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3 FUNÇÃO HERMENÊUTICA DAS CLÁUSULAS GERAIS NO DIREITO CIVIL-

4.2 Função social dos contratos

Outra cláusula geral de suma importância para a interpretação do nosso Código Civil é a função social dos contratos. Intimamente ligada à boa-fé, pois os contratos devem ser celebrados em consonância com a lealdade, respeito, probidade, honestidade etc, não apenas entre os contratantes, mas em relação a toda coletividade, conforme preceitua o art. 421: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social dos contratos”.

Para Flávio Tartuce (2012, p. 528): “a palavra função social deve ser visualizada com o sentido de finalidade coletiva, sendo efeito do princípio em questão a mitigação ou relativização da força obrigatória das convenções (pacta

sunt servanda)”. Assim, um contrato deve servir não só aos interesses das partes

contratantes como também à sociedade, por ser indiretamente afetada.

A força obrigatória dos contratos, decorrente da autonomia de vontade das partes, restou mitigada pelo Código Civil de 2002. A ideia de que o contrato

celebrado faz lei entre as partes está relativizada em razão da função social que os contratos exercem. Portanto, se decorrida algumas das situações elencadas a seguir, nada mais justo que o contrato seja revisto ou resolvido para que se possa garantir o equilíbrio das prestações dos contratantes.

Como dito acima, algumas situações podem ensejar a mitigação do princípio do pacta sunt servanda, quando presentes os seguintes requisitos: vigência de um contrato comutativo de execução diferida ou de trato sucessivo; ocorrência de fato extraordinário e imprevisível (caso fortuito e força maior – art. 393, CC de 2002); considerável alteração da situação de fato existente no momento da execução, em confronto com o que existia por ocasião da celebração; onerosidade excessiva para um dos contratantes e vantagem exagerada para o outro.

O contrato comutativo de execução diferida ou de trato sucessivo é aquele que possui prestações certas e determinadas, devendo ser cumprido ou em um só ato, mas em momento futuro (no caso de execução diferida) ou em atos reiterados ao longo do tempo (no caso de execução sucessiva ou continuada). A comutatividade dá uma ideia de equivalência das prestações entre as partes, pois cada uma delas consegue antever as vantagens e desvantagens na celebração do contrato. A execução do contrato em ato futuro ou em atos reiterados ao longo do tempo pode ensejar na alteração considerável da situação de fato, não prevista pelas partes no momento da celebração contratual, ocasionando desequilíbrio das prestações.

A ocorrência de fato extraordinário ou imprevisível leva em consideração a boa-fé das partes, que no momento da celebração do contrato e, por conseguinte, no exercício da autonomia da vontade, não conseguiram antever situações que poderiam modificar consubstancialmente o adimplemento das obrigações contraídas. Como exemplo de fato extraordinário ou imprevisível tem-se a ocorrência de guerras. Por tal motivo, a teoria da imprevisão, conhecida como cláusula rebus

sic stantibus, ganhou maior notoriedade após a 1ª Guerra Mundial, no qual muitos

contratos de execução diferida ou sucessiva se tornaram bastante onerosos para o devedor, obrigando-os a requerer ao juiz a isenção da obrigação, parcial ou totalmente. Importante se ter em mente a inocorrência da imprevisão em virtude da inflação ou de alterações da economia, portanto, não há que se falar em revisão contratual.

Por fim, não é qualquer alteração na execução do contrato que dá ensejo à revisão ou à resolução contratual, mas somente aquelas que provoquem onerosidade excessiva para um dos contratantes e vantagem exagerada para o

outro. Segundo o autor Nelson Nery Junior (2010, p. 424): “o princípio da

conservação dos contratos, ante a nova realidade legal, deve ser interpretado no sentido da sua manutenção e continuidade de execução, observadas as regras da equidade, do equilíbrio contratual, da boa-fé e da função social do contrato”. Portanto, o princípio do pacta sunt servanda não deve ser aplicado se as partes se encontrarem em desequilíbrio contratual e se dessa disparidade ocorra proveito injustificado para uma das partes.

Presentes estas situações, o contrato poderá ser revisto ou resolvido pela autoridade judiciária. A revisão consiste em alterações no contrato de modo a preservá-lo, de modo a garantir o equilíbrio das prestações dos contratantes, conforme se verifica, respectivamente, nos arts. 479 e 480 do Código Civil: “A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato” e “Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o

modo de executá-la, a fim de evitar onerosidade excessiva”. Já a resolução consiste

na extinção do contrato sem que haja nenhum ônus para a parte em desvantagem, conforme preceitua o art. 478 do Código Civil: “Nos contratos de execução continuada ou deferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimento extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

Portanto, devido à cláusula geral da função social dos contratos, os juízes podem intervir nos contratos, visando reestabelecer o equilíbrio econômico- financeiro no que diz respeito à execução das obrigações das partes. Mas até que ponto o magistrado pode interferir na autonomia da vontade das partes? Poderá rever um contrato mesmo que a parte tenha pedido a resolução? Poderá, ainda, resolver um contrato ex officio?

No Brasil, foi adotada a doutrina anti-revisionista, ou seja, nos casos em que ocorrem onerosidade excessiva para um dos contratantes, o juiz deverá resolver o contrato, produzindo efeitos retroativos com a finalidade de extinguir o que foi executado e obrigar a restituições recíprocas. Portanto, o juiz somente fará uma

revisão do contrato nos casos em que as partes concordarem com isso, pois o magistrado está adstrito ao pedido. Porém, se o pedido for de revisão, poderá o juiz, excepcionalmente, resolver o contrato, se considerar a revisão contratual um meio inviável para reequilibrar a situação dos contratantes.

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