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3.3 OS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS

3.3.2 Princípios sociais

3.3.2.1 Função social dos contratos

A concepção clássica de contrato, bem como dos princípios que informam a sua teoria, historicamente sustentados em bases individualistas e voluntaristas, finalmente cede lugar ao advento de um novo modelo de instituto jurídico, desta vez atento aos valores e princípios constitucionais de dignidade e livre desenvolvimento da personalidade humana. É justamente o que explica Giselda Novaes Hironaka, citada por Paulo Nalin:

a doutrina da função social emerge, assim, como uma dessas matizes, importando em limitar institutos de conformação nitidamente individualista, de modo a atender os ditames do interesse coletivo, acima daqueles do interesse particular, e, importando, ainda, em igualar os sujeitos de direito, de modo que a liberdade que a um deles cabe, seja igual para todos293. Assim, o modelo clássico de contrato, de cunho individualista e voluntarista por excelência, dá lugar a um modelo renovado, vez que passa a privilegiar a concretização material de princípios e valores constitucionais dedicados à pessoa humana294.

Em termos práticos, o contrato deixa de ser apenas um instrumento de realização da autonomia privada para desempenhar uma função social295 e revela-se envolvido numa

291 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p.100.

292 Ibidem, p.102.

293 NALIN, Paulo. A função social do contrato no futuro Código Civil brasileiro. In: Nelson Nery Junior (coord.). Revista de Direito Privado. Ano 03. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.53. 294 SCHOMER NETO, Luiz Jorge. A função social dos contratos: uma visão civil-constitucional. In: Revista da Universidade de Cuiabá. n.1. Cuiabá: Edunic, 1999.

nítida inspiração solidária ao ponto de este espírito afirmar-se como um pressuposto institucional, levando a crer que o contrato passa a não bastar por si mesmo, vez que dele também irradia prioridades que transcendem aos interesses individuais.

Em verdade, a partir do instante em que a manifestação pura da vontade deixa de apresentar-se como premissa absoluta para uma perfeita celebração contratual e os seus fins direcionam-se aos interesses coletivos em substituição aos particulares, torna-se possível falar em função social dos contratos de forma segura. Visualiza-se, nessa esteira, verdadeira

guinada do direito privado. É no que insiste Claudio Luiz Bueno de Godoy, preocupado com a efetividade de controle que cada contrato firmado, em consonância com a utilidade social que ele, por si só, como instrumento dinamizador das relações obrigacionais, deve ostentar:

A função social do contrato representa também uma maneira, sobretudo quando externada pelo exercício da atividade jurisdicional, de interpretação e, em especial, de

controle do exercício da liberdade contratual, corolário, de resto, da admissão de que lhe integra mesmo o conceito, ou o conceito de autonomia privada296.

Por outro lado, Fernando Noronha defende que, mesmo ao tempo do

individualismo exacerbado, época em que somente interessavam os interesses próprios nas mais variadas situações, já existia certa função social que acompanhava o contrato. O que ocorria, segundo ele, “era apenas acreditar-se que a livre atuação das partes resultava necessariamente no bem de todos”297. De fato, se a vontade era o bastante para fazer-se justiça, segundo a lógica da concepção clássica do contrato, não há como negar que, ao lado do equilíbrio alcançado (era o que interessava para aqueles contratantes), nada negava que também não se estaria cumprindo certa função social.

De qualquer sorte, é sabido que o princípio em comento trouxe ao ordenamento brasileiro uma nova dimensão contratual, passando a integrar, inclusive, o próprio conceito de contrato, como um valor operativo que deve ser lançado mão não somente em sua tarefa interpretativa e integrativa, mas sobretudo concretizadora das normas contratuais

particularmente consideradas. Assim, diante dos questionamentos cada vez mais recorrentes acerca do discurso individualista presente nos contratos em geral, testemunha-se sua alteração “no sentido de uma funcionalização do negócio, uma socialização do contrato, como reação ao voluntarismo estruturalista oitocentista”298.

295 MATTIETO, Leonardo. O direito civil-constitucional e a nova teoria dos contratos. In:

TEPEDINO, Gustavo (coord.). Problemas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.179.

296GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social dos contratos e os novos princípios contratuais.

(Coleção Agostinho Alvim). São Paulo: Saraiva, 2004.

297 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p.85.

298 BORGES, Roxana Cardodo Brasileiro. Reconstrução do direito privado: do clássico ao atual. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (coords.). Direito Contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2007, p.32.

É com o que concorda a maioria dos doutrinadores que se ocupam do tema quando se constata que o surgimento do princípio da função social dos contratos decorre principalmente da motivação da função social da propriedade, basilada como direito

fundamental na Constituição Federal de 1988, identificado nos incisos XXII e XXIII do artigo 5º, os quais asseguram que o direito de propriedade “atenderá a sua função social”299.

Tudo isso por que, a partir do Estado Social, surgiu uma preocupação maior com o aspecto coletivo, com o interesse da sociedade, atribuindo, naturalmente, menor relevância à concepção de contrato como mero instrumento de realização individual. Assim entende Paulo Luiz Netto Lôbo, ao inferir que a função exclusivamente individual do contrato é

incompatível com o Estado Social. Segundo ele, considerando que a Constituição Federal, em seu artigo 170, estabelece a tutela explícita da ordem econômica e social e, sendo o contrato instrumento desta, “enquanto houver ordem econômica e social, haverá Estado Social; enquanto houver Estado Social, haverá função social do contrato”300.

Nessa linha de raciocínio, parece ser pacífica a idéia de que o direito de propriedade finalmente deixa de ser algo absoluto e intangível (a exemplo do que se narrou sobre o surgimento da teoria do abuso do direito), e passa a ter uma intenção, um propósito, uma função voltada ao bem da sociedade301.

A partir dessa diretriz, remodelada com base no ideal da socialidade, traduz-se a real funcionalidade da propriedade, projetando este espírito em diversas manifestações. Ao passo em que o princípio da função social dos contratos decorre do princípio da socialidade, como se sabe, é certo também que toda atividade jurídica deve estar voltada ao desempenho de seu papel na órbita social. É o que acontece com a posse, com a propriedade e não poderia ser diferente em relação à atividade contratual.

Os autores Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Daniel Queiroz Pereira preferem entender esta comparação afirmando que “a propriedade é o aspecto estático da atividade econômica, enquanto o contrato é seu segmento dinâmico”, e arrematam: “assim, a

299 REALE, Miguel.Função Social do contrato. Disponível em:

<www.miguelreale.com.br/artigos/funscont.htm> Acesso em: 13 ago 2010.

300 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n.55. Disponível em <http://jus.uol.com.br/revista/texto/2796> Acesso em 17 jan.2011.

301 A par disso, Fernando Noronha já insistia que “todo direito tem uma função social, que dispensa referência expressa”, Aliás, segundo ele, “neste século XX, são as próprias Constituições que fazem questão de referir a função social dos direitos, em especial do direito de propriedade”. E complementa: “mesmo os direitos subjetivos de finalidade egoística, como são todos os direitos de crédito (entre os quais se inserem os resultantes de contratos), são reconhecidos, como qualquer outro direito, tendo em vista não só a realização dos interesses do respectivo titular, como também a realização de finalidades sociais: toda norma jurídica, afinal, visa ‘fins sociais’ e atende ‘exigências do bem comum’”

(NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p.83-83).

função social da propriedade afeta necessariamente o contrato, como instrumento que a faz circular”302.

Por função, entenda-se utilidade, uso ou serventia. Por social, leia-se aquilo que interessa à sociedade. Merece destaque, sobretudo diante do que se deseja para o momento, a lição de Miguel Reale a esse respeito: “a realização da função social da propriedade se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessam somente às partes contratantes, mas a toda coletividade”303.

Nada mais razoável. É possível avançar nesta ideia elevando a importância do princípio da função social à qualidade de princípio geral contratual, sem olvidar que não pertence ao instituto da propriedade todo o mérito da funcionalidade do referido princípio nas relações jurídicas. Nesse sentido, também há que se levar em conta o surgimento de um contexto acadêmico favorável e coerente com a perspectiva social injetada nas entrelinhas do fenômeno da constitucionalização do direito civil.

Mais do que fruto de um contexto de transformação e renovação do direito contratual, é impossível negar a importância que o princípio da função social representa nesta seara, quiçá no ordenamento como um todo. Ora, ao se notar o instituto do contrato

assumidamente mais socializado, solidário, justo e equilibrado, nada mais coerente do que o destaque da sua importância como base de valor dedicada a favorecer não somente a

implantação de um direito civil adequado ao novo contexto constitucional, mas também na reconstrução do Direito Privado como um todo.

Assim já era com a propriedade e sua função social, com a função social da empresa, que obriga o proprietário e ao empresário a agir positivamente. Ou seja, este não só deve abster-se de praticar determinados atos contrários ao corpo social, “como igualmente deve agir em benefício deste corpo, gerando recursos, empregos, tributos, tudo com responsabilidade sócio-ambiental”304.

Sobre isso, acrescente-se a advertência de Miguel Reale, que entende que o imperativo da função social do contrato “estatui é que este não pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando danos à parte contrária ou mesmo a terceiros, nos termos do artigo 187”305.

302 GAMA, Guilherme Nogueira da; PEREIRA, Paulo Queiroz. Função Social do Contrato. In: GAMA, Guilherme Nogueira da. (coord.). Direito Civil: Aspectos sociais I. São Paulo: Atlas, 2007, p.79.

303 REALE, Miguel. Função Social do contrato. Disponível em:

<www.miguelreale.com.br/artigos/funscont.htm> Acesso em: 13 ago 2010.

304 KRUSCHEWSKY, Eugênio. Teoria Geral dos Contratos Civis. Salvador: JusPodivm, 2006, p.21.

305 REALE, Miguel. Função Social do contrato. Disponível em:

Materializa-se o princípio da função social dos contratos no valor da socialidade que, ao lado da eticidade e da operabilidade, patrocinam o novo direito civil, pautado em ideais mais humanitários facilmente identificados no texto do Código Civil de 2002306.

À medida que estes três valores injetam novo espírito ao direito civil,

testemunha-se a inevitável substituição dos ideais individualistas de outrora pela fixação de um olhar horizontal, que alcança a sociedade em sua mais ampla concepção. Assim, à medida que o contrato absorve verdadeira funcionalidade social, as relações contratuais finalmente deixam de ser observadas sob o prisma dos interesses particulares e ganham uma feição inegavelmente mais socializada. Talvez por isto que, segundo Rodrigo Mazzei, o direito obrigacional “assume uma nova conotação normativa que finalmente atribui aos contratos um perfil funcional, voltado ao atendimento de valores fundamentais do ordenamento”307.

Reside neste particular um dos principais objetivos desta pesquisa: demonstrar a importância do princípio da função social dos contratos que, em atuação conjunta com a boa- fé objetiva, proporciona efetiva proteção não somente aos contratos como instrumento jurídico de criação e circulação de riquezas, mas também aos próprios contratantes, que dele dependem para alcançar os seus interesses, sempre condicionados ao cumprimento da sua função social. Ora, a par desse raciocínio, já não cabe mais falar em interesses antagônicos das partes nas relações contratuais, mas sim no êxito do negócio quando alcança o objetivo primordial: o cumprimento da função à que se destina.

É preciso destacar, sem temer qualquer redundância, que o princípio da função social dos contratos visa não somente a tarefa de incutir característica coletiva ao contrato, como primeiramente se poderia imaginar, mas, sobretudo, imprimir um verdadeiro e eficiente espírito de solidariedade entre as partes envolvidas. Estas, então, ficam obrigadas a

transformar a antiga postura egoísta de perseguição dos seus próprios interesses em manifestações de cooperação mútua, dentre outros deveres que surgem inexoravelmente à reboque do que informa o princípio da boa-fé contratual.

É salutar que se registre que, são eles - os contratantes - os primeiros

destinatários das vantagens advindas de qualquer negócio firmado, do mesmíssimo modo que estes também são os verdadeiros responsáveis pela efetiva funcionalidade coletiva do

contrato.

306 Na lição de Miguel Reale, o princípio da socialidade “atua sobre o direito de contratar em complementaridade com o de eticidade, cuja matriz é a boa-fé, a qual permeia todo o novo Código Civil. O ilustre jurista Ministro Almir Pazzianotto Pinto teve o cuidado de verificar que ele alude à boa-fé em nada menos de 53 artigos, recriminando a má-fé em 43. Isto posto, o olvido do valor social do contrato implicaria o esquecimento do papel da boa-fé na origem e na execução dos negócios jurídicos, impedindo que o juiz, ao analisá-los, indague se neles não houve o propósito de contornar ou fraudar a aplicação de obrigações previstas na Constituição e na Lei” (2010).

307 MAZZEI, Rodrigo. Apresentação: Notas iniciais à leitura do novo Código Civil. In: ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (Coords.). Comentários ao Código Civil Brasileiro: parte geral (arts.1º a 103). Rio de Janeiro: Forense, 2005, P.29.

Interessante o posicionamento de Clóvis Beviláqua que, citado por Maria Vital da Rocha, explica que, afora todas as especulações acerca do surgimento da função social dos contratos, seria este princípio entendido como um “conciliador dos interesses colidentes” e “pacificador dos egoísmos em luta”308. Segundo o autor, certamente seria esta a primeira e mais elevada função social de um contrato.

Tal colocação revela-se ainda mais apropriada se for levado em conta o paradoxo da comparação entre os dias atuais e o contexto jurídico, social e econômico testemunhado no passado pelo insigne jurista. Tanto é verdade que, por vezes, nos flagramos questionando o porquê do atraso da inclusão do princípio da função social no ordenamento brasileiro, vez que este não é tão recente quanto se pensa.

O que se sabe é que, diferentemente dos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual, foi somente no texto do novo Código Civil que a função social recebeu uma positivação infraconstitucional explícita. Nas palavras de Teresa Negreiros, “talvez esteja aí, na falta de uma cláusula geral que expressamente consagrasse o princípio, a explicação para o reduzido interesse que o mesmo havia despertado até a promulgação do Código Civil em 2002”309. De fato, segundo nota da autora, sempre foi reduzido o interesse no princípio da função social dos contratos, principalmente quando comparado ao interesse despertado pela função social da propriedade, cuja bibliografia, tanto nacional quanto estrangeira, sempre foi vasta. Somente recentemente, “motivados pela positivação legislativa, inúmeros autores vêm se dedicando ao estudo da função social, mas muitas vezes sem a necessária, e a cada dia mais urgente, preocupação com a delimitação de seu campo operativo específico”. Segundo ela, portanto, “a generalizada falta de profundidade na abordagem da função social do contrato espelha-se em definições tão vagas quanto retóricas, como as que vinculam o princípio ao atendimento do bem comum e dos fins sociais”310.

Foi, então, no bojo do então novo texto civil que se pôde enxergar, de fato, que o contrato ganhou um espírito funcional dentro da sociedade, na letra do artigo 421 do Código Civil de 2002, que o determina de maneira explícita: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social dos contratos”.

Vale dizer, com base na leitura do dispositivo supracitado, que a evolução da ciência jurídica em si já demonstra que aquele “arsenal de direitos” que revestia a premissa da liberdade de contratar, já não possuía a mesma elasticidade de outrora, tendo em vista os recentes abalos que atingiram o individualismo e voluntarismo jurídicos da época, mas que felizmente foram substituídos pelo espírito de solidariedade e humanidade irradiado pela nova ótica que a ordem constitucional emprestou ao Direito Civil.

308 ROCHA, Maria Vital da. Considerações sobre o alcance da expressão da autonomia da vontade na atualidade. In: PINTO, Agerson Tabosa (org.). A autonomia da vontade e as condições gerais do contrato: de Roma ao Direito Atual. Fortaleza: Unifor, 2003, p.572.

309 NEGREIROS, Teresa. Teoria Geral do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.207.

Na opinião de Fernando Noronha, “o interesse fundamental da questão da função social está em despertar a atenção para o fato de que a liberdade contratual não se justifica, e deve cessar, quando conduzir a iniqüidades, atentatórias de valores de justiça, que igualmente tem peso social”311.

Sempre oportuno o posicionamento de Teresa Negreiros, considerando

sobretudo a constatação de que a função social, quando combinados com os novos princípios contratuais, vem “redefinir o alcance daqueles outros princípios da teoria clássica,

constituindo-se em um condicionamento adicional imposto à liberdade contratual”312.

Adicione-se, por rigor metodológico, que a análise do princípio da função social dos contratos não pode se dar de maneira isolada. Trata-se de um princípio contratual e seu significado determina que os eventos envolvidos na relação jurídica se realizem da melhor forma possível para a coletividade, de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas que envolvem as partes contratantes. Do mesmíssimo modo, ao contrato assim celebrado também se impõe a obediência aos limites legais e de ordem pública, sempre condicionado aos fins aos quais se destina.

Qualquer atuação abaixo dessa baliza será considerada abuso de direito, pois que extrapola a função social que permeia a noção de contrato. É o que bem acertadamente

adverte Eduardo Sens dos Santos313.

Reveste-se, portanto, o princípio da função social dos ideais de “funcionalização” e “socialização” do contrato, que tem base no mandamento constitucional da função social da propriedade. Assim, “a função socioeconômica do contrato reside na sua utilidade em relação à obtenção dessa satisfação”314. Testemunha-se, enfim, o aguardado contexto em que o

contrato abandona o foco egoísta do direito no passado e passa a agregar utilidade diretamente voltada à coletividade, numa louvável passagem do individual para o coletivo.

Nessa esteira, afigura-se fora de dúvida o verdadeiro impulso dinâmico e solidário que o princípio da função social introduz, definitivamente, no direito dos contratos. De fato, é plenamente visível o revestimento solidário que este princípio introduz na dinâmica contratual, fazendo alcançar inclusive aquelas relações negociais mais simples, celebradas cotidianamente pelas pessoas.

311 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p.82.

312 NEGREIROS, Teresa. Teoria Geral do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.208.

313 SANTOS, Eduardo Sens do. O Novo Código Civil e as cláusulas gerais: exame da função social dos contratos. In: NERY JUNIOR, Nelson (coord.). Revista de Direito Privado. Ed. Revista dos Tribunais. Ano 03. Abril – Junho/ 2002, p.9.

Sob esta ótica, faz-se necessário que os negócios jurídicos patrimoniais sejam analisados em conformidade com o meio econômico, moral e (principalmente) social em que ele esteja inserido. Ou seja, a celebração e a execução de um pacto contratual não pode trazer onerosidades desproporcionais a qualquer dos pólos da relação, pois que a este instrumento não pode ser dado o poder de violar interesses individuais (ou mesmo metaindividuais)

relacionados à proteção da dignidade da pessoa humana. É o que interpreta o Enunciado 23 do Conselho da Justiça Federal, com o seguinte teor: “entende-se que a função social dos

contratos traz conseqüências dentro do contrato (intra partes) e também para fora do contrato (extra partes)”.

Ademais, há quem sustente que a temática da função social do contrato desdobra-se em duas perspectivas: a função social interna e a função social externa do contrato. Sobre esta última, Nelson Rosenvald315 o compreende como reflexo da eficácia do negócio jurídico propriamente dito perante a comunidade, transcendendo (como se espera) à polarização das partes nele envolvidas, ao tempo que a função social interna do contrato se