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2 A SEGURANÇA PÚBLICA

2.2 SEGURANÇA PÚBLICA NA ÓTICA SOCIOLÓGICA

Se necessário o conceito jurídico para dar suporte à dogmática jurídica, por outro lado, pelo ponto de vista sociológico, imperioso também se faz conceituar a segurança pública.

De certo que, Rolim (2006, p.21, grifo nosso), dada a indefinição conceitual, fala da necessidade de, além da atuação das agências estatais, haver maior

envolvimento social quando se trata da segurança pública, provocando questionamentos:

No mundo moderno, as ideias de manutenção da ordem e da garantia da segurança pública expressam, apenas, noções genéricas que agregam concordância na exata medida de sua indefinição. “Manter a

ordem” pode ser uma missão eticamente sustentável se a ordem real está alicerçada em uma injustiça flagrante? [...] Garantir a segurança é, por certo, uma missão fundamental para as forças policiais. Mas só para elas? Será possível imaginar a garantia da segurança pública sem o concurso de várias agências governamentais, sem uma política de segurança que envolva áreas tão díspares como a educação, a saúde, a geração de emprego e renda e as oportunidades de lazer? E mais, será possível imaginar a garantia da segurança pública exclusivamente através dos papéis a serem cumpridos pelo Estado, sem considerar a ação das pessoas e o papel da sociedade civil?

Por seu turno, afirma Soares (2005, p. 17) que a segurança pública é “a estabilização de expectativas positivas quanto à ordem e à vigência de uma sociabilidade cooperativa”.

Desse modo, segundo Soares (2006, p. 406), demanda a essa segurança o equilíbrio entre as expectativas na esfera objetiva dos fenômenos e na subjetiva dos sentimentos e das percepções, respectivamente na redução da quantidade de práticas violentas, especialmente as tidas como criminosas, e do medo, da sensação de insegurança e da instabilidade de expectativas.

No capítulo anterior, sob a ótica de Luhmann, foram tratados os conceitos de complexidade e de contingência, como também expectativas e sua estabilização, risco e perigo.

Também na visão de Giddens (1991, p. 19-20), “mundo em que vivemos hoje é um mundo carregado e perigoso”, destacando ele os contrastes da modernidade:

A modernidade, como qualquer um que viver no final do século XX pode ver, é um fenômeno de dois gumes. O desenvolvimento das instituições sociais modernas e sua difusão em escala mundial criaram oportunidades bem maiores para os seres humanos gozarem de uma existência segura e gratificante que qualquer tipo de sistema pré-moderno. Mas a modernidade tem também um lado sombrio, que se tornou muito aparente no século atual. [...]

O século XX é o século da guerra, com um número de conflitos militares sérios envolvendo perdas substanciais de vidas, consideravelmente mais alto do que em qualquer um dos séculos precedentes. No presente século [passado], até agora, mais de 100 milhões de pessoas foram mortas em guerras, uma proporção mais alta da população do mundo do que no século XIX, mesmo considerando-se o crescimento geral da população.

Giddens (p. 43, 1991) concorda em parte com Luhmann quanto à necessidade de distinção entre confiança e crença, risco e perigo, como também pela ligação íntima desses conceitos entre si, porém discorda quanto à utilidade de se vincular a noção de confiança à consciência das alternativas de ação, como também de que inação não oferece risco e quanto a existir conexão intrínseca entre crença e perigo.

Giddens (1991, p. 43-44) encontra apoio nos seguintes pontos, para conceituar confiança, de forma que essa:

- tem como condição principal a falta da informação plena no tempo e no espaço;

- tem a conotação de credibilidade diante de resultados contingentes com respeito às ações de agentes humanos ou à operação de sistemas, destacando que, quando a aqueles, envolve a atribuição de probidade (honra) ou amor;

- é o que deriva da fé na credibilidade de uma pessoa ou sistema, e

- em pessoas é sempre relevante para a fé em sistemas, antes quanto ao seu funcionamento apropriado, do que a sua operação como sistema.

Assim, com base nos citados pontos, estatui Giddens (1991, p. 44-45):

A confiança pode ser definida como crença na credibilidade de uma pessoa ou sistema, tendo em vista um dado conjunto de resultados ou eventos, em que essa crença expressa uma fé na probidade ou amor de um outro, ou na correção de princípios abstratos (conhecimento técnico).

Ainda sustenta Giddens (1991, p. 45) que a confiança existe no contexto da consciência geral de que a atividade humana não é dada pela natureza e nem pelo divino, mas é criada socialmente, e do “escopo transformativo amplamente aumentado da ação humana, levado à cabo pelo caráter dinâmico das instituições sociais modernas”, de forma que a “ideia de acaso, em seus sentidos modernos, emerge ao mesmo tempo que a de risco”.

Diferente de Luhmann, para Giddens (1991, p. 45), perigo e risco estão relacionados intimamente, mas se diferenciam, não quanto ao pesar consciente ou não de um indivíduo quanto às alternativas de ação:

O que o risco pressupõe é precisamente o perigo (não necessariamente a consciência do perigo). Uma pessoa que arrisca algo corteja o perigo, onde o perigo é compreendido como uma ameaça aos resultados desejados.

Qualquer um que assume um “risco calculado” está consciente da ameaça ou ameaças que uma linha de ação específica pode pôr em jogo. Mas é certamente possível assumir ações ou estar sujeito a situações que são inerentemente arriscadas sem que os indivíduos envolvidos estejam conscientes do quanto estão se arriscando. Em outras palavras, eles estão inconscientes dos perigos que correm.

Ao passo, conforme Giddens (1991, p. 45), “risco e confiança se entrelaçam, a confiança servindo para reduzir ou minimizar perigos aos quais estão sujeitos tipos específicos de atividades.”

O risco não é visto apenas como derivado de uma ação individual, havendo “ambientes de risco” que afetam a coletividade, segundo Giddens (1991, p. 46).

Para Giddens (1991, p. 46), a segurança é:

uma situação na qual um conjunto específico de perigos está neutralizado ou minimizado. A experiência de segurança baseia-se geralmente num equilíbrio de confiança e risco aceitável. Tanto em seu sentido factual quanto em seu sentido experimental, a segurança pode se referir a grandes agregações ou coletividades de pessoas – até incluir a segurança global – ou de indivíduos.

Então, com suporte em Giddens, a segurança pública seria a situação de neutralização ou minimização de perigos decorrentes da prática de infrações penais ou outros atos atentatórios à cidadania na sociedade.

Agregando-se alguns conceitos de Luhmann, naturalmente compatíveis, tratados no capítulo anterior, a segurança é uma situação de estabilização das expectativas cognitivas e normativas, manifestada pela confiança nas pessoas e nos sistemas, para absorver e controlar a crescente complexidade e a contingência, no intento de se minimizar riscos e perigos potenciais ou seus danos, inclusive por causas ambientais, e, em consequência, fazer com que o ser humano goze de uma existência estável e gratificante na sociedade da modernidade.

A essa altura, convém cotejar o conceito acima com o texto do caput do art. 144 da Constituição Federal e do conceito de segurança pública dado pela SENASP, abordados na seção 2.1.1.

A Constituição Federal não conceituou a segurança pública, limitando-se a, juridicamente, categorizá-la como dever, direito e responsabilidade exercidos para preservar a ordem pública, a incolumidade das pessoas e o patrimônio. Da mesma

forma, não se distanciou muito o conceito dado pela SENASP que acrescenta a prevenção e o controle de manifestações efetivas ou potenciais da criminalidade e da violência, para garantir o exercício pleno nos limites da lei.

Observe-se que a segurança é bem mais que dever, direito e responsabilidade, já que encerra um campo maior de estabilização de expectativas, como também não se deve se voltar somente ao campo de proteção da ordem pública e de certos bens e direitos, tendo um fim existencial mais abrangente.

Da mesma forma, os riscos não devem ser limitados à criminalidade e às expressões da violência, posto que a complexidade e a contingência são crescentes na sociedade da modernidade, como também a cidadania limitada pela lei, inclusive por sermos regulados por normas sociais, obviamente não necessariamente legais, ser insuficiente para oferecer ao ser humano a uma existência estável e gratificante na sociedade moderna.

No caso, essa confiança, deve ser estabelecida com os sistemas sociais, dentre eles o Sistema de Segurança Pública, cujo conceito foi desenvolvido progressivamente por D. Silva Júnior (2016, grifos nossos), com base na teoria luhmanniana, sendo adotado no presente estudo, segundo o qual:

A SEGURANÇA PÚBLICA é definida como um sistema social fechado, autopoiético e complexo, que por meio de suas próprias operações, cujo código binário é segurança/insegurança, produz estruturas que o diferencia do meio e dos outros sistemas, mas que se inter-relaciona com estes por meio de vários acoplamentos estruturais, objetivando garantir as expectativas de segurança

material e ontológica dentro dos espaços públicos.

De certo que esse conceito é necessário para se estabelecer a conexão com o Sistema de Justiça Criminal, embora se trate a segurança pública, também numa dimensão jurídica de direito fundamental, social e difuso, bem como de serviço público relevante, do ponto de vista sociológico.

Por fim, como na presente pesquisa, trata-se da confiança depositada no Sistema Ministerial relacionado com o CEAP, portanto em necessário acoplamento ao Sistema Policial, como partes integrantes de um Sistema de Justiça Criminal e sua consequência reflexa à segurança pública numa visão jurídica e sociológica, é importante estudar a atividade policial, os sistemas e a persecução penal.