, ou seja, os documentos não precisam necessariamente terem sido revisados por pares ou anteriormente publicados. A equipe da base de dados realiza apenas uma revisão de formato, para que esteja de acordo com os padrões científicos, mas não revisa seu conteúdo, entendendo que o cientista responsável pelo documento o considerou pertinente para divulgação. Em apresentação na sua página inicial (Figura 17) posiciona-se como um arquivo multidisciplinar com o objetivo de arquivar e disseminar artigos científicos, publicados ou não, e teses defendidas em instituições de pesquisa francesas ou estrangeiras, laboratórios públicos e privados. Em junho de 2014, informava 307.145 documentos completos depositados em seu banco de dados.

Figura 17 – Página inicial do HAL

Fonte: HAL10.

O HAL tem acordos de depósito automático com as bases de dados ArXiv e Pub Med Central, ou seja, quando o HAL recebe uma publicação nas áreas de interesse destas bases, envia seus dados automaticamente de modo a comporem um resultado de busca do usuário realizada também nestas plataformas.

Outra informação relevante presente na página inicial do HAL é a divisão dos documentos por área do conhecimento, representada pelo gráfico em formato de pizza

na Figura 17. Mesmo que algumas áreas tenham um número maior de documentos, não há uma concentração relevante em apenas uma área, reforçando sua característica multidisciplinar.

De modo a apoiar o crescimento do HAL após a solicitação de depósitos pelo Diretor Geral do CNRS, em setembro de 2006 foi publicado o Manual de Uso do HAL, a Plataforma de Arquivos Abertos do CCSD. Analisamos sua última versão, revisada em fevereiro de 2009. Em seu primeiro item – Finalidade e Utilização – destaca as facilidades que o HAL oferece ao automatizar alguns processos burocráticos, servindo assim como argumentos para sua utilização: importa automaticamente os relatórios individuais dos pesquisadores através da interface CRAC; pode ser utilizado pelos laboratórios para assegurar uma melhor visibilidade de sua produção, sendo inclusive uma boa maneira de realizar a comunicação interna entre os pesquisadores da mesma unidade bem como apresentar o trabalho ao exterior, como para uma comissão de avaliação; pode conferir aos documentos uma característica administrativa, como compor um relatório do laboratório.

Para que tais finalidades sejam eficientes, é preciso manter as informações atualizadas e completas, mesmo que através do depósito apenas dos dados bibliográficos quando da impossibilidade do depósito do texto integral. Contudo, destacam que a finalidade deste banco é manter textos integrais. Observam também que os responsáveis por congressos e faculdades podem utilizar o HAL para receber as contribuições dos pesquisadores criando dentro do portal uma coleção, identificada sob o nome do evento.

No item Documentos depositados no HAL, afirmam que a responsabilidade pelo conteúdo recai sob a pessoa que o depositou, inclusive em casos de coautoria. Sempre serão mantidos os direitos intelectuais sobre a obra. Deverão ser respeitados os direitos de copyright, devendo para os casos necessários obter uma autorização expressa do editor. O conteúdo do documento deverá ser de interesse da comunidade científica de sua área de pesquisa, sofrendo uma revisão formal do CCSD antes de publicado online.

A política do HAL para garantir a responsabilização científica pelos conteúdos está baseada em arquivos fechados, ou seja, não é possível modificar o texto após sua publicação. Em casos que o cientista queira atualizar o conteúdo, ou mesmo modificá-lo por avanços na pesquisa que o levam a retratar-se quanto aos resultados anteriormente publicados, a plataforma recomenda que sejam depositadas novas versões ou retratações

assim as denominando e expondo suas razões, e o sistema irá automaticamente datando- as. Para o depósito de teses, indicam um espaço específico dentro da plataforma – TEL (thèses en ligne) – sendo a responsabilidade por seu conteúdo da banca da universidade que a aprovou.

Todas as disciplinas podem depositar no HAL. Caso o cientista queira sugerir uma nova rubrica deverá encaminhar um e-mail para o suporte da plataforma, o qual irá reunir as solicitações para a análise de uma comissão. Concluímos, com isso, que o vocabulário do HAL é controlado, não havendo a opção de inclusão por folksonomia.

Quanto às Regras de depósito, adverte que deve ser utilizado o bom senso, a ontologia científica e o respeito às leis. Dito isto, apenas dá um resumo, com regras gerais. Entre elas, inclui que os manuscritos devem ser resultado de um trabalho de pesquisa sólido, conforme as regras em uso da sua disciplina, comparável a um manuscrito que os pesquisadores submetem a uma publicação revisada por pares, atos de colóquios, etc. As demais observações dizem respeito aos direitos de propriedade intelectual e copyright, de acordo com os termos anteriormente citados.

Para consultas, o HAL é aberto ao público. Exige-se cadastro para utilização das demais funções, classificando-se os usuários em: I. Assinante – para recebimento de avisos diários e mensais dos depósitos mais recentes; II. Contribuinte – pode realizar depósitos. Entre os contribuintes, há diferentes permissões, com novas classificações do usuário, as quais podem ser acumuladas por uma mesma pessoa: I. Laboratório de referência – é como um administrador da conta do laboratório, o qual pode visualizar, modificar metadados, disponibilizar online as fichas de texto integral depositados sob a coleção do laboratório e transferir a propriedade de um depósito para um dos autores; II. Coletor – gera uma coleção, em modo manual, coletando os documentos selecionados. Controla a entrada de documentos na coleção. Pode personalizar a interface da coleção; III. Validador – é a pessoa que controla os depósitos efetuados no HAL a fim de disponibilizá-los online. É responsável pela avaliação técnica (verificação dos campos, ordem dos autores, etc); IV. Utilizador de importação HAL – pode importar automaticamente documentos para o HAL sem passar pela interface Web; V – Utilizador de WebServices – pode realizar consultas internas ao banco de dados, depositar ou alterar artigos científicos acessíveis via protocolo HTTP.

Para realizar um depósito, além do documento integral e seus anexos (como uma apresentação em PowerPoint), o responsável deverá preencher três possíveis grupos de metadados:

a) Científicos – descrevem o conteúdo do texto integral (título, autor, resumo, disciplina, palavras-chave, classificação PAC ou outras, comentário opcional). Serão utilizados para a busca científica do documento;

b) Quando documentos publicados – nome do periódico, DOI, tipo de publicação. Poderão ser utilizados para a extração automática de listas de publicação;

c) Administrativos – instituições, contratos, etc. Poderão gerar listas automáticas da produção dos laboratórios e instituições.

Após ser depositado, o documento não pode ser alterado ou retirado do banco de dados, gerando assim um registro datado pelo sistema. Entretanto, seus metadados podem ser modificados. Citam que é comum os metadados informados por um pesquisador serem revisados pelos bibliotecários do laboratório ou posteriormente atualizados. Os textos integrais  podem  ser  depositados  sob  a  modalidade  “visível”,  ou   seja, livre para leitura, ou com data de embargo, de modo a ser liberado para leitura após o cumprimento de prazos legais.

Apresentamos na Figura 18 a interface da página de resultado de busca na qual pode ser observado o uso dos metadados informados. O exemplo apresentado é de uma publicação revisada por pares.

Figura 18 – Resultado de busca na plataforma HAL.

No cabeçalho do documento estão registrados o número de identificação do documento na plataforma HAL (HAL: in2p3-00250685, version 1), o qual pode ser utilizado para referenciação bibliográfica, e abaixo o número DOI informado pelo autor. Inclui o nome do evento no qual o trabalho foi apresentado, título, autores, ano, resumo, instituição, temas, palavras-chave, documentos anexos (que neste caso, trata-se do texto integral em PDF). No canto superior direito da tela, são disponibilizados os formatos para recuperação do documento, além do PDF anexado, incluindo arquivos do tipo BibTex, EndNote, TEI e RefWorks. Tais arquivos são gerados pelo sistema, possibilitando assim o reuso das informações. Outra funcionalidade permitida a partir desta página é a busca de novos documentos pelo nome do autor. Cada nome é um link para a página de pesquisa, a qual identifica e apresenta automaticamente as demais publicações do autor presentes no banco de dados.

Temos na Plataforma HAL um bom exemplo de repositório multidisciplinar nacional. Com regras simples, baseadas no bom senso e nas leis vigentes, reconhece a importância da divulgação dos manuscritos (além dos pós-prints) e destaca o quanto alguns processos burocráticos podem ser automatizados, e assim facilitados, pela correta alimentação do banco de dados. Se, por um lado, cria-se uma nova tarefa para o pesquisador ao solicitar o depósito na plataforma, por outro lado facilita atividades anteriormente exigidas (como a atualização de seu currículo ou emissão de relatórios de produtividade). O órgão nacional de financiamento da pesquisa – CNRS – assume a responsabilidade pela preservação em longo prazo e a estabilidade online dos documentos (gerando um número estável próprio, e não apenas através do DOI), não deixando a cargo de empresas privadas ou instituições isoladas (como as universidades) uma tarefa de cunho tão estratégico para o país.

Como pontos ainda não explorados pelo HAL podemos citar a baixa utilização de recursos multimodais e a falta de mecanismos de colaboração. Incentivam o depósito de vídeos e áudios, citando-os inclusive em seu manual quando sugerem que sejam arquivadas as imagens dos congressos e colóquios, mas os depósitos continuam em sua maioria compostos por arquivos em texto escrito. Quanto à colaboração, não é uma função explorada, sendo predominante o discurso da disseminação do conhecimento, e não sua produção coletiva. Isto fica evidente em sua política ao optar por arquivos fechados, que não podem sofrer colaborações ou atualizações, caminho escolhido para garantir a responsabilização científica pelo conteúdo.

Diferente da estratégia utilizada pelo Peru, em que primeiro aprovou-se uma lei para que então seja criado seu repositório nacional, na França foi necessária apenas a decisão do CNRS em desenvolver uma infraestrutura capaz de integrar o país aos esforços do acesso livre. A estabilidade do sistema é seu principal trunfo, a qual é capaz de manter a certeza dos cientistas de que vale a pena o esforço para que sua obra seja preservada, crescendo assim o número de depósitos a cada dia.