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3 FUNÇÃO HERMENÊUTICA DAS CLÁUSULAS GERAIS NO DIREITO CIVIL-

4.3 Função social da empresa

A nova Lei de Recuperações e Falências (LRE, Lei 11.101/2005) inovou ao privilegiar a figura da recuperação judicial da empresa. E assim o fez em razão da clara função social que esta possui. Tanto para o Estado quanto para a sociedade é mais vantajoso que uma empresa em dificuldades econômico- financeiras consiga se recuperar judicialmente do que seja decretada a sua falência. Para o primeiro, em razão da arrecadação tributária. Já para o segundo, em razão da manutenção de postos de trabalho, além da circulação de riqueza promovida pela atividade empresarial. Assim, verifica-se clara relação entre o princípio da preservação da empresa e a função social que esta possui.

Segundo o art. 47 da LRE: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Em uma sucinta análise do dispositivo acima, André Santa Cruz Ramos (2012, p. 707), assim dispõe:

O dispositivo deixa claro a sua finalidade: permitir a recuperação dos empresários individuais e das sociedades empresárias em crise, em reconhecimento à função social da empresa e em homenagem ao princípio da preservação da empresa. Percebe-se, todavia, que a recuperação só deve ser facultada aos devedores que realmente se mostrarem em condições de se recuperar. A recuperação é medida, enfim, que se destina aos devedores viáveis. Se a situação de crise que acomete o devedor é de tal monta que se mostra insuperável, o caminho da recuperação lhe deve ser negado, não restando outra alternativa a não ser a decretação de sua falência.

A função social da empresa é alcançada quando observa a solidariedade (CF/88, art. 3°, inc. I), promove a justiça social (CF/88, art. 170, caput), livre iniciativa (CF/88, art. 170, caput e art. 1°, inc. IV), busca de pleno emprego (CF/88, art. 170, inc. VIII), redução das desigualdades sociais (CF/88, art. 170, inc. VII), valor social

do trabalho (CF/88, art. 1°, inc. IV), dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1°, inc. III), observe os valores ambientais (CDC, art. 51, inc. XIV), dentre outros princípios constitucionais e infraconstitucionais.

Dessa forma, para o autor Fábio Ulhoa (2010, p. 135):

Pode-se afirmar que a função social da empresa é obrigação que incide em sua atividade, ou seja, no exercício na atividade empresarial. O lucro, então, não pode ser elevado à prioridade máxima, em prejuízo dos interesses constitucionalmente estabelecidos. Também não estamos a afirmar que o lucro deve ser minimizado, mas sim que não pode ser perseguido cegamente, em exclusão dos interesses socialmente relevantes e de observância obrigatória.

Pode-se afirmar que, em que pese opiniões em contrário, a função social da empresa possui caráter independente da função social da propriedade. Isso porque, em uma análise simples do Código Civil, mesmo que a função social da propriedade privada não mais existisse em nosso ordenamento, a função social da empresa ainda encontraria guarida em artigos próprios. Enquanto a propriedade privada é objeto de direito, a empresa é sujeito de direito, de acordo com o disposto nos arts. 967 e 985, respectivamente: “é obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início da sua atividade” e “a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio, e na forma da lei, dos seus atos constitutivos”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As profundas alterações relativas aos aspectos políticos, sociais e econômicos pelos quais vem passando as sociedades modernas, assim como os efeitos da ciência e da tecnologia sobre a vida dos cidadãos revelam que os Códigos Civis já não são mais capazes de disciplinar todas as situações da vida dos indivíduos. O ordenamento jurídico tem papel fundamental na preservação das garantias individuais, mas da mesma forma é responsável pela orientação das mudanças vindouras.

O casuísmo das normas legais já não é mais adotado em nosso Código Civil, pois os valores que norteiam as sociedades são dotados de historicidade, exigindo a existência de normas abertas (conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais) para que seja possível a concretude da justiça social. Assim, o papel do magistrado ganhou ainda mais relevo no cenário brasileiro, especialmente, pela sua importante tarefa (poder-dever) de interpretar tais normas abertas sem que a segurança jurídica de nosso ordenamento seja abalada.

Dito isso, há necessidade de se esclarecer que as disposições normativas presentes no Código Civil de 2002 devem ser interpretadas de acordo com a Constituição Federal de 1988, seguindo ao novo modelo de Direito Privado denominado Direito Civil-Constitucional, no qual as relações intersubjetivas também devem ser tratadas com igualdade, levando-se em consideração a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

O CC/02 é orientado pelos princípios da sociabilidade, da eticidade e da operabilidade. Todos em consonância com o novo modelo de Direito Civil- Constitucional, restando a distinção entre Direito Público e Direito Privado apenas para efeitos didáticos.

Importante observar que os métodos interpretativos do Direito, divididos em fontes ou meios, não devem ser considerados isoladamente. Portanto, os critérios jurisprudencial, doutrinário, autêntico, gramatical, lógico, histórico, sociológico e sistemático devem ser combinados para uma melhor hermenêutica do ordenamento jurídico pelo intérprete.

Na ocorrência de lacuna legislativa, devem ser adotados os métodos integrativos da analogia, dos costumes, dos princípios gerais do direito e da

equidade. Frisa-se que há divergência doutrinária acerca da necessidade ou não de se obedecer a ordem prevista no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Há divergência doutrinária, também, no que diz respeito a equidade ser ou não considerada um método integrativo do Direito.

Observa-se que as cláusulas gerais, em especial a da boa-fé objetiva, a da função social dos contratos e a da função social da empresa, objetos do presente trabalho, exigem do intérprete (magistrado) uma intensa carga intelectiva, pois, além de preencher o sentido propositadamente vago dessas normas, deve fixar a consequência jurídica advinda dessa interpretação.

Por fim, cabe destacar que as cláusulas gerais, embora criticada por alguns doutrinadores ao afirmarem que coloca em risco a segurança jurídica, são elas responsáveis pela concretude do objetivo maior do Direito, que é a obtenção da justiça social. Cumpre destacar, ainda, que, a despeito da critica supramencionada, que os magistrados, na interpretação das cláusulas gerais, não gozam de discricionariedade ao ponto de poderem agir com arbitrariedade, devendo as suas decisões ser fundamentadas e pautadas nos parâmetros constitucionais.

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