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4. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO CIVIL E

4.3 DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO

4.3.4 Fraude à execução

Diante do acolhimento da desconsideração da personalidade jurídica, qualquer alienação ou a oneração de bens será ineficaz em relação ao requerente, configurando fraude à execução, conforme determinação expressa do artigo 137 do Código de Processo Civil.

Contudo, é necessário delimitar esse marco temporal, tendo em vista que, enquanto o CPC (art. 792, §3º) diz que “nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”135, a doutrina entende que esse termo é muito abrangente. Isso pois, pode ser que haja um processo de conhecimento em trâmite, mas a pessoa jurídica só venha a praticar atos que configurem a desconsideração anos depois.

Desta forma, expõe Tomazette136:

Pode ocorrer que a pessoa jurídica tenha sido citada no processo de conhecimento e a desconsideração só tenha sido requerida na fase de cumprimento de sentença, anos depois, e, neste caso, não é razoável considerar todos os atos de alienação praticados pelos sócios como em fraude à execução.

133 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 301.

134 TOMAZETTE, 2020, p. 314.

135 BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 02 dez. 2020.

Além disso, há uma proibição que a citação da pessoa jurídica seja equiparada a citação do sócio. Portanto, Tomazette afirma que “declarar a ineficácia de um ato do sócio praticado anos antes de qualquer pedido de desconsideração, mas após a citação da pessoa jurídica é completamente desarrazoado”137. Então, entende-se razoável considerar que apenas quando existe uma demanda, seja no processo de conhecimento ou no incidente de desconsideração, e há a citação dos sócios ou dos demais sujeitos que possam ser atingidos pelo incidente de desconsideração, é que pode ser considerado o marco temporal para configuração de fraude à execução.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa discorreu sobre as mudanças trazidas pela Lei da Liberdade Econômica no Código Civil Brasileiro, com relação ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Para alcançar o objetivo principal, realizou-se um estudo acerca da personalidade das pessoas jurídicas, dando sequência a teoria da desconsideração e sua aplicação no Código Civil Brasileiro com a Lei da Liberdade Econômica, sendo, por fim, realizada uma breve análise quanto a aplicação do incidente.

Primeiramente, no que se refere ao conceito e evolução da personalidade jurídica, notou-se que a separação do patrimônio da sociedade com relação aos seus sócios e administradores, por meio da autonomia patrimonial, foi de suma importância para o desenvolvimento das empresas, visto que reduziu o risco das atividades econômicas. Porém, diante do “véu” da autonomia patrimonial, os sócios começaram a praticar abusos com o fim de lesar credores.

Diante desse cenário, foi criada a desconsideração da personalidade jurídica, como uma forma de coibir os atos ilícitos cometidos pelos integrantes da sociedade. Ocorre que, o Código Civil de 2002 não especificava as hipóteses cabíveis de desconsideração, gerando grande insegurança jurídica aos empresários, que precisavam buscar amparo dos juízes e tribunais.

Com isso, a Lei nº 13.874/2019, buscou alterar o cenário político-econômico do país, reduzindo a intervenção do Estado na economia e, consequentemente, estimulando o crescimento da atividade empresarial. Para isso, positivou a autonomia patrimonial no artigo 49-A do Código Civil, visto que esse princípio implica na limitação da responsabilidade entre a sociedade e seus sócios, além de reforçar a excepcionalidade da aplicação da desconsideração.

Contudo, as grandes modificações se deram no artigo 50 do Código Civil, onde o legislador restringiu as hipóteses de aplicação do instituto, positivando os entendimentos consolidados pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema. Além disso, retirou da redação a necessidade de demonstração do dolo no caso de desconsideração pelo desvio de finalidade, bem como limitou a responsabilidade exclusivamente para os sócios e administradores que tenham se beneficiado direta ou indiretamente pelo abuso.

Portanto, conclui-se que a Lei da Liberdade Econômica contribuiu positivamente com o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, já que delimitou as hipóteses de aplicação de acordo com o entendimento da jurisprudência, contribuindo com a excepcionalidade do instituto e reforçando a grande relevância jurídica que o presente tema representa, uma vez que está diretamente ligado com o desenvolvimento das atividades empresariais.

REFERÊNCIAS

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