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2 QUADRO TEÓRICO

2.1 Teoria da Variação e Mudança Lingüística

A Teoria da Variação e Mudança Lingüística, ou Sociolingüística Quantitativa, é a área preocupada com o estudo da linguagem relacionada à sociedade, focalizando como objeto de estudo a variação lingüística, possível de ser descrita e analisada cientificamente, a partir do pressuposto de que as diferentes maneiras de usar a língua são resultado de influências de fatores estruturais e sociais. "Tais fatores são também referidos como variáveis independentes, no sentido que os usos de estruturas lingüísticas são motivados e as alternâncias configuram-se por isso sistemática e estatisticamente previsíveis" (MOLLICA 2003, p. 10).

Dessa forma, pode-se dizer que:

[...] o objeto da Sociolingüística é o estudo da língua falada, observada, descrita e analisada em seu contexto social, isto é, em situações reais de uso. Seu ponto de partida é a comunidade lingüística, um conjunto de normas com respeito aos usos lingüísticos. Em outras palavras, uma comunidade de fala se caracteriza não pelo fato de se constituir por pessoas que falam do mesmo modo, mas por indivíduos que se relacionam, por meio de redes comunicativas diversas, e que orientam seu comportamento verbal por um mesmo conjunto de regras (ALKMIM, 2001, p. 31).

Essa previsibilidade e regularidade lingüística relacionam-se com a idéia de que a variação, nas diversas situações comunicativas, não é arbitrária. Ao mesmo tempo em que há variações, o sistema comunicativo obedece a padrões estruturais e lingüísticos, assim, "as línguas apresentam as contrapartes fixa e heterogênea de forma a exibir unidade em meio à heterogeneidade" (ALKMIM, 2001, p. 12), isto é, não há falantes produtores, por exemplo, de frases como Casaco o azul da é menina; a variação acontece na sociedade em geral, de maneira diatópica14, diastrática15 e diacrônica.

Desta maneira, o domínio de estruturas heterogêneas não é questão de uma simples performance, mas parte da competência lingüística dos indivíduos, levando à conclusão de que a ausência de heterogeneidade estruturada na língua seria tida como disfuncional (WEINREICH, 1968).

A Sociolingüística vê na língua um componente que permite a comunicação, um meio de identificação social, não sendo, portanto, individual nem tampouco estática, como o mundo não o é. A mudança se faz necessária em todos os âmbitos; no lingüístico, para que ela aconteça, é imprescindível que ocorram primeiramente variações, e quando essas ocorrem, pressupõem-se que existam variantes. De acordo com LABOV (1978) e TARALLO (2001), estas constituem os diversos modos de se dizer a ‘mesma coisa’ (com um mesmo valor de verdade) em um mesmo contexto.

Os trabalhos sociolingüísticos tiveram início com Labov e suas primeiras grandes publicações datam de 1972. Labov desenvolveu algumas pesquisas que se constituíam de análises no campo da fonologia, destacando que as variações entre as formas, consideradas até então como livres, têm seu uso, ao contrário, motivado por fatores sociais e por outros fatores, como estilo (mais ou menos formal), além de fatores estruturais. O autor mostra que as diferentes maneiras de comunicar (que são as variantes) têm o mesmo valor de verdade; porém comportam-se diferentemente quanto a valores sociais e de estilo.

Os resultados de Labov levaram-no, e a outros pesquisadores, a estenderem o estudo variacionista para outros níveis lingüísticos. Esse alargamento, entretanto, não foi isento de problemas. As dificuldades de adaptação do modelo em campos diferentes do fonológico culminaram na grande discussão acerca da manutenção do mesmo significado nas formas alternantes, bem como do estatuto 'sociolingüístico' da regra variável (cf. LAVANDERA, 1977).

14 Variação que se dá considerando-se os limites físico-geográficos. 15 Variação que se dá considerando-se os diferentes estratos sociais.

Em 1977, WEINER e LABOV empreenderam um estudo sintático a respeito das construções passivas e ativas16, resultando na crítica de LAVANDERA (1977), que publica um artigo no qual explicita sua dúvida quanto à validade de estudos variacionistas quando analisam unidades lingüísticas acima do nível fonológico, pois acredita que toda construção sintática possui seu significado próprio. Para ela, é difícil afirmar que haja variação nesses casos, uma vez que esta consiste em duas ou mais maneiras de dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e tendo o mesmo valor de verdade. Considerando-se que a variação requer duas ou mais maneiras de dizer a mesma coisa, um estudo variacionista tornar-se-ia infrutífero fora do âmbito da fonologia.

LABOV (1978) responde a Lavandera dizendo ser necessário que se aceitem enunciados que possuam a mesma intenção comunicativa, mas não rigorosamente o mesmo significado, como variantes de uma mesma variável. O lingüista propõe, então, que as variantes da variável em estudo tenham um mesmo significado referencial, chamado de significado representacional ou estado de coisas. Isso implica aceitar que pode haver diferenças em matizes de sentido, desde que o significado referencial não seja afetado.

LAVANDERA (op. cit.) levanta também a questão de que muitas formas que estão fora do campo fonológico não sofrem influências sociais ou estilísticas, apenas lingüísticas. LABOV (op. cit.) responde à crítica afirmando ser a Sociolingüística "sócio" não só porque lida com fatores estilísticos e sociais, mas porque vê a língua como componente social.

Nesta dissertação, opta-se pelo mesmo significado referencial de

cotemporalidade a um ponto de referência anterior ao momento da fala, tendo em vista

que a variável em estudo é verbal. O critério adotado para definir a regra variável foi a categoria de tempo. Essa variável apresenta como variantes basicamente as formas de

pretérito imperfeito do subjuntivo (PIS) e pretérito imperfeito do indicativo (PII);

entretanto, verifica-se que em alguns momentos/contextos o futuro do pretérito (FP) também funciona como uma variante.17

Tratando de variáveis sociais em estudos sintáticos, BENTIVOGLIO (1987, p.19) afirma ser possível que tais variáveis não exerçam nenhum tipo de pressão, acrescentando, entretanto, que é necessário provar para fazer esse tipo de afirmação.

16 Exemplo meu: Para esse estudo, uma estrutura como Comeram o bolo seria equivalente, ou seja, teria o mesmo valor de verdade que O bolo foi comido. Em ambas situações não teríamos mais o bolo.

17 Note-se que existe também uma forte implicação da categoria modo/modalidade e da categoria aspecto na seleção das variantes. As categorias tempo/aspecto/modalidade (TAM) serão apresentadas e discutidas no capítulo seguinte.

Segundo a autora, renúncia à possibilidade de comprovação "não parece ser uma posição cientificamente desejável". A autora diz que se os dados foram recolhidos conforme os parâmetros sociolingüísticos, não há mal algum em analisá-los. E completa: "Caso os fatores extralingüísticos se mostrem irrelevantes, faça-se constar isso, e passe-se à discussão dos fatores lingüísticos".

Finalizando esta seção, cabe mencionar o que WEINREICH et alii ( op. cit.) dizem a respeito de como se deve descrever a mudança lingüística. Segundo os autores, deve-se levar em conta separadamente: mudanças de longo tempo com efeitos similares, mudanças completadas ao longo de um século ou dois, mudanças em curso, que podem ser observadas entre uma ou duas gerações, ou ainda considerar trabalhos puramente sincrônicos - que constitui a proposta para esta dissertação.

Passamos, agora, aos postulados do Funcionalismo Lingüístico.

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