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FUNÇÕES INSTITUCIONAIS RELACIONADAS COM A SEGURANÇA PÚBLICA

4 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A SEGURANÇA PÚBLICA

4.1 FUNÇÕES INSTITUCIONAIS RELACIONADAS COM A SEGURANÇA PÚBLICA

Com o advento da Constituição Federal, publicada em 5 de outubro de 1988, marco histórico e jurídico, respectivamente, de democratização e institucionalização dos direitos humanos no Brasil segundo Piovesan (1998, p. 206), houve uma profunda modificação no perfil do Ministério Público.

Essa democratização foi dirigida para a busca da construção de um Estado Democrático de Direito e vista sob a égide da dignidade da pessoa, da realização de nobres valores de convivência humana, da liberdade, da igualdade e da fraternidade, conforme José Silva (1997, p. 133).

Na atual Constituição, o Ministério Público foi definido como uma instituição permanente e autônoma administrativa e financeiramente, logo, não subordinada a nenhum dos três Poderes, inserida no âmbito das funções essenciais à prestação jurisdicional, incumbida de zelar pela defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e individuais indisponíveis e do próprio regime democrático. Aos seus membros foram asseguradas garantias equivalentes à da magistratura, para que possam exercer suas funções Constitucionais com independência.

O texto maior que dispõe sobre as funções ministeriais deve ser interpretado longe de uma literalidade impulsionada por interesses meramente corporativos, uma

vez que, como é cediço na doutrina, o sistema constitucional é composto por normas explícitas e implícitas de idêntica hierarquia, e a efetividade da Constituição, distante de uma visão hermenêutica tradicional, depende de uma interpretação sistêmica e produtiva, isto é, que dê sentidos social, político e jurídico harmônicos ao texto diante da sua não equivalência necessária com norma.

Relacionadas com a segurança pública, as funções institucionais do Ministério Público hão de ser exercidas na área criminal e na área de direitos transindividuais, que deverão ser necessariamente integradas em busca de um efetivo resultado.

Na área criminal, o Ministério Público exercerá seu papel quando, com eficácia, promover oportunas ações penais públicas, para responsabilizar agentes da prática de infrações penais, inclusive, notadamente, integrantes da força policial que, no exercício de suas funções, tenham abusado do exercício do poder, cometendo crimes.

Prevista no art. 129, inciso I, da Constituição Federal (BRASIL, 1988)48, como projeção direta da própria soberania estatal, a propositura da ação penal pública é a atribuição que, historicamente, está presente em todos os países que adotaram o modelo institucional de Ministério Público, confundindo-se com a sua própria existência, segundo Garcia (2004, p. 223).

Exercendo privativamente essa incumbência, diversamente do que ocorre com as demais, essa instituição, se não exercitar o direito de ação, condiciona o próprio direito de punir do Estado soberano (MAZZILLI, 1997, p. 55) que depende do processo para se realizar.

Por outro lado, com o advento da Constituição Federal de 1988, foram extintos os procedimentos penais iniciados de ofício pelo magistrado ou mediante provocação direta da autoridade policial que comprometiam a imparcialidade judicial e o contraditório, sendo prestigiado o sistema processual acusatório, mesmo que ainda com algumas mitigações, dentre elas, por exemplo: a mutatio libelli49, a ampla

liberdade de iniciativa probatória do juiz (OLIVEIRA, 2013, p. 10-13), e a

48 “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;”

49 A mutatio libelli ocorre quando o magistrado conclui no processo criminal que o fato narrado na denúncia, portanto imputado ao réu, não corresponde ao provado na instrução criminal, caso em que, segundo o art. 384 do CPP, de sua iniciativa remeterá o processo ao MP para aditar a denúncia, modificando-se a acusação.

contaminação do processo pelo inquérito policial (RANGEL, 2014, p. 53-54).

Para propor uma ação penal pública, basta a existência de prova de materialidade e indícios de autoria, porém deve o Ministério Público, na busca incessante pela qualidade de seus serviços relevantes, aferir a viabilidade da ação, ou seja, a probabilidade de, ao final do processo, demonstrar que o Estado deve exercer seu direito de punir contra o réu, até mesmo diante do constrangimento natural a que é submetido o acusado no curso do processo criminal.

Advém que essa viabilidade, sem avançar para os fatores processuais favoráveis e adversos, portanto se restringindo a fase policial, dependerá de vários fatores, dentre eles, do tempo existente entre o fato e sua investigação, da qualidade da prova e das informações produzidas no curso da investigação, inclusive da prova pericial requisitada e realizada, em suma, da qualidade da atividade desempenhada pela polícia de investigação (judiciária) no ato de repressão imediata (de intervenção ostensiva ou de formalização do auto de prisão em flagrante) e na própria repressão mediata.

Cabe ao Ministério Público decidir por propor a ação penal, pelo arquivamento do feito investigatório (inquérito policial ou termo circunstanciado ou demais peças) ou requisitar a realização de diligências complementares, como reflexo dessa função institucional.

Na realidade, o Parquet é o usuário final e destinatário dos resultados da investigação criminal, no caso regra da apuração de crimes de ação penal pública.

Portanto, há interesse público ministerial, espelhado na Constituição Federal vigente, de exercer certo controle de qualidade da investigação realizada pela própria polícia, como insumo necessário para a formação de adequada e oportuna opinio delicti e propositura de viável ação penal pública, como ato repressivo relativo ao Sistema de Justiça Criminal, quando o Estado pretende exercer o seu direito de punir.

Nesse âmbito ainda, de forma instrumental, velando pela existência e pela qualidade da investigação policial, através do controle externo da atividade policial nos termos legais (art. 129, incisos VII e VIII, da Constituição Federal50), ou até

investigando diretamente fatos com aparência criminosa, quando fatores antagônicos relevantes impeçam a efetiva investigação pela própria força policial, ou haja envolvimento de policiais e limitação de atuação de seus órgãos de assuntos internos (correcionais).

Sobre a legitimidade do MP para investigar no plano criminal e não exclusividade da polícia, posicionou-se favoravelmente o Supremo Tribunal Federal em vários acórdãos:

O poder de investigar compõe, em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de dominus litis e, também, como expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a opinio delicti, em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de iniciativa pública. (BRASIL, 2011b).

Poderes de investigação do Ministério Público. Os artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4º, da CF, não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia, nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público. Fixada, em repercussão geral, tese assim sumulada: "O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”. (BRASIL, 2015)

POSSIBLIDADE DE INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DELITOS PRATICADOS POR POLICIAIS. ORDEM DENEGADA. 1. A presente impetração visa o trancamento de ação penal movida em face dos pacientes, sob a alegação de falta de justa causa e de ilicitude da denúncia por estar amparada em depoimentos colhidos pelo ministério público. [...] 5. É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti. 6. O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao parquet a privatividade na promoção da ação penal pública. Do

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;”

seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia. 7. Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos "poderes implícitos", segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que "peças de informação" embasem a denúncia. 8. Cabe ressaltar, que, no presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que, também, justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo Ministério Público. (BRASIL, 2009b).

O controle externo da atividade policial será abordado mais detidamente adiante.

Na área transindividual, deve o Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e do aparato policial ao direito difuso à segurança pública e aos demais direitos fundamentais vinculados e previstos na Constituição Federal, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (art. 129, incisos II, da Constituição Federal51).

Desse modo e naquele intento, poderá realizar investigações, formalizadas através de inquérito civil, se for o caso, firmando necessários termos de ajustamento de conduta ou promovendo ações civis públicas e outras medidas, no intento de assegurar efetivo respeito ao direito à segurança pública ou a responsabilização por ato de improbidade administrativa praticado por agente público (art. 129, inciso III, da Constituição Federal52).

Ademais, a segurança pública é um direito fundamental, social e difuso, conforme abordado na seção 2.1.2, portanto exige a atuação ministerial na defesa desse direito, com base no caput do art. 127 da Constituição Federal53 (BRASIL, 1988), numa abordagem em que o CEAP deva ser visto com um dos instrumentos, junto com o inquérito civil e a propositura de ação civil pública, com a nítida inclinação para a defesa do direito à segurança pública.

51 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...]

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;” (BRASIL, 1988)

52 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...]

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;” (BRASIL, 1988)

53 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.