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Frege e a versão robusta da teoria da verdade como identidade

No documento FREGE E A TEORIA DA VERDADE COMO IDENTIDADE (páginas 150-153)

3 A VERSÃO FREGEANA DA TEORIA DA VERDADE COMO

4.2 A relação de Frege com as versões modesta e robusta da teoria

4.2.2 Frege e a versão robusta da teoria da verdade como identidade

Dodd (2000) apresentará duas presumíveis evidências para refutar a possível atribuição da versão robusta da teoria da verdade como identidade a Frege. A primeira evidência é a afirmação bastante citada de que fatos são pensamentos que são verdadeiros. Posto que uma versão robusta da teoria tomará que fatos são estados de coisas, constituídos por objetos e propriedades, vê-se uma incompatibilidade entre a visão fregeana e a versão robusta. A segunda evidência seria a tese de Frege de que a Bedeutung de pensamentos verdadeiros é o

Verdadeiro. Aqui pressupõe-se que a tese do realismo de Dummett esteja correta. Não existiram, portanto, estados de coisas no mundo com os quais tais pensamentos teriam relação.

Neste ponto, entretanto, entraria em jogo, e faria sentido, a discussão levantada no final do capítulo anterior. Frege apresenta uma concepção de fato, tal como supõe Dodd (1992, 1999, 2000), somente em Der Gedanke, uma das suas últimas obras. Em textos que o precedem, como a Begriffsschrift, não temos a mesma concepção de fato. Além disso, há tentativas, como as de Drai (2002), de interpretar o slingshot de maneira diferente. Tudo isso poderia levar a uma explicação diferente daquela oferecida por Dodd (2000), aproximando Frege da versão robusta. Mas, para tornar mais clara uma interpretação de Frege como um defensor desta versão, apresento a interpretação de Gary Kemp (1995) em Truth in Frege’s ‘Law of Truth’.

Na verdade, não existe uma discussão propriamente dita entre Dodd e Kemp acerca de qual versão Frege defendeu. Nem Dodd cita Kemp em seus textos, nem Kemp cita Dodd. Contudo, os dois autores discutem o mesmo problema e dão respostas bastante diferentes. De qualquer maneira, Kemp (1995) não tem em mãos a terminologia utilizada por Dodd (1999, 2000). Ele não fala em teoria da verdade como identidade e, evidentemente, não cita versões modestas ou robustas da teoria. Mas a questão discutida é a mesma – a identificação entre fatos e pensamentos verdadeiros –, e a interpretação de Kemp (1995) encaixa-se perfeitamente naquilo que Dodd (2000) chamará de versão robusta da teoria da verdade como identidade. Mas vejamos qual é a posição de Kemp (1995).

Kemp (1995), em seu artigo, procura, basicamente, clarificar algumas teses sobre verdade encontradas em Der Gedanke, dentre elas, a tese da redundância do predicado de verdade, a concepção fregeana de pensamento, juízo e fato. Neste contexto, Kemp (1995, p. 32) afirmará que os pensamentos verdadeiros de Frege são, simultaneamente, as unidades cognitivas ou epistêmicas básicas e são idênticos a o que chamamos de fatos, de leis matemáticas ou leis lógicas. Somente levando em conta isso é que o raciocínio de Frege sobre verdade ganha força. E isto também está vinculado com a não associação de pensamentos a representações mentais. “Conhecimento é a compreensão de fatos e leis, não da representação deles” (KEMP, 1995, p. 32).

Ao discutir a critica de Frege à teoria da verdade como correspondência, Kemp (1995, p. 38-39) entrará na discussão acerca da relação entre pensamentos, fatos e estados de coisas. Neste contexto, ele lançará a afirmação que o caracterizará como interpretando Frege enquanto um defensor da versão robusta da teoria da verdade como identidade. Kemp (1995, p. 39) explicitamente defende que, para Frege, pensamentos verdadeiros não representam fatos ou estados de coisas. Tal tese está associada claramente à crítica de Frege a concepção psicologista da lógica, que tomará pensamentos como conteúdos mentais. Por conseguinte, pensamentos verdadeiros são fatos ou estados de coisas. Do mesmo modo, princípios matemáticos e leis lógicas seriam pensamentos verdadeiros.

A verdade de um pensamento, na interpretação de Kemp (1995, p. 40), não pode ser algo separado do que faz com que o pensamento seja verdadeiro, ou seja, deve existir algo distinto do pensamento, com o qual ele possui uma relação íntima que o torna verdadeiro. Como correspondência é rejeitada por Frege (1997, p. 326- 327, 1979, p. 127), e ele afirma que fatos são pensamentos verdadeiros, a única relação possível é uma espécie de identidade. “O fato que um dado pensamento é verdadeiro é ontologicamente distinto, embora necessariamente equivalente ao fato que torna o pensamento verdadeiro” (KEMP, 1995, p. 39). Não fica totalmente claro, nesta sentença, o que Kemp entende por ‘necessariamente equivalente’ e como isso se daria. Contudo, com respeito à ‘ontologicamente distinto’, aparentemente não há problemas. Aquilo que torna os pensamentos verdadeiros, se forem estados de coisas entendidos classicamente, possivelmente pertenceriam ao reino da Bedeutung, enquanto que pensamentos verdadeiros pertenceriam, na concepção fregeana, a um terceiro reino. Kemp (1995, p. 40) dá um exemplo que talvez ajude. Segundo ele, a verdade do pensamento que ‘o gato está sobre o tapete’ não pode ser distinguido do estado de coisas que nós descrevemos como o gato estando sobre o tapete.

Assim, teríamos em Kemp (1995) um contraponto à interpretação oferecida por Dodd (2000). O problema é que Frege (1997) não fala, em Der Gedanke, sobre estados de coisas que tornam pensamentos verdadeiros. Segundo Dummett (1981, p. 444), Frege não empregou a noção de tornar o pensamento expresso por uma sentença verdadeiro para não se comprometer ou, simplesmente, para evitar a concepção de fato ou estado de coisas como pertencentes ao reino da Bedeutung. E isso enfraquece a interpretação de Kemp (1995), pois ele parece pressupor um reino

da Bedeutung. Mas, na Begriffsschrift, tal interpretação poderia ter maior plausibilidade, pois, neste texto, Frege (1997, p. 48) fala em fatos empíricos, os quais poderiam ser interpretados como sendo estados de coisas. Além disso, tais fatos empíricos teriam a função de justificar certas verdades, ou seja, tornar certos pensamentos ou circunstâncias verdadeiras. Com isso, mais acertadamente do que afirmar que Frege defendeu, em Der Gedanke, uma versão robusta da teoria da verdade como identidade, seria afirmar que ele a defendeu na Begriffsschrift. Desse modo, teríamos de levar em conta esse texto dos primórdios de Frege em conta na discussão, coisa que Dodd ignora.

No documento FREGE E A TEORIA DA VERDADE COMO IDENTIDADE (páginas 150-153)