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2 QUADRO TEÓRICO

2.2 Funcionalismo Lingüístico

Na perspectiva funcionalista, a gramática não é vista como um conjunto de regras pré-estabelecidas a que se deve seguir para formar sentenças gramaticais; também não é autônoma, mas dependente do discurso. Ela constitui-se de um conjunto de estratégias que são empregadas para se produzir uma comunicação coerente, que transmita o que é necessário para se ter comunicação, constituindo todas as unidades da língua como configurações orgânicas de funções, tendo, assim, cada parte interpretada como funcional em relação ao todo (NEVES, 1997).

Essa preocupação lingüística não é exatamente atual. A Escola Lingüística de Praga, já na década de trinta, mostrava-se interessada em discussões a respeito de aspectos relacionados à teoria funcional na linguagem, principalmente relacionados à perspectiva teleológica da linguagem, isto é, preocupavam-se em estabelecer finalidades discursivas para a explicação de certos fenômenos, quais sejam: o reconhecimento de traços prosódicos, tais como interrogação, indignação, surpresa; as funções da linguagem (cf. JAKOBSON); a posição de informações na frase (informação nova X informação velha), entre outros.

Uma gramática funcional nunca se estabiliza, decorrendo daí sempre explicações para os fatos lingüísticos de forma associada à situação comunicativa, levando em consideração a cognição, a comunicação, a interação social, a cultura, a variação e a

mudança lingüísticas. Organiza-se em função de pressões externas, advindas do discurso, e pressões da própria estrutura e é aí que surge seu caráter não apenas funcional, mas também dinâmico.

Segundo Neves:

É funcional porque não faz distinção entre o sistema lingüístico e seus mecanismos e as funções que eles têm a preencher e é dinâmica porque reconhece e assume a força ativa que está detrás do desenvolvimento da língua, na instabilidade da relação entre estrutura e função. (NEVES, 1997, p. 3).

Segundo GIVÓN (2001), as funções primárias da linguagem humana são a

representação e a comunicação do conhecimento, e a expressão de tais funções dependerá

100% do contexto onde o falante está inserido. A abordagem funcionalista parte do princípio de que as formas lingüísticas devem se adequar às funções que a linguagem desempenha no ato da comunicação. Assim, a sintaxe não é autônoma, e sim dependente do discurso (cf. VOTRE & NARO, 1996). O Funcionalismo se preocupa em afirmar que a língua não pode ser descrita de forma estanque, já que toda fala ou escrita cumpre uma finalidade. Desse modo, modelos artificiais e isolados não servem para explicar e exemplificar o funcionamento da gramática.

Se modelos artificiais não servem para análise, por serem criados fora do contexto de fala, isso quer dizer que a teoria funcionalista dá enorme importância ao contexto social onde os falantes estão inseridos, às características sócio-culturais dos mesmos, com quem falam, com que propósito falam, se há interrupção quando falam.

Segundo os pressupostos funcionalistas, expressões comunicativas que serviram significativamente em um determinado tempo e contexto, podem se tornar fossilizadas, ou até mesmo sem sentido, devido às mudanças ocorridas no decorrer do tempo18

Conforme explanação feita anteriormente, esta dissertação não tem como propósito uma pesquisa diacrônica, mas, de acordo com o que registram as gramáticas normativas consultadas, desde o século XVI (data do primeiro registro observado), as flexões do subjuntivo são tidas como ideais para contextos de orações subordinadas quando há uma indicação de incerteza sobre o que se diz. Não dispomos de dados de fala de outras épocas, mas dados reais da fala, na atualidade, mostram que tal flexão nem sempre aparece nos contextos acima mencionados, como exemplifica (1):

18 O Funcionalismo tem sido base teórica de muitos trabalhos atuais a respeito de variação verbal (cf. Costa, 1997; Coan, 1997; 2003; Silva, 1998; Pimpão, 1999; Gibbon, 2000, entre outros).

(1) "Moça não pagava. Se eu arrumava uma moça, uma namorada pra levar, eu sempre pagava. A moça não pagava. Hoje a moça paga, o homem paga, não é?" (FLP 04, p. 10)

Não estamos afirmando, com isso, que as formas do subjuntivo tenham se tornado fossilizadas, apenas realçando que, se algum dia elas, unicamente, serviram para a função já mencionada, hoje não é o que ocorre.

A seguir, serão apresentados os princípios básicos que orientam o funcionalismo de cunho givoniano.

2.2.1 Princípios Funcionalistas

Os princípios gerais norteadores da teoria funcionalista giovoniana são: (i) os da iconicidade, que se baseiam na interrelação entre o plano do conteúdo (função) e o plano da expressão (forma) (cf. GIVÓN, 1991, 2001)19; e (ii) o princípio da marcação.

Os princípios icônicos são três:

a) princípio da quantidade, que prevê a correlação entre quantidade de informação e quantidade de codificação; quanto mais informações a serem dadas, mais material fônico será usado;

b) princípio da proximidade, que correlaciona proximidade cognitiva de entidades com proximidade de unidades no plano da codificação; assim, operadores funcionais serão colocados mais próximos, temporal ou espacialmente, no nível da codificação, à unidade conceptual para a qual forem mais relevantes; e

c) princípio da ordem seqüencial, que orienta a ordenação linear semântica e pragmaticamente.

GIVÓN (idem, 2001) estabelece uma analogia entre iconicidade na língua e na biologia; dessa maneira, à não-arbitrariedade do organismo biológico não corresponde uma relação 100% icônica entre a estrutura de um corpo animal e a função desempenhada por tal estrutura anatômica. O processo evolutivo do organismo prevê diversas tendências: mudanças históricas ao longo do tempo podem apresentar uma estrutura não-funcional, podem adaptar velhos organismos a novas funções, podem identificar uma ambigüidade funcional para uma única estrutura.

19 Segundo este princípio, a forma de uma expressão lingüística raramente é arbitrária, mas sim, estritamente influenciada pelo conteúdo que transmite.

No caso da nossa pesquisa, talvez possamos relacionar esses aspectos, por exemplo, ao fato de a forma de FP, em alguns casos, poder aparecer com valores temporais distintos: (i) cotemporalmente a um ponto de referência passado; (ii) posteriormente a um ponto de referência passado. Assim, essa forma verbal, como já exemplificado no capítulo I, ora aparece nitidamente em contexto de cotemporalidade, ora há uma ambigüidade de interpretação temporal, ora, ainda, leva a interpretação temporal para um ponto futuro com relação ao ponto de referência.

Quanto ao princípio da marcação, há três critérios essenciais que, segundo GIVÓN (1990, p. 947), podem ser usados na distinção entre categoria marcada versus categoria não-marcada:

a) complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa do que a não-marcada;

b) distribuição de freqüência: a categoria marcada tende a ser menos freqüente do que a não-marcada.;

c) complexidade cognitiva: a categoria marcada tende a ser cognitivamente mais complexa, em termos de demandar maior atenção, mais esforço mental e tempo de processamento, do que a não-marcada.

Partindo do que postulam os critérios (a) e (b), poder-se-ia dizer que as formas do PIS e do FP são estruturalmente maiores, na maioria das vezes, ou mais complexas do que as formas do PII (pudesse, poderia, podia, respectivamente), por esse motivo, elas aparecem menos vezes na fala das pessoas. Por outro lado, quando falamos em complexidade cognitiva, conforme o critério (c), esbarramos em uma questão: o PII já acumula outras funções (cf. TAVAGLIA (1987), MATOS (1996), COSTA (1997), SILVA (1998), KARAM (2000)). Então, não seria ele mais complexo do ponto de vista cognitivo? Tendo mais de uma função, como se sabe qual delas está em jogo quando se usa tal forma? Da mesma maneira, como o ouvinte a interpreta? Essas questões serão retomadas posteriormente, quando da discussão dos resultados.

Vale ressaltar que o próprio GIVÓN (1990) diz que a modalidade irrealis (normativamente representada pelo PIS e pelo FP) é mais marcada que a realis, pois, seguindo o critério (c), eventos que ocorreram em tempo e espaço reais estão mais salientes na mente do que eventos que não ocorreram, poderão ocorrer ou poderiam ter ocorrido.

Para finalizar este capítulo, gostaríamos de ressaltar o que GIVÓN (1995, p. 07) diz acerca do Funcionalismo Lingüístico: estuda a língua em uso, dando prioridade à relação entre a gramática e o discurso - a gramática molda o discurso e o discurso molda a gramática. É dentro do discurso e sob a influência de seu contexto que a gramática está emergindo e mudando. E é também por meio do uso da língua que ocorre a variação, elemento indispensável para a construção e reconstrução da gramática.

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