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A resposta negativa de Thomas Baldwin

No documento FREGE E A TEORIA DA VERDADE COMO IDENTIDADE (páginas 141-143)

3 A VERSÃO FREGEANA DA TEORIA DA VERDADE COMO

4.1 Teria Frege defendido uma teoria da verdade como identidade em Der

4.1.1 A resposta negativa de Thomas Baldwin

Baldwin (1991) dará uma caracterização bastante geral da chamada teoria da verdade como identidade, definindo-a basicamente como a tese segundo a qual a verdade de um juízo consistiria fundamentalmente na identidade do conteúdo desse juízo com um fato. O conteúdo de um juízo, por conseguinte, seria idêntico a um fato. Nesse sentido, a teoria da verdade como identidade seria muito parecida com uma teoria da verdade como redundância (redundancy theory), ou seja, com as teorias segundo as quais o predicado de verdade não faz uma contribuição significativa ao conteúdo de um juízo. Entretanto, isto não é totalmente correto, pois a teoria da identidade, segundo Baldwin (1991, p. 35), compartilha uma característica com as teorias da verdade como correspondência, a saber, que a verdade de um juízo consiste em uma relação entre ele e a realidade. Existem contrastes evidentes entre as teorias da correspondência e a teoria da identidade, mas, de certa maneira, poder-se-ia dizer que a última pode ser entendida como um caso limite das primeiras.

Como visto no capítulo 1, Baldwin (1991) atribui a tese de que a verdade de um juízo ou de uma proposição consiste na identidade dele com a realidade a vários autores, dentre os quais, autores herdeiros da tradição idealista, tais como Bradley (1914, apud BALDWIN, 1991), que defenderá, por exemplo, uma espécie de identidade do conhecimento com a realidade. Até mesmo Hegel (1995)108, na Lógica, teria, na interpretação de Baldwin (1991, p. 40), uma espécie de teoria da

108

Stern (1993) negará esta tese de Baldwin (1991). Segundo Stern (1993, p. 645), Baldwin (1991) teve uma compreensão errada da concepção hegeliana de verdade ao afirmar que ela consiste em uma espécie de teoria da verdade como identidade. E, como consequência, está iludido ao afirmar que ele teve importância no desenvolvimento histórico desta teoria. Para refutar a tese de Baldwin (1991), Stern (1993, p. 645) se apoiará em uma distinção efetuada por Heidegger (2007) entre

verdade proposicional e verdade material. Verdade será proposicional quando aplicada a sentenças,

proposições, juízos ou afirmações, com base na concordância deles com o modo como as coisas são. Por outro lado, verdade será material quando ela é atribuída a alguma coisa com base na concordância da coisa com sua essência. “Assim, enquanto verdade proposicional aplica-se aos nossos juízos ou declarações, verdade material aplica-se às coisas e a suas naturezas” (STERN, 1993, p. 645). Para Stern (1993, p. 645-646), Hegel teria defendido um tipo de verdade material, ao passo que a teoria da verdade como identidade é proposicional.

verdade como identidade. Outros autores célebres da tradição analítica, como Russell e Moore, igualmente teriam defendido, em algumas de suas obras, teses que se aproximam desta teoria. Entretanto, quando a discussão versa sobre Frege, Baldwin (1991, p. 43) decididamente dá uma resposta negativa. Para ele, Frege, em Der Gedanke, chegou a discutir a teoria da identidade e claramente refutou-a.

Baldwin (1991, p. 43) se baseia no seguinte trecho de Der Gedanke (FREGE, 1997, p.327 ) para justificar sua opinião:

Uma correspondência só pode ser perfeita quando as coisas em correspondência coincidem; quando não são coisas distintas. Para verificar a autenticidade de uma cédula é preciso superpô-la a uma cédula autêntica. Mas seria ridículo tentar superpor uma moeda de ouro a uma cédula de vinte marcos. A superposição de uma coisa por uma ideia só seria possível se a coisa fosse também uma ideia. E se a primeira correspondesse perfeitamente à segunda, então ambas coincidiriam. Ora, isto é justamente o que não se quer quando se define a verdade como a correspondência entre uma ideia e um objeto real. Pois é absolutamente essencial que o objeto real seja distinto da ideia. Mas se assim for, não pode haver correspondência perfeita, verdade perfeita. Assim sendo, nada seria verdadeiro, pois o que é parcialmente verdadeiro não é verdadeiro. A verdade não admite um mais ou um menos.

Neste trecho de Frege, temos, como discutido em 3.1.2, um dos argumentos contra a concepção correspondencial de verdade. O argumento é o segundo usado por Frege para criticar as tentativas de definir verdade por meio de correspondência e seria uma espécie de reductio ad absurdum. A teoria da verdade como correspondência não seria capaz de dar uma boa definição de verdade, pois ela necessitaria que as entidades que entrassem na relação de correspondência pertencessem à mesma esfera, contudo isso implicaria identidade. Como a definição de correspondência necessita que as entidades sejam distintas, não é possível definir verdade por meio desta pretensa identidade. A conclusão de Frege, segundo Baldwin (1991, p. 43), é que a teoria da identidade pode ser reduzida a qualquer teoria da correspondência.

Além disso, Frege teria rejeitado a teoria da verdade como identidade, pois ela borra a sua distinção entre sentido e referência. Frege, de acordo com Baldwin (1991, p. 43), defenderá que os pensamentos expressos pelas sentenças são entidades genuínas, pertencentes ao terceiro reino. Contudo, diferentemente de Moore, por exemplo, ele não aceitará que pensamentos tenham alguma relação com estados de coisas. Os pensamentos não se referem a estados de coisas, mas são constituídos por sentidos. “Pensamentos são funções dos sentidos, de nomes próprios, predicados e outras expressões, e estes sentidos pertencem a um terceiro reino, distinto dos objetos

externos ordinários e de nossas ideias psicológicas” (BALDWIN, 1991, P. 43). Os estados de coisas têm, como constituintes, objetos e propriedades e, levando em conta a explicação de Frege, não podem ser identificados com pensamentos. Os constituintes dos estados de coisas são os referentes das expressões que constituem os pensamentos, e os pensamentos, por sua vez, são constituídos por modos de apresentação das entidades que compõe os estados de coisas.

É facilmente perceptível que Baldwin (1991), nesta apresentação, é carente de uma distinção fundamental dentro da teoria da verdade como identidade, que é a distinção entre versões modesta e robusta da teoria. E talvez este seja um dos motivos dele reduzir essa teoria a um gênero de teoria da correspondência e, consequentemente, negar que Frege a tenha defendido109. Possivelmente, Baldwin nem sequer aceitaria uma versão modesta, pois para ele uma teoria da verdade precisa dar uma definição de verdade. Como a versão modesta não dá uma resposta acerca da relação linguagem e mundo, Baldwin parece não a levar em conta. Para aclarar isto, vejamos a crítica de Dodd e Hornsby (1992) e Dodd (1999, 2000) a esta posição de Baldwin (1991).

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