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Função hermenêutica das cláusulas gerais do direito civil tcc rcmenesesFunção

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

RENATO CARDOSO DE MENESES

FUNÇÃO HERMENÊUTICA DAS CLÁUSULAS GERAIS NO DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL

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RENATO CARDOSO DE MENESES

FUNÇÃO HERMENÊUTICA DAS CLÁUSULAS GERAIS NO DIREITO CIVIL

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

M543f Meneses, Renato Cardoso de.

Função hermenêutica das cláusulas gerais do direito civil - constitucional / Renato Cardoso de Meneses. – 2013.

57 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Direito Privado.

Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.

1. Direito privado - Brasil. 2. Justiça social. 3. Direito civil - Brasil. 4. Hermenêutica (Direito) - Brasil. 5. Boa-fé (Direito). I. Marques Júnior, William Paiva (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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RENATO CARDOSO DE MENESES

FUNÇÃO HERMENÊUTICA DAS CLÁUSULAS GERAIS NO DIREITO CIVIL

Trabalho de Conclusão de

Curso submetido à

Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito em conformidade com os atos normativos do MEC e do Regulamento de Monografia Jurídica aprovado pelo Conselho Departamental da Faculdade de Direito da UFC.

Aprovada em: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

__________________________________ Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará – UFC

__________________________________ Prof. Dr. Francisco Régis Frota Araújo Universidade Federal do Ceará – UFC

__________________________________ Professora Msc. Maria José Fontenelle Barreira Araújo

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À minha mãe, Lêda, pela atenção e amor em todos os momentos da minha vida. À minha tia Joaquina (mãe afetiva) pelos seus cuidados desmedidos.

Aos meus irmãos, Fabrício e Rafael, pelo exemplo e companherismo que me proporcionaram. À minha namorada, Ivna, por esses seis anos de lealdade e amor.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Senhor, Jesus Cristo, pela dádiva da vida que me concedestes e pela sua presença em todos os momentos difíceis, encorajando-me a seguir em frente sem medo. Sem Ele, eu nada seria, sequer existiria.

À minha família, pela força nos momentos difíceis, por compartilharem a felicidade nos momentos de alegria e pela capacidade de gerarem em mim uma disposição incansável a cada amanhecer. Em especial à minha mãe, Lêda, por toda a confiança depositada em mim, pelo que representa na minha vida e pelo que me ensinou a ser. À minha tia, Joaquina, por ter cuidado de mim quando mais precisei.

Ao meu irmão, Fabrício, por todos os conselhos genuinamente engrandecedores que serviram de norte para mim e por ser um exemplo de filho, de estudante, de profissional, de esposo e de (em poucos meses será) pai! Foi, é e sempre será um espelho para mim. Ao meu irmão e colega de Faculdade, Rafael, pelo companheirismo de todos esses anos, pela amizade sincera e inabalável.

À minha fonte de inspiração, Ivna Maria da Ponte Feijão, por compartilhar os melhores momentos da minha vida. Sou grato por tudo! Ao seu lado sou mais forte e mais feliz. Obrigado pelo apoio desde a época do vestibular, passando por todo o Curso de Direito e, agora no finalzinho, na elaboração deste trabalho. Foi, é e sempre será o amor da minha vida.

Aos meus amigos integrantes do Grupo VBPF (Fernando Demétrio, Renan Augusto e Vitor Curvina), que tornaram as manhãs de domingo mais bem aproveitadas. Novamente, ao meu amigo Fernando pelo apoio na elaboração deste trabalho. E novamente aos meus amigos, Renan e Vitor, por tornarem as minhas idas e vindas para/da Faculdade bem mais engraçadas, seguras e cômodas.

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amizade construída e que levarei para além dos bancos da Centenária Faculdade. A um grande amigo-irmão, Lucas Falcão, e a uma grande amiga-irmã, Fernanda Furtado, pela amizade desde tempos idos.

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“Senhor, eu não sou digno que entreis em minha morada, mas dizeis uma só palavra

e serei salvo”.

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RESUMO

O processo de descodificação do Direito Privado é uma realidade da ciência jurídica brasileira, tendo em vista as contínuas transformações ocorridas na sociedade. Os Microssistemas e os Estatutos são cada vez mais responsáveis pela regulamentação de situações específicas da vida social. É nesta toada que ganharam bastante importância as cláusulas gerais, pois estas são diretrizes dirigidas ao Estado-Juiz, que devem ser interpretadas de acordo com os princípios constitucionais, em clara observância ao Estado Democrático de Direito, para que se dê a melhor solução ao caso concreto. O casuísmo das hipóteses legais presente no Código Beviláqua deu espaço a enunciados normativos com conteúdo propositadamente indeterminado no nosso atual Código Civil, em consagração dos princípios da eticidade, socialidade e operabilidade. Caberá aos magistrados a importante tarefa (poder-dever) de interpretarem tais preceitos normativos da boa-fé, da função social dos contratos, da função social da propriedade, da função social da empresa, dentre outros, no intuito de se alcançar a justiça social, tendo como parâmetro interpretativo a Constituição Federal para que, dessa forma, não seja mitigada a segurança jurídica.

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ABSTRACT

The decoding process of Private Law is a reality of the Brazilian juridical science, because of the continuous changes occurring in society. The Microsystems and the statutes are increasingly responsible for the regulation of specific situations of social life. Is this standard, general conditions and clauses play a very important role, as guidelines addressed to the Judicial Power, who must interpret then in accordance with the constitutional principles in clear compliance with the Democratic Rule of Law, in order to give the best solution in each case. The casuistry of legal events in

Beviláqua’s Code has given place to normative text with deliberately undefined

content in our current Civil Code, safeguarding the principles of morality, sociality and operability. It will be up to the judges the important task (power duty) to interpret such normative precepts of good faith , the social role of contracts , the social role of property , the social role of the company, etc., in order to achieve social justice, having the Constitution as interpretative parameter aiming, this way, not to mitigate legal certainty.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 DESCODIFICAÇÃO E CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL ... 12

2.1 Considerações iniciais ... 12

2.2 Descodificação constitucionalização do Direito Civil ... 15

2.3 Constitucionalização do Direito Civil ... 19

3 FUNÇÃO HERMENÊUTICA DAS CLÁUSULAS GERAIS NO DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL ... 22

3.1 Métodos de interpretação do Direito ... 22

3.2 Métodos de integração do Direito ... 26

3.3 O papel criador do juiz na intepretação das cláusulas gerais ... 31

4 AS CLÁUSULAS GERAIS NO DIREITO CIVIL ... 38

4.1 Boa-fé ... 39

4.1.1 Boa-fé subjetiva ... 41

4.1.2 Boa-fé objetiva ... 42

4.2 Função social dos contratos ... 48

4.3 Função social da empresa ... 51

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 53

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo o estudo das Cláusulas Gerais e sua hermenêutica no Código Civil contemporâneo. O tema é de grande relevo no que diz respeito às relações de cunho privado em nosso país, deixando para trás o enfoque extremamente individualista do Código Beviláqua para privilegiar os valores sociais e a dignidade da pessoa humana, tendo sido, sendo dúvida alguma, a maior inovação trazida pelo nosso Código Civil de 2002.

O desenvolvimento econômico, político e cultural de uma sociedade são caracterizados por grandes transformações no modo de pensar e de agir dos indivíduos. Com isso, a conduta das pessoas tende a se modificar com o passar do tempo, novas situações não abarcadas pelas normas vigentes podem surgir.

Dessa forma, notando-se a grande inflexibilidade das normas do Código Civil de 1916 frente as transformações sociais, o novo Código Civil Brasileiro (CCB/02) adotou a técnica legislativa das cláusulas gerais, como forma de proporcionar uma maior durabilidade a essa codificação e de garantir que uma nova situação jurídica de fato possa ser analisada e julgada pelo juiz, preenchendo-se, para tanto, a abstração de uma norma já existente.

A partir de então, com o surgimento do processo de descodificação e de constitucionalização do direito privado, os direitos fundamentais dos indivíduos, consubstanciados principalmente nos princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da isonomia, passaram a possuir eficácia horizontal, isso é, passaram a ser observados também nas relações privadas. E o Estado-Juiz será o responsável pela concretude desses direitos, utilizando-se, para tanto, o método interpretativo das cláusulas gerais.

No Código Civil de 2002, em uma evidente demonstração de maturidade e de inovação, foram instituídas diversas cláusulas gerais, sendo as mais importantes e, por sua vez, objeto desta monografia, a boa-fé objetiva, a função social dos contratos e a função social da empresa.

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importância de incentivar o desenvolvimento de um direito civil-constitucional para assegurar a igualdade material nas relações jurídicas entre particulares.

No segundo capítulo, conceitua-se cláusula geral, diferenciando-a da outra espécie de normas vagas, a saber: o conceito jurídico indeterminado e diferenciando-a, também, dos princípios gerais do direito. Abordam-se a forma de interpretação das cláusulas gerais, bem como a importância do juiz na concretude de tais normas abertas.

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2 DESCODIFICAÇÃO E CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO

A descodificação do Direito Privado é uma realidade no sistema jurídico brasileiro. O Código Civil já não é mais o único instrumento a regular as relações privadas. Um número cada vez maior de Microssistemas e de Estatutos passa a vigorar com a finalidade de proporcionar o exercício de direitos e a contração de obrigações por parcelas específicas da sociedade. Em atenção a essa nova realidade, importantes institutos do direito privado passaram a ser interpretados conforme a Constituição Federal de 1988, caracterizando, dessa forma, a constitucionalização do direito privado.

2.1 Considerações Iniciais

Segundo Miguel Reale (2012, p. 02): “(...) o Direito corresponde à

exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma

sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade”.

Fica clara a importância do Direito para orientar e regular as relações entre os homens, isso é, as relações intersubjetivas.

“O Direito, no seu aspecto formal, é regra de conduta imposta

coativamente aos homens. Já sob o aspecto material, é a norma nascida da

necessidade de disciplinar a convivência em sociedade” (GOMES, 2009, p. 04). Para que fosse possível a vida em sociedade, o Direito Civil se desenvolveu, acompanhando as transformações de cada época, disciplinando a conduta dos indivíduos, a fim de instaurar uma pacificação social, mesmo que, para tanto, se fizesse necessário a força coativa do Estado, através da imposição de normas e as consequentes sanções decorridas do seu não-cumprimento.

Da necessidade de organizar e de sistematizar as normas que regulam a vida em sociedade, seja nas relações entre indivíduos ou nas relações entre estes e o Estado, foi que surgiu o fenômeno da codificação (que será melhor estudado no tópico 1.2 deste trabalho). Foi na Roma antiga do séc. VI d.C., que o direito foi pela primeira vez compilado, por ordens do Imperador Justiniano. Foram reunidos quatro

livros para a formação do “Corpus Juris Civilis”: Institutas, Digesto, Codex e Novelas.

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dos cidadãos romanos, o “Corpus Juris Civilis” foi apenas uma reunião de leis

esparsas já existentes na época.

Entre os séculos XII e XVI d.C., o “Corpus Juris Civilis” foi objeto de

grandes estudos, sendo os glosadores os primeiros a comentarem tal obra. A Escola dos Glosadores ficou conhecida por estudar o Código Civil da Roma Antiga, fazendo-lhes anotações entre as linhas ou à margem de seus textos. Tal Escola, apesar da sua contribuição para a tradução e interpretação dos antigos escritos, não os adaptou à realidade de sua época. Só a partir dos pós-glosadores, foi que os diversos institutos do Código Civil da Roma Antiga, traduzidos e interpretados pela Escolar anterior, passaram a orientar a evolução do ordenamento jurídico da Alemanha e da Itália.

Na sua acepção positivista, o Direito é um conjunto de normas imperativas e coercitivas que organizam a vida em sociedade. A não observância dessas normas ocasiona a aplicação de sanções pelo Estado. Entende-se que o Direito regula aqueles fatos do cotidiano que se mostram mais importantes, aqueles fatos carregados de valores ético-jurídicos que precisam de uma maior proteção normativa. Entendimento esse consonante com o Culturalismo Jurídico e a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale.

Muito embora seja uma característica do Direito a sua unicidade, para fins meramente didáticos, os estudiosos o dividem em Objetivo e Subjetivo; Positivo e Natural; Congênitos e Adquiridos e em Público e Privado. Faz-se um breve comentário acerca de cada um deles, no intuito de demonstrar a evolução do Direito Privado.

Em princípio, importante esclarecer a diferença entre Direito e Moral. Para Tercio Sampaio Ferraz Jr. (2008, p. 332):

(...) é preciso reconhecer certa similaridade entre normas jurídicas e preceitos morais. Ambos têm caráter prescritivo, vinculam e estabelecem obrigações numa forma objetiva, isto é, independentemente do consentimento subjetivo individual. Ambos são elementos inextirpáveis da convivência, pois, se não há sociedade sem direito, também não há sociedade sem moral. Não obstante isso, ambos não se confundem, e marcar a diferença entre eles é uma das grandes dificuldades do direito.

Não obstante a dificuldade apontada acima, podemos afirmar que a moral refere-se a um aspecto interno do comportamento humano, possuindo um campo de

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com Deus, para consigo mesmo e para com seus semelhantes” (BARROS, 2009, p. 03). É incoercível pelo Estado, na medida em que a única sanção aplicada à moral é a interna (remorso, arrependimento, desgosto íntimo e sentimento de reprovação geral). Já o direito refere-se a um aspecto externo do comportamento humano, possuindo um campo de atuação bem mais restrito que o da moral, pois

“compreende apenas os deveres do homem para com os semelhantes”. Ocorre a

coação estatal para, através de sanções externas (pena privativa de liberdade, pena restritiva de direitos e pena de multa), verificar-se a imperatividade do direito.

Importante o esclarecimento de Orlando Gomes (2009, p. 97) no que diz respeito ao direito subjetivo e ao direito objetivo:

O direito subjetivo é a faculdade de agir - facultas agendi -, direito objetivo,

norma de ação - norma agendi. Um não pode existir sem o outro, porque, se

é inconcebível a existência de direitos subjetivos sem uma ordem jurídica, não se pode imaginar ordem jurídica sem direitos subjetivos.

O direito objetivo é o ordenamento jurídico imposto pelo Estado, de caráter geral, ou seja, normas de observância obrigatória por todos os indivíduos, na qual vem inserida em seu preceito uma sanção, destinada a garantir a sua imperatividade. Já o direito subjetivo é a faculdade que possui o indivíduo de invocar a proteção do direito objetivo de acordo com os seus interesses.

“Direito positivo é o ordenamento jurídico em vigor num determinado país e numa determinada época (jus in civitate positum). Direito natural é a ideia abstrata

de direito, o ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior e suprema”

(BARROS, 2009, p. 08).

Assim sendo, direito positivo é o direito posto, codificado ou não, aquele presente na sociedade e que retira seu fundamento de validade de normas superiores antecedentes até chegar à Constituição Federal. Já o direito natural é inerente ao ser humano, pois são normas de caráter superior que regulam as condutas dos indivíduos. Está mais ligado ao ideal de justiça e aos princípios gerais do direito. Segundo Washington de Barros Monteiro (2009, p. 09): “o direito natural,

a exemplo do que sucede com as normas morais, tende a converte-se em direito

positivo, ou a modificar o direito preexistente”.

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No sentido subjetivo os direitos dividem-se em congênitos e adquiridos. Os primeiros são aqueles que resultam da própria natureza humana, como a vida, a liberdade, a defesa, a honra. Adquiridos são os que decorrem de ato lícito próprio, ou de ato de terceiro, como o direito de propriedade, o direito de crédito, os direitos de família.

Pode-se afirmar que os direitos congênitos estão incorporados aos seres humanos de tal forma que possuem a característica da indisponibilidade. Já os direitos adquiridos, como o próprio nome já faz supor, são aqueles que estão a disposição de seus titulares, podendo ser objeto das relações jurídicas.

Atualmente, o Direito Público é composto, principalmente, pelo Direito Constitucional, pelo Direito Administrativo, pelo Direito Tributário, pelo Direito Penal, pelo Direito Ambiental, pelo Direito Internacional (Público e Privado), pelo Direito Agrário e pelo Direito Processual (Civil e Penal). Já o Direito Privado é compreendido pelo Direito Civil, pelo Direito Empresarial (antigo Direito Comercial), pelo Direito do Consumidor, pelo Direito Marítimo e pelo Direito do Trabalho. Washington de Barros Monteiro (2009, p. 09) faz uma importante distinção entre eles:

Direito público é o destinado a disciplinar os interesses gerais da coletividade (publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat). Diz

respeito à comunidade, estruturando-lhe organização, serviços, tutela dos direitos individuais e repressão dos delitos. Direito privado, por seu turno, é o conjunto de preceitos reguladores das relações dos indivíduos entre si (privatum, quod ad singulorum utilitatem).

No presente trabalho, a análise recairá sobre o Direito Civil. Como se observa adiante, a ideia de subdivisão do Direito em Público e em Privado, ainda que para facilitar o estudo da disciplina jurídica, está superada, portanto, longe de restringir um ramo do direito em totalmente público ou totalmente privado, principalmente, em virtude da constitucionalização do direito civil.

2.2 Codificação e Descodificação do Direito Civil

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A condensação realiza-se por dois processos: a) a consolidação; b) a codificação. Pelo primeiro, procede-se à justaposição das normas vigentes, articulando-as sob determinada orientação. Pelo segundo, não se aproveitam apenas as leis existentes, mas se fazem eliminações, adaptações e inovações. Elabora-se, numa palavra, obra metódica, sistemática e inovatória.

Pelo já exposto, fica nítida a diferença entre um processo mais simples que é uma consolidação e um processo um pouco mais complexo que é uma codificação. O primeiro tem por função reorganizar os textos legislativos existentes sobre uma determinada matéria, suprimindo os já revogados e condensando-os em um único texto. O exemplo mais notório no Brasil é a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT. Não há elaboração de normas, no máximo, a modificação de textos legislativos já existentes. O segundo tem por função disciplinar fundamentalmente e completamente algum ramo do direito, possuindo as seguintes características: unidade, sistematização e exclusividade. Dessa forma, a codificação é responsável por reunir todas as regras relativas a um ramo do direito, subdividindo-as e organizando-as por matérias e derrogando as disposições gerias até então vigentes.

Novamente nas palavras de Orlando Gomes (2009, p. 62): “um Código é,

em sua noção histórica, um sistema de regras formuladas para reger, durável e plenamente, a conduta setorial de sujeitos de direito”. Da análise dessa definição,

podemos extrair a principal característica atinente a todo e qualquer código, qual

seja, a sua sistematização. “O Código Civil foi o estatuto orgânico da vida privada,

elaborado para dar solução a todos os problemas de vida de relação dos particulares. Não é mais. A olhos vistos, perdeu a generalidade e a completude”

(GOMES, p. 64).

Além disso, pode-se perceber que o autor afirma que a plenitude dos códigos, isso é, a sua capacidade de resolver todos os problemas da vida privada, só pode ser assim considerada em sua noção histórica. Isso porque, a intensa transformação do mundo contemporâneo, com o surgimento de inúmeras problemáticas a cada dia, torna impossível a imutabilidade e a plenitude dos códigos.

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O primeiro Código Civil moderno e que inspirou os demais Códigos Civis atuais foi o Code Civil des Français, de 1804, que permanece até hoje regulando a

vida jurídica do povo francês. A respeito da utilidade das codificações, Washington de Barros Monteiro (2009, p. 49) assevera:

Sérias as divergências doutrinárias acerca dessa questão de alta filosofia legislativa. Discute-se realmente qual o sistema preferível: deixar que o direito nacional se desenvolva livremente, por meio de leis esparsas, na medida das exigências sociais, ou reuni-los desde logo num complexo volumoso de normas, contendo todas as instituições úteis ao país.

De um lado, a Escola Histórica (alemã), para qual a codificação, na medida em que proporciona uma maior estabilidade às normas, é responsável por engessar e conter o desenvolvimento natural do sistema jurídico. Seu maior defensor foi Savigny, que, assim como Gabba, proclamava que as codificações colocariam em risco as indagações a respeito dos institutos jurídicos, dificultando o seu desenvolvimento natural, pois, uma vez codificados, passavam a ser

ultrapassados na medida em que ocorriam mudanças na sociedade. “Afirmava

Savigny que os códigos são fossilizações do direito, constituem algo morto, que

impede o desenvolvimento ulterior” (BARROS, 2009, p. 50). Portanto, tal escola defendia a manutenção do direito consuetudinário, sendo contrária ao racionalismo decorrente dos ideais iluministas.

Do outro, a Escola da Exegese (francesa), na qual o Direito Civil deveria servir aos ideais da sociedade burguesa do séc. XVIII e início do séc. XIX, seguindo os dogmas iluministas do individualismo e do racionalismo. Assim sendo, a codificação seria bastante útil, tanto para superar a confusão de conceitos e as obscuridades decorrentes do direito consuetudinário, quanto para fortalecer o poder do Estado, na medida em este seria o responsável pela elaboração e pela fiscalização da obediência às codificações.

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ordem jurídica são representados por princípios. Como se observa adiante, neste trabalho, há uma intensa relação entre princípios, conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais.

Foi nesse contexto que começaram a surgir os chamados microssistemas, na tentativa de regular as novas situações sociais que se apresentavam ao legislador. O modelo estritamente “hermético” adotado pelo

legislador do nosso antigo Código Civil não foi capaz de proporcionar que tal código acompanhasse as mudanças sociais ocorridas ao longo do tempo. Assim sendo, os

“minicódigos” e os microssistemas passaram a ter uma importância cada vez maior, na medida em que eram responsáveis pela regulação da nova realidade social não imaginada pelo legislador do antigo Código.

A ideia de um direito privado descodificado surgiu na Itália no pós-Segunda Guerra, através do jurista Natalino Irti. A sociedade burguesa, oriunda do ideal Iluminista que apregoava a interferência estatal de forma negativa, ou seja, apenas para garantir-lhe a liberdade, passou a ceder lugar a uma sociedade que cobrava do Estado uma postura positiva, visando a concretude dos direitos sociais. Grupos sociais que vivenciaram as agruras do pós-guerra passaram a exigir uma atuação mais expressiva por parte do Estado. Esta atuação se deu, justamente, pela elaboração de microssistemas mais condizentes com a realidade da sociedade do que o estático Código Civil.

Para se ter uma ideia da importância dos chamados microssistemas para a sociedade europeia basta ter em mente o déficit habitacional ocasionado pela Segunda Guerra Mundial. Os entraves provocados pela regra da autonomia privada foram superados com a promulgação de novas leis do inquilinato, as quais eram muito mais avançadas e condizentes com a realidade social vigente.

Observe-se o comentário sobre a evolução do processo de descodificação de Luciano Benetti Timm, em seu artigo intitulado “Descodificação, constitucionalização e reprivatização no Direito Privado: O código civil ainda é útil?”:

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O fenômeno da descodificação do direito privado brasileiro foi acompanhado da criação de diversos microssistemas que objetivavam a regulação de matérias específicas. O Código Civil deixou de ser o único instrumento regulatório da nossa sociedade, passando a dividir esta função com outros códigos e microssistemas. A busca incessante de nossos legisladores de regular todas as

possíveis situações fáticas do dia a dia deu origem ao chamado “inchaço legislativo”

que, assim como a ausência normas, também acarreta a ineficácia do sistema jurídico.

Neste diapasão é que estão inseridas as cláusulas gerais, que possuem em seu conteúdo a função de evitar a elaboração de normas com o escopo de regularem situações específicas, tendo em vista o seu caráter genérico que adapta uma norma à situação de fato. O modelo interpretativo baseado nas cláusulas gerais está intimamente relacionado com o denominado direito civil constitucional.

Entretanto, a ideia de Código Civil resta consolidada, tendo em vista a sua importância para a sistematização das normas, para unificação dos usos e dos costumes da população e para a consolidação da unidade política da nação. O que se verifica, na atualidade, é a nossa Constituição, através de suas regras e princípios, fazendo uma ponte de integração entre o Código Civil e os vários microssistemas existentes, a saber, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90); o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90); o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03); o Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.641/03), o Estatuto da Juventude (Lei nº 12.852/13), dentre outras leis.

2.3 Constitucionalização do Direito Civil

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O conceito de Constitucionalização do Direito Civil, também conhecido por Neoconstitucionalismo ou Direito Civil Constitucional, nas palavras de Flávio Tartuce (2012, p. 54):

(...) à primeira vista poderia parecer um paradoxo. Mas não é. O direito é um sistema lógico de normas, valores e princípios que regem a vida social, que interagem entre si de tal sorte que propicie segurança – em sentido lato

– para os homens e mulheres que compõem uma sociedade. O Direito Civil Constitucional, portanto, está baseado em uma visão unitária do ordenamento jurídico.

A constitucionalização do direito privado não ocasiona a perda da autonomia da vontade das partes, pelo contrário, a existência de normas cogentes a regular situações da vida cotidiana, tais como a celebração de contratos, antes de restringir possibilidades de pactuação entre os contratantes, protege àquele que se encontra em situação de inferioridade (econômica ou técnica), equilibrando a relação jurídica. Para Gustavo Tepedino (2008, p. 01): é “imprescindível e urgente uma

releitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição”.

Os princípios basilares do Novo Código Civil Brasileiro, a saber, a sociabilidade, a eticidade e a operabilidade estão em conformidade com esta nova ótica da visão unitária do ordenamento jurídico. Tais princípios são de grande importância na consolidação do Direito Civil Constitucional, principalmente, no que diz respeito a proteção dos objetivo constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social.

Carlos Roberto Gonçalves conceitua cada um desses princípios basilares do Código Civil de 2002 da seguinte forma (2011, p. 43):

O princípio da sociabilidade reflete a prevalência dos valores coletivos sobres os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana. Há uma convergência para a realidade contemporânea, com a revisão dos direitos e deveres dos cinco principais personagens do direito privado tradicional: o proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o testador.

O princípio da eticidade funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores. Prioriza a equidade, a boa-fé, a justa causa e demais critérios éticos. Confere maior poder ao juiz para encontrar a solução mais justa ou equitativa. Nesse sentido, é posto o princípio do equilíbrio econômico dos contratos como base ética de todo o direito obrigacional.

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encontra-se na adoção do critério seguro para distinguir prescrição de decadência, solucionando, assim, interminável dúvida.

A partir da análise dos conceitos acima, podemos afirmar que o princípio da eticidade representa os valores de uma sociedade, buscando concretizar o ideal de justiça, de retidão, proibindo, dessa maneira, o exercício abuso do direito subjetivo. O princípio da sociabilidade defende a dignidade do indivíduo está acima de questões patrimoniais; a ideia do pacta sunt servanda já não reina mais absoluta

nos negócios jurídicos. Por derradeiro, o princípio da operabilidade é o que está mais intimamente ligado ao método interpretativo das cláusulas gerais, uma vez que afasta a ideia de completude do Código Civil anterior, aceitando a interferência de elementos externos na incansável busca pela Justiça.

Para Flávio Tartuce (2012, p. 59):

Um meio de irradiação dos direitos fundamentais para as relações privadas seriam as cláusulas gerais (Generalklausel) que serviriam de ‘porta de

entrada’ (Einbruchstelle) dos direitos fundamentais no âmbito do Direito

Privado. Trata-se daquilo que se denomina eficácia horizontal mediata, pois há uma ponte infraconstitucional para as normas constitucionais: as cláusulas gerais. Tal mecanismo é possibilitado pelo Código Civil de 2002.

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3. FUNÇÃO HERMENÊUTICA DAS CLÁUSULAS GERAIS NO DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL

As Cláusulas Gerais foram instituídas no âmbito do novo Código Civil Brasileiro com o objetivo de conferir uma maior discricionariedade ao intérprete (juízes) quando da interpretação do texto legal, restringindo o exercício do direito subjetivo quando se caracteriza abuso da posição jurídica. Debateu-se a abrangência de atuação das chamadas normas vagas ou abstratas, consubstanciadas nos conceitos jurídicos indeterminados e nas cláusulas gerais.

Segundo ensinamento das palavras de Karl Engisch (2008, p. 78):

“Cláusulas gerais são aquelas que se contrapõem a uma elaboração casuística das

hipóteses legais”. Não obstante, apesar de as cláusulas gerais serem uma

superação do rigorismo formal, sua utilização pelo intérprete deve obedecer alguns critérios, não podendo a criatividade na atividade judiciária desvirtuar o espírito da norma, ferindo, dessa maneira o Princípio da Separação dos Poderes.

O juiz decidirá o caso concreto a partir da interpretação das cláusulas gerais, levando em consideração, além de sua experiência e cultura, também o fato, o valor e a norma que permeiam a sociedade. Porém, uma indagação mais complexa surge acerca da abrangência da utilização da técnica interpretativa das cláusulas gerais, ou seja, em quais situações estará o juiz autorizado a se utilizar desse instrumento e, por sua vez, qual o grau de adaptação de uma norma será permitido para se resolver o caso concreto, que eventualmente se faça presente, sem que ocorra desvirtuamento do espírito da lei. Portanto, se faz necessário identificar o liame que separa a constitucional e estimulada criatividade judiciária da inconstitucional e desestimulada invasão de competência no âmbito legislativo.

3.1 Métodos de Interpretação do Direito

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e sim que os utilizem em harmonia. De acordo com Cristiano Chaves (2008, p. 55):

“ressalte-se que as referidas técnicas interpretativas não se excluem, devendo ser

procedida a interpretação a partir da combinação de diferentes critérios”. Assim,

chegarão ao sentido real da norma, ou, ao menos, no seu sentido mais próximo. A importância e a necessidade da interpretação das normas são incontroversas. É indispensável para a aplicação do Direito. Tanto o magistrado, na prolação de sua sentença, quanto os outros operadores do direito (advogados, membros do Ministério Público, estudantes etc) precisam interpretar os textos legais, extraindo, então, a sua norma. Para Silvio Rodrigues (2007, p. 23): “dá-se o nome de interpretação à operação que tem por objeto precisar o conteúdo exato de uma

norma jurídica”.

Para Tercio Sampaio (2008, p. 252), os métodos de interpretação são:

“Regras técnicas que visam à obtenção de um resultado. Com elas procuram-se orientações para os problemas de decidibilidade dos conflitos. Esses problemas são

de ordem sintática, semântica e pragmática”.

A maior parte da doutrina, a exemplo do autor Cristiano Chaves (2008, p. 55), classifica os critérios interpretativos em dois grandes grupos, tendo como referência as fontes ou os meios. No que diz respeito às fontes, a interpretação poderá ser: jurisprudencial; doutrinário e autêntica. Já no que se refere aos meios, a interpretação poderá ser: gramatical ou literal; lógica; histórica; sociológica e sistemática.

A interpretação jurisprudencial é aquela realizada pelos Tribunais pátrios. Tem por característica a sua ausência de força executiva, ou seja, sua interpretação não vincula os juízes de 1º grau, apenas servindo de orientação para estes. Já a interpretação doutrinária é aquela realizada pelos estudiosos da ciência jurídica. Também não exercem nenhuma força vinculante aos magistrados, no que pese sua importância. Por fim, a interpretação autêntica é aquela realizada pelo próprio legislador, através de outro ato normativo, com o objetivo de interpretar norma já editada, mas que possui imperfeição, ambiguidade ou imprecisão em seu texto legal.

(26)

Sob o nome de “Escola da Exegese” entende-se aquele grande movimento que, no transcurso do século XIX, sustentou que na lei positiva, e de maneira especial no Código Civil, já se encontra a possibilidade de uma solução para todos os eventuais casos ou ocorrências da vida social. Tudo está em saber interpretar o Direito. Dizia, por exemplo, Demolombe que a lei era tudo, de tal modo que a função do jurista não consistia senão em extrair e desenvolver o sentido pleno dos textos, para apreender-lhes o significado, atingir as grandes sistematizações.

Dessa forma, os usos e costumes não poderiam ser utilizados para interpretar os textos legais por serem considerados fatos externos ao Código Civil. Em consonância com tal entendimento, a interpretação era vista apenas sob o prisma gramatical. Assim, de acordo com Miguel Reale (2012, p. 279), em um momento inicial, o critério literal possuía importância maior em relação aos outros:

O primeiro dever do intérprete é analisar o dispositivo legal para captar o seu pleno valor expressional. A lei é uma declaração da vontade do legislador e, portanto, deve ser reproduzida com exatidão e fidelidade. Para isto, muitas vezes é necessário indagar do exato sentido de um vocábulo ou do valor das proposições do ponto de vista sintático.

Significativo exemplo da importância da utilização do método gramatical é ilustrado por Tercio Sampaio (2008, p. 253): “se a norma prescreve: ‘a investigação

de um delito que ocorreu num país estrangeiro não deve levar-se em consideração pelo juiz brasileiro’, o pronome que não deixa claro se reporta a investigação ou a

delito”. Tal dúvida referida pelo autor, somente será elucidada se utilizado o método gramatical para enfrentar os problemas sintáticos. No que pese a importância que o critério literal ainda hoje exerce para a interpretação normativa, ver-se que é desarrazoável utilizá-lo de forma exclusiva, sendo necessário, portanto, combiná-lo com os outros métodos interpretativos.

Em um segundo momento, ganha força o critério lógico-sistemático. Para o autor Miguel Reale (2012, p. 279):

Após a perquirição filológica, impõe-se um trabalho lógico, pois nenhum dispositivo está separado dos demais. Cada artigo de lei situa-se num capítulo ou num título e seu valor depende de sua colocação sistemática. É preciso, pois, interpretar as leis segundo seus valores linguísticos, mas sempre situando-as no conjunto do sistema. Esse trabalho de compreensão de um preceito, em sua correlação com todos os que com ele se articulam logicamente, denomina-se interpretação lógico-sistemática.

(27)

transcendendo a letra fria da lei, com o fito de fixar o alcance e extensão da lei a partir das motivações políticas, históricas e ideológicas (CHAVES, 2008, p. 55). Esta, nas palavras de Tercio Sampaio (2008, p. 256):

Quando se enfrentam as questões de compatibilidade num todo estrutural, falemos em interpretação sistemática. A pressuposição hermenêutica é a da unidade do sistema jurídico do ordenamento. Há aqui um paralelo entre a teoria das fontes e a teoria da interpretação. Correspondentemente à organização hierárquica das fontes, emergem recomendações sobre a subordinação e a conexão das normas do ordenamento num todo que culmina pela primeira norma-origem do sistema, a Constituição. Para a identificação dessa relação, são nucleares as noções de validade, vigência, eficácia e vigor ou força.

O desenvolvimento tecnológico ocorrido na França do século XIX ocasionou um descompasso entre a lei, codificada por Napoleão Bonaparte, e a vida social, com particularidades não previstas pelo Código Civil de 1804. Para Miguel Reale (2012, p. 281):

As pretensões de “plenitude legal” da Escola de Exegese pareceram pretensiosas. A todo apareciam problemas que os legisladores do Código Civil francês não haviam cogitado. Por mais que os intérpretes forcejassem em extrair dos textos uma solução para a vida, a vida sempre deixava um resto. Foi preciso, então, excogitar outras formas de adequação da lei à existência concreta.

Foi sob a inspiração da Escola Histórica de Savigny que surgiu outro caminho, a interpretação histórica. Assim, “uma lei nasce obedecendo a certos

ditames, a determinadas aspirações da sociedade, interpretadas pelos que a elaboram, mas o seu significado não é imutável” (REALE, 2012, p. 282). Portanto, o

critério histórico é aquele que tenta desvendar o espírito da lei levando em consideração a origem do texto normativo, analisando o seu projeto de lei, a sua justificativa, exposição de motivos, pareceres, discussões, as condições culturais e psicológicas que resultaram na elaboração da norma.

O critério sociológico é aquele que procura adaptar a lei às exigências atuais e concretas da sociedade, para que não haja um abismo entre o disposto nas leis e a realidade da sociedade. Importantes distinções entre os métodos histórico e sociológico, além da dificuldade de percebê-las, são observadas nas precisas palavras de Tercio Sampaio (2008, p. 262):

(28)

gêneses no tempo. Na prática, porém, é difícil sustentar a distinção. A busca do sentido efetivo na circunstância atual ou no momento de criação da norma mostra que ambos se interpenetram. Daí, as vezes, a ideia de uma interpretação histórico-evolutiva. É preciso ver as condições específicas do tempo em que a norma incide, mas não podemos desconhecer as condições em que ocorreu sua gêneses.

Portanto, todos os métodos hermenêuticos se mostram importantes para a interpretação do texto normativo. Por isso a necessidade de conjugá-los, retirando de cada um deles sua parcela de importância. Como visto, o critério gramatical refere-se ao significado das palavras; o critério lógico refere-se a disposição das palavras de forma ordenada em uma frase (artigo, seção, capítulo ou título); o critério sistemático refere-se a unidade do ordenamento jurídico, principalmente, em observância aos preceitos constitucionais.

Por fim, tanto o critério histórico quanto o critério sociológico buscam a finalidade da norma em um determinado momento. O primeiro refere-se com a origem do texto, isso é, remonta a tempos idos e o espírito da lei àquela época. Já o segundo refere-se com a interpretação das normas de acordo com o momento atual da sociedade.

3.2 Métodos de Integração do Direito

Os métodos de integração da norma jurídica são a analogia, os costumes, os princípios gerais do direito e a equidade, conforme se depreende da análise, respectivamente, dos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB): “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a

analogia, os costumes e os princípios gerais do direito” e “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

O juiz não poderá se negar a julgar um caso concreto devido à ausência

legislativa. Assim é o que diz o art. 126 do nosso Código de Processo Civil: “O juiz

não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo,

recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito”. Importante se

faz esclarecer qual a ordem deve ser adotada na utilização desses métodos integrativos.

(29)

alguns juristas, a exemplo de Sílvio Rodrigues (1994, p. 23): “No silêncio da lei,

portanto, deve o julgador, na ordem mencionada, lançar mão desses recursos, para não deixar insolvida a demanda”.

Em que pese o entendimento em contrário, não se pode admitir que os princípios gerais do direito que foram transpostos para os princípios constitucionais fundamentais, de acordo com a atual ideia de Direito Civil-Constitucional, sejam adotados de forma subsidiária, somente após constatada a inaplicabilidade da analogia e dos costumes. Assim é o entendimento da visão moderna do Direito Civil, da qual é adepto o jurista Flávio Tartuce (2012, p 14):

Em síntese, compreendemos que aqueles que seguem a escola do Direito Civil Constitucional, procurando analisar o Direito Civil a partir dos

parâmetros constitucionais, realidade atual do Direito Privado brasileiro, não podem ser favoráveis à aplicação obrigatória da ordem constante no art. 4º da Lei de Introdução de forma rígida e incontestável. Esse último entendimento é o que deve prevalecer na visão contemporânea do Direito Civil Brasileiro.

O uso da analogia é permitido e incentivado quando um caso concreto não disciplinado em lei é semelhante a outro que possui previsão legal, no qual a utilização desta previsão legal é bastante para solucionar o caso concreto cravado de lacuna ou de obscuridade legislativa. Para o Flávio Tartuce (2012, p. 14):

A analogia é a aplicação de uma norma próxima ou de um conjunto de normas próximas, não havendo uma norma prevista para um determinado caso concreto. Dessa forma, sendo omissa uma norma jurídica para um dado caso concreto, deve o aplicador do direito procurar alento no próprio ordenamento jurídico, permitida a aplicação de uma norma além do seu campo inicial de atuação.

Do exposto acima, percebe-se que a analogia poderá ser legis ou juris. A

analogia será legis quando for necessário recorrer a apenas uma norma jurídica

para solucionar o caso concreto sem previsão legal. Já a analogia juris é aquela na

qual se faz necessário recorrer a um conjunto de normas para que haja a solução do caso concreto.

Para que se possa recorrer ao uso da analogia, se faz necessário a ocorrência de três requisitos, segundo Washington de Barros (2009, p. 42):

(30)

requer-se esse ponto comum às duas situações (a prevista e a não prevista), haja sido o elemento determinante ou decisivo na implantação da regra concernente à situação considerada pelo julgador. Verificado o simultâneo concurso desses requisitos, legitimado está o emprego da analogia, o que não deixa de ser lógico, pois fatos semelhantes exigem regras semelhantes (ubi eadem ratio legis ibi eadem dispositivo).

Um exemplo bastante elucidativo da aplicação da analogia é dado por Flávio Tartuce (2012, p. 15):

O Decreto n. 2.682, de 7 de dezembro de 1912, é sempre mencionado como interessante exemplo de aplicação da analogia. Destinado a regular a responsabilidade das companhias de estrada de ferro por danos causados a passageiros e a bagagens, passou a ser aplicado, por analogia, a todas as espécies de transportes terrestres (bonde, metrô, ônibus e até em acidentes ocorridos em elevadores) à falta de legislação específica.

Por fim, cabe esclarecer que integração por analogia é diferente de interpretação extensiva. Enquanto a primeira é um recurso a outra norma do sistema jurídico para solucionar caso concreto carente de legislação específica, a segunda consiste em uma extensão do âmbito de atuação de uma norma jurídica, mediante uma interpretação menos literal. Ainda, normas excepcionais não admitem analogia ou interpretação extensiva, como aquelas que restringem a autonomia privada.

Os costumes são as práticas e os usos reiterados (elemento externo) por membros de uma sociedade, tidos como de observância obrigatória por todos (elemento interno). O elemento externo está relacionado com a uniformidade e com a continuidade de práticas adotadas pelos indivíduos ao longo do tempo. Já o elemento interno está relacionado com convicção da obrigatoriedade dessas práticas, ou seja, com a ideia de que devem ser obedecidas.

Para Caio Mário (2010, p. 44), o costume difere da lei quanto à origem, posto que essa nasce de um processo legislativo, tendo origem certa e determinada, enquanto o costume tem origem incerta e imprevista:

Distinguem-se, ainda, no tocante à forma, pois a lei apresenta-se sempre como texto escrito, enquanto o costume é direito não escrito, consuetudinário, salvo no caso de sua consolidação ou de recolhimento em repositórios em que possam ser consultadas. Mesmo nesta hipótese, como se deu na França, antes da codificação, com as regiões chamadas “países

de direito costumeiro” e as coletâneas intituladas Coûtumes de Paris,

conserva a característica de direito não escrito.

(31)

costumes contra a lei (contra legem). O costume segundo a lei é aquele que se

encontra expressamente referido em lei, a exemplo, respectivamente, dos arts. 13 e

187 do Código Civil: “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do

próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou

contrariar os bons costumes” e “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestadamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social ou pelos bons costumes”. Neste caso não há que se falar em

integração, mas tão somente em subsunção, pois a própria norma jurídica é aplicada.

O costume na falta da lei é aplicado quando a lei for omissa, conforme prevê o art. 4º da Lei de Introdução. Trata-se, evidentemente, de um método integrativo das normas. Exemplo

Por fim, o costume contra a lei é aquele que se opõe à lei. Ressalta-se que uma lei somente pode ser revogada por outra, portanto, mesmo que a lei não possua mais eficácia, ou seja, tenha entrado em desuso as mudanças ocorridas pela sociedade, não poderá ser modificada pelo costume. Neste caso não que se falar em integração. Importante julgado do STJ será colacionado a seguir:

(32)

Observa-se julgado do STJ sobre o efeito integrador dos costumes, ou seja, o costume praeter legem, será colacionado a seguir:

"Embargos de declaração. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento a agravo de instrumento por ausência de certidão de intimação do acórdão recorrido. Súmula n.º 223 desta corte superior. Artigo 544, § 1.º , do Código de Processo Civil. Artigo 5.°, Inciso II, da Constituição Federal. Omissão e obscuridade inexistentes. Não há choque entre a Súmula n.º 223 do Superior Tribunal de Justiça e o princípio insculpido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal. A repetição constante de certos julgados, de forma pacífica, surgida com a necessidade de regular uma situação não prevista de forma expressa na legislação, encerra um elemento de generalidade, pois cria o que se pode chamar de costume judiciário, que, muitas vezes, dá ensejo à edição, pelos Tribunais, dos Enunciados de Súmula, os quais. embora não tenham caráter obrigatório, são acatados em razão dos princípios da segurança jurídica e economia processual. Se de modo uniforme o órgão colegiado tem entendido ser necessária a certidão de intimação do acórdão recorrido (Súmula n.º 223/Superior Tribunal de Justiça), assim o faz levando em conta os pressupostos recursais, no que se refere às peças essenciais, uma vez que, como se sabe, o questionado artigo do Código de Processo Civil não apresenta hipóteses numerus clausus, mas é apenas exemplificativo. A decisão judicial volta-se para a

composição de litígios. Não é peça teórica ou acadêmica. Contenta-se o sistema com o desate da lide segundo a res iudicium deducta, o que se deu,

no caso ora em exame. 'E incabível. nos declaratórios, rever a decisão anterior, reexaminando ponto sobre o qual já houve pronunciamento. com inversão, em consequência, do resultado final. Nesse caso, há alteração substancial do julgado, o que foge ao disposto no art. 535 e incisos do CPC' (RSTJ 30/412). Embargos de declaração rejeitados. Decisão unânime" (STJ, Embargos de Declaração no Agravo Regimental 280.797/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. Domingos Franciulli Netto, j. 16.11.2000, DJe 05.03.2001, p. 147).

Os princípios gerais do direito são regras de aceitação universal que se encontram enraizadas na consciência dos povos, ainda que não escritas. Não se confundem com os adágios ou brocardos, pois estes não possuem valor jurídico, mas somente pedagógico. Os princípios gerais do direito são, para Miguel Reale (2012, p. 303): “verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais

admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis”.

Conceito de princípios gerais do direito pode ser vislumbrado nas lições de Flávio Tartuce (2012, p. 22):

(33)

prisma da sua origem, os princípios são abstraídos das normas jurídicas, dos costumes, da doutrina, da jurisprudência e de aspectos políticos, econômicos e sociais.

Destaca-se que o Código Civil de 2002 consagra três princípios basilares, conforme se depreende da exposição de motivos, elaborada por Miguel Reale, os quais já foram objeto de estudo do presente trabalho: o princípio da eticidade, o princípio da sociabilidade e o princípio da operabilidade.

No que se refere à equidade, alguns juristas não a consideram método de integração das normas jurídicas, mas mero recurso auxiliar da aplicação desta. Porém, trata-se de concepção clássica do Direito Civil. No chamado Direito Civil Constitucional, a equidade passou a ser tratada como fonte indireta do direito, principalmente diante dos novos regramentos norteadores dessa atual codificação.

Para Flávio Tartuce (2012, p. 24), a equidade pode ser conceituada como:

(...) o uso do bom-senso, a justiça do caso particular, mediante a adaptação razoável da lei ao caso concreto. Na concepção aristotélica é definida como a justiça do caso concreto, o julgamento com a convicção do que é justo.

Ora, como pelo Código Civil de 2002 é comum essa ingerência, não há como declinar a condição de equidade como fonte jurídica, não formal, indireta e mediata.

Dessa forma, os métodos de integração das normas jurídicas são de suma importância para que as lacunas legislativas possam ser preenchidas e para que ocorra, consequentemente, a aplicação do Direito. Para tanto, verifica-se a importância do magistrado para que o Direito não se torne lacunoso e insuficiente para cumprir as suas funções basilares de regulação da sociedade, de organização estatal e de pacificação social.

3.3 O Papel Criador do Juiz na Interpretação das Cláusulas Gerais

(34)

Em uma época na qual há questionamento sobre a função do Poder Judiciário para assegurar a pacificação social através de uma justa distribuição da jurisdição é que surgem mecanismos legislativos com a finalidade de concretizar as normas abertas, efetivando as medidas judiciais e assegurando os direitos fundamentais.

Para Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2003, p. 96):

Em um momento histórico em que o direito se vê impossibilitado em acompanhar a dinâmica dos fatos e da tecnologia reinante em nossos dias, da vertiginosa rapidez das mudanças de paradigmas sociais, o legislador fez a opção pela técnica das cláusulas gerais, tornando o sistema mais aberto, que visa a justiça do caso, ao contrário da opção pela casuística adotado pela codificação revogada.

Para Gustavo Tepedino (2004, p. 185), as cláusulas gerais já vinham sendo utilizadas, ainda que modestamente, no ordenamento brasileiro antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002:

(...) ainda no que tange à técnica interpretativa, não pode o operador manter-se apegado à necessidade de regulamentação casuística, já que o legislador vem alterando a sua forma de legislar, preferindo justamente as cláusulas gerais, como ocorre repetidas vezes na Constituição, no Código de Defesa do Consumidor, no Estatuto da Criança e do Adolescente, e mesmo no Código Civil de 2002. Acostumado ao estilo linear e elegante do Código Civil de 1916, no qual todas as situações-tipo eram previstas pormenorizada e detalhadamente, corre-se o risco de relegar à ineficácia as cláusulas gerais -- não só aquelas introduzidas na Constituição, mas as inúmeras normas com a mesma técnica de que se valem os estatutos.

Do exposto, ressalta-se que as cláusulas gerais somente se firmaram como método interpretativo do Direito Civil-Constitucional se houver uma forte atuação dos magistrados, interpretando e aplicando tais normas no decorrer de suas atividades jurisdicionais.

Em clara crítica à adoção das cláusulas gerais, Gustavo Tepedino (2004, p. 108) afirma que:

(35)

De fato, a tarefa do juiz se tornou ainda mais árdua, uma vez que não basta analisar se há uma subsunção da norma ao caso concreto; deve ir muito além disso. Na incessante busca pelo ideal de justiça, o juiz não pode se omitir, devendo aplicar não só a analogia (forma de integração das normas, com o objetivo de preencher as lacunas da lei), mas também deve estar atento às cláusulas gerais (método interpretativo das normas, com o objetivo de, a partir de normas vagas ou abertas, solucionar problemas que não estão casuisticamente delimitados por uma norma especifica).

O legislador e o intérprete devem ter uma maior sensibilidade na elaboração e na interpretação de leis, tendo em vista a complexidade e imprevisibilidade das relações sociais, devendo o sistema jurídico ser dotado de um viés aberto e mutável de modo a garantir a justiça social.

Nos dizeres de Judith Martins-Costa (2000, p. 274):

As cláusulas gerais constituem o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, das normas constitucionais e de diretivas econômicas, sociais e políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento positivo.

Complementados por Nelson Nery, que ressalta a maior concretude das cláusulas (2002, p. 5 a 7):

As cláusulas gerais têm função instrumentalizadora [...], porque vivificam o que se encontra contido, abstrata e genericamente, nos princípios gerais de direito e nos conceitos legais indeterminados, são mais concretas e efetivas do que esses dois institutos.

Pondera Alberto Gosson Jorge Júnior (2003, p. 62):

Com a doutrina do ‘direito livre’, preparou-se o terreno para a utilização das

cláusulas gerais como instrumento de conformação do sistema jurídico, para o preenchimento das lacunas presentes no ordenamento, que já não mais necessitava sustentar a ficção a uma plenitude não encontrada na realidade dos fatos.

(36)

premissas genéricas, assim, o legislador não delimita o sentido e o alcance da norma, tarefa esta destinada ao intérprete (juiz).

Nas cláusulas gerais há uma intencional imprecisão dos preceitos normativos, tudo isso para que o juiz possua um campo de atuação maior, ou seja, uma discricionariedade para amoldar a norma jurídica ao caso concreto que se faça presente. A resposta do problema se faz a partir de construções doutrinárias, e não de forma imediata. Por tal motivo, exige-se mais dos magistrados. Uma árdua tarefa em busca da interpretação e da aplicação dessas normas vagas, sendo, portanto, necessária uma postura criadora e inovadora na ordem jurídica.

Para Judith Martins-Costa (2000, p. 298):

As cláusulas gerais atuam como metanormas, enviando o juiz a critérios aplicativos determináveis. Não se trataria de apelo à discricionariedade, mas sim de envio para valorações objetivamente válidas no ambiente social. Isto é, do ponto de vista legislativo, as cláusulas genéricas seriam disposições normativas com linguagem aberta. Há a possibilidade de circunscrever, em determinada hipótese legal, uma ampla variedade de casos cujas características específicas serão formadas por via jurisprudencial e não legal.

Para Judith Martins-Costa, não seria absurdo afirmar que as cláusulas gerais não são gerais, mas sim vagas (2000, p. 275). Para ela há que se ter em mente a diferença entre os enunciados gerais, os ambíguos e os vagos (200, p. 301-303):

Geral é aquele enunciado que vale para todos os objetos pertencentes a uma determinada classe, sem exceção. Um enunciado é genérico quando não se refere à presença de especificação. Ambíguo, por sua vez, é o que, em razão da homonímia, pode assumir mais de um significado sem que o contexto em que empregado permita classificar em tal ou qual significado está o mesmo sendo compreendido (por exemplo, a boa-fé, quando não explicado se referida sua feição objetiva ou subjetiva). Enunciado vago é aquele cuja área varia segundo o universo do discurso tido em consideração. Há a imprecisão do significado. Por derradeiro, há a necessidade de indicação do contexto em que opera e qual pode ser sua conotação. O uso de tal enunciado apresenta, além das hipóteses centrais e não controversas, alguns casos limites. As cláusulas gerais não são, necessariamente, gerais, genéricas ou ambíguas, mas sempre são vagas.

(37)

gerais são expressões vagas que possuem por finalidade a concretude dos princípios gerais do direito no caso concreto.

Além de ser conceitualmente importante distinguir as cláusulas gerais do conceito jurídico indeterminado, deve-se saber identificá-las no nosso Código Civil. Além disso, deve-se ter em mente que a função atípica de natureza legislativa do Poder Judiciário limita-se a elaboração do regimento interno de seus tribunais, dessa forma, o maior desafio dos juízes e dos tribunais será conservar o espírito da lei quando do preenchimento do espaço da abstração das cláusulas gerais.

Para Judith Martins-Costa (2000, p. 326):

Todos os conceitos jurídicos indeterminados se referem à realidade fática, à descrição de um fato, e que, podem ser precisados num determinado momento, ter o seu significado tornado preciso com base nas regras de experiência, às quais o juiz deve recorrer por força de mandamento legal (mais precisamente, o disposto no artigo 335 do Código de Processo Civil Brasileiro), no qual dispõem que “Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial”.

Pelo exposto, percebe-se uma nítida distinção entre a cláusula geral e o conceito jurídico indeterminado. Na primeira é exigido do julgador um maior esforço intelectivo, pois, além de preencher o sentido propositadamente vago dessa norma, deve fixar a consequência jurídica advinda dessa interpretação. Já na segunda, cabe ao juiz apenas preencher o sentido, mais uma vez, propositadamente vago dessa norma, porém, a consequência jurídica dessa interpretação já está pré-estabelecida pelo legislador.

Para Nelson Nery (2002, p. 75), “Preenchido o conceito jurídico

indeterminado, a solução já está preestabelecida na própria norma legal, competindo

ao magistrado apenas aplicar a norma, sem exercer nenhuma função criadora”.

Diferente, portanto, das cláusulas gerais, pois nestas o exercício intelectivo dos magistrados é bem mais complexo.

Segundo Judith Martins-Costa (2000, p. 316):

(38)

Em face da importância das cláusulas gerais na regulação na hermenêutica do Direito Civil Contemporâneo, esclarece Alberto Gosson Jorge Júnior (2003, p. 65):

Configurado um possível impasse entre o princípio que representa um valor socialmente amadurecido e que está a pedir, não só o reconhecimento, mas a efetivação na ordem social e um ordenamento jurídico dotado de normas pontuais, que na sua estruturação sob o prisma rígido da reserva legal não contempla a possibilidade de aplicação destes valores-princípios, soltos nos anseios da sociedade, surgiriam as cláusulas gerais, elementos de conexão entre os valores reclamados e o sistema codificado, propondo-se a efetuar o elo de abertura para a introdução desses valores no ordenamento, sem ruptura da ordem positivada, sem quebra do sistema.

O Código Civil de 2002 inovou ao adotar as cláusulas gerais. No entanto, em nenhum momento disciplinou os parâmetros de atuação dos juízes para a concretude das diretrizes emanadas pelo Estado em forma de normas vagas. Assim, o poder dos magistrados aumentou de tal forma que alguns doutrinadores afirmam que as chamadas cláusulas gerais põem em risco a segurança jurídica.

Entretanto, com esteio no Direito Civil-Constitucional, as normas contidas no ordenamento jurídico brasileiro devem ser integradas e interpretadas de forma a garantir a hegemonia dos princípios constitucionais. Assim, o parâmetro aos quais os juízes estão adstritos na interpretação das cláusulas gerais é o Estado Democrático de Direito.

Para Alberto Gosson Jorge Júnior (2003, p. 89):

Destacamos que uma forma de controle da fundamentação das cláusulas gerais poderia ser encontrada em sua adequação aos princípios constitucionais. Situados no plano hierarquicamente superior, os princípios constitucionais serviriam de parâmetros, de guias para o controle da aplicação das cláusulas gerais.

Entende-se a flexibilização do Código Civil ocasionada pela adoção das cláusulas gerais não colocou em perigo a segurança jurídica, uma vez que os juízes devem fundamentar suas decisões com base na força normativa da Constituição, devendo, pois, observar os preceitos constitucionais, de modo a garantir a justiça social.

(39)

A voz do juiz não é, todavia, arbitrária, mas vinculada. Como já se viu, as cláusulas gerais promovem o reenvio do intérprete/aplicador do direito a certas pautas de valoração do caso concreto. Estas estão, ou já indicadas em outras disposições normativas integrantes do sistema (caso tradicional de reenvio), ou são objetivamente vigentes no ambiente social em que o juiz opera (caso de direcionamento). A distinção deriva da circunstância de, em paralelo ao primeiro e tradicional papel, estar sendo hoje em dia sublinhado o fato de as cláusulas gerais também configurarem normas de diretiva, assim concebidas aquelas que não se exaurem na indicação de um fim a perseguir, indicando certa medida de comportamento que o juiz deve concretizar em forma generalizante, isto é, com a função de uma tipologia social. Aí está posta, pois, a segunda grande função das cláusulas gerais, que é a de permitir a mobilidade externa do sistema.

Percebe-se, então, que na interpretação e na aplicação das cláusulas gerais, os juízes não possuíram discricionariedade a tal ponto de cometerem arbitrariedades, mas suas decisões estarão vinculadas a parâmetros preexistentes, principalmente, na Constituição Federal de 1988, confirmando o desenvolvimento de um Direito Civil-Constitucional.

Àqueles que negam a aplicação das cláusulas gerais em defesa da segurança jurídica, Plauto Faraco de Azevedo (1996:122) assevera que:

Pretende-se, com este paradigma, favorecer a segurança jurídica. A consecução deste objetivo é, no entanto, duvidosa, na medida em que, preconizando deva o juiz prescindir de questionar o significado da mensagem legal, tolhe o seu trabalho de adequação da lei aos fatos, bem como a discriminação dos diferentes resultados possíveis dele resultantes, de modo a poder optar por aquele que melhor concilie as exigências do ordenamento jurídico com a necessidade de realização da justiça do caso concreto.

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