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A memória desperta o interesse e a imaginação do homem desde a antiguidade. Contudo, os primeiros estudos científicos sobre o tema foram realizados há pouco mais de um século (DALMAZ; ALEXANDRE NETTO, 2004). Filósofos têm especulado sobre a memória por mais de 2000 anos, desde que Sócrates propôs que os seres humanos tinham conhecimento inato sobre o mundo (ÁVILA, 2003).

Hoje, com os avanços das ciências biomédicas, se adquire razoável conhecimento acerca dos mecanismos da formação da memória (SOUZA, 1996). Essa incrível habilidade do homem em adquirir, reter e usar informações ou conhecimentos sobre si e o mundo, faz com que a memória seja uma das mais importantes funções cognitivas (TOMAZ, 1993).

Segundo Ferrari (1997) e Yassuda e Canineu (2005), o envelhecimento traz mudanças cognitivas, sendo mais frequentes dificuldades com o aprendizado e a memória. Nesse período da vida, há um declínio maior para novos aprendizados e resolução de problemas. Também com o avançar da idade, há diminuição da habilidade de memorização, recordação, de adquirir e reter novos conhecimentos e informações.

A memória é a base para o desenvolvimento da linguagem, do reconhecimento das pessoas e dos objetos vistos todos os dias, para que o homem saiba quem é e tenha consciência da continuidade da própria vida. Sem a memória, a cada dia, ou mesmo a cada momento, estaríamos começando uma nova etapa, sem podermos nos valer do que aprendemos anteriormente (YASSUDA, 2002).

Salthouse (1991) e Xavier (1993) concordam que a memória não corresponde a um único sistema, mas é composta por sistemas em interação, formados por três etapas (ou fases) do processamento da informação, diferenciando-se entre si somente em sua nomenclatura. São elas: codificação (ou registro da informação), retenção (ou armazenagem) e recuperação (ou resgate). Elas estão presentes em todos os sistemas de memória, estreitamente ligadas e com influências mútuas. Com a idade avançada, o processo de codificação das informações torna-se mais lento e dispendioso.

Codificação trata-se da condução de informação ao cérebro, ou seja, de colocá-la na memória. Esta etapa depende da percepção dos cinco sentidos (audição, tato, paladar, olfato e visão) e da atenção, que por sua vez é considerada mecanismo de filtragem limitador da quantidade de dados adquiridos ou armazenados na memória. Cabe ressaltar que os fatores

como fadiga, ansiedade e preocupação podem interferir neste processo (ATKINSON et al.,

1995; LASCA 2003). Armazenagem consiste na conservação do conhecimento, mantendo a informação na

memória. Esta etapa é reforçada pela repetição ou pela associação.

Resgate refere-se ao acesso à informação armazenada, tendo função de relembrar os dados arquivados e podendo sofrer interferência de ações ocorridas entre o momento da entrada de informação e o da recordação, que por sua vez, poderá ser influenciada por fatores internos como humor, motivação, necessidade e interesse, bem como externos, como local, ambiente e pessoas presentes (COLOM, R; FLORES MENDOZA, 2001).

No século XX surgiram modelos teóricos importantes sobre a memória. Entretanto, o mais influente é o estilo do processamento por níveis, proposto por Atkinson-Shiffrin (1968), no qual o modelo estrutural sugere a existência de três sistemas de armazenamento de informações: Memória Sensorial, Memória de Curto Prazo e Memória de Longo Prazo.

Sternberg (2000) relata que estes modelos são hipotéticos e não estruturas fisiológicas reais, servindo somente como modelo mental para compreender o funcionamento da memória. Diversos autores, dentre eles Ferrari (1997) e Bueno e Oliveira (2004), adotaram a estrutura de processamento em série, no qual a diferença entre os tipos encontra-se nas regiões encefálicas, no tempo de armazenamento e duração de cada processo após a aquisição da informação. Portanto, a memória não envolve sistema único, mas combinação complexa de subsistemas.

Memória Sensorial é o primeiro sistema responsável pelo processo inicial da informação advinda dos sentidos e sua codificação, retendo temporariamente as informações. Memória de Curto Prazo é o segundo processo, denominada também de memória para fatos recentes, recebendo as informações já codificadas pelo mecanismo anterior e permanecendo por alguns segundos ou minutos para que estas sejam utilizadas, descartadas ou mesmo organizadas. E por último, Memória de Longo Prazo possui tempo e capacidade de armazenamento ilimitada, consistindo em trazer informações retrógradas e pessoais (LÉGER

et al., 1989; STOPPE JUNIOR, A; LOUZÃ NETO, 1999).

Memória Sensorial corresponde ao registro inicial que fazemos da enorme quantidade de informações capitadas por nossos sentidos. Esse registro pode ser visual, auditivo, tátil, olfativo, gustativo e proprioceptivo. Como sua duração de armazenamento é curta, em torno de um a cinco segundos, a informação precisa receber atenção ou interpretação a ser transferida do armazenamento sensorial para a Memória de Curto Prazo sob a forma de imagens, palavras ou números, ou será esquecida (BADDELEY, 1992; PINTO, 2003).

Memória de Curto Prazo tem capacidade limitada, sendo que seu tamanho é determinado pela quantidade de itens que ela armazena durante o período de quinze segundos a seis horas. É descrita como o centro da consciência humana, pois abriga os pensamentos e as informações, que depois poderão ser ou não ser armazenados numa memória mais estável ou permanente (Memória de Longo Prazo). O esquecimento recorrente dos fatos, nesse período, explica-se devido à duração de tempo ser curta ou então, a atenção ter sido pouca, visto esta ser primordial para maior retenção desses conhecimentos (STUART-HAMILTON, 2002; IZQUIERDO; BEVILAQUA; CAMMAROTA, 2006).

Segundo Neri (2001), a Memória de Curto Prazo é ainda subdividida em Memória Primária e Memória Operacional, sendo em ambas as informações armazenadas por aproximadamente vinte segundos. A diferença entre elas está na maneira como o material é processado. A Memória Primária tem capacidade de manutenção de poucos itens e contém as informações recebidas que serão usadas imediatamente, como, por exemplo, reter um número de telefone que será usado a seguir. Essa memória tem capacidade limitada, mas pode ser alargada no tempo e durar alguns minutos, sendo que essa extensão recebe o nome de Memória Operacional (DER LINDER et al., 1998; DAMASCENO, 1999).

Memória Operacional trata-se do arquivamento temporário da informação para o desempenho de diversidade de tarefas cognitivas essenciais, como aprendizagem, raciocínio e compreensão. Dessa forma, um objeto ou uma informação pode ser representada pela Memória Primária e posteriormente sustentada pela Memória Operacional (BADDELEY, 2000). Porém, Engle et al. (1999) reforçaram que, como sua duração é curta, será descartada ou transformada em Memória de Longo Prazo, caso haja cargas afetivas ou múltiplas repetições e associações que ajudem a fixar. Memória Operacional é afetada pelo envelhecimento natural, sendo que a velocidade de processamento diminui com a idade (DER LINDER et al., 1994; HERTZOG et al., 2003).

Memória de Longo Prazo é a capacidade que se tem de manter informações graváveis por longos períodos de tempo. Essa memória tem como função três categorias de informações: armazenamento, recuperação e esquecimento, que necessitam da seletividade e priorização dos dados, ou seja, do mecanismo da atenção. Esse tipo de memória tem se mostrado bastante estável e menos atingida na velhice (HELENE; XAVIER, 2003).

O armazenamento da Memória de Longo Prazo afeta o indivíduo em suas percepções perante o mundo e o influencia na tomada de decisões. A recuperação, como readquirir informação depois de décadas, assim como os limites da sua capacidade são desconhecidos. O esquecimento é, portanto, um processo fisiológico importante que ocorre continuamente,

filtrando aspectos irrelevantes ou estocando-os de modo que fiquem acessíveis em sua forma original (HAMDAN, 2003).

Estudos de dissociação envolvendo pacientes neurológicos levaram Squire e Zola - Morgan (1991) e Squire (1992) a proporem distinção de sistemas de memória, segundo o conteúdo a ser processado, diferenciando em Memória Implícita (não – declarativa) e Memória Explícita (declarativa), ambas consideradas como subdivisões da Memória de Longa Duração. Memória Implícita é revelada quando a experiência prévia facilita o desempenho numa tarefa que não requer a evocação consciente ou intencional daquela experiência. Esse tipo de conhecimento inclui habilidades perceptuais motoras, cognitivas e hábitos (como andar de bicicleta, nadar e digitar) (SCHACTER, 1987).

Memória Explícita refere-se às informações que podem ser trazidas a consciência por meio de recordações verbais ou imagens visuais. Ocorre quando a evocação é reconhecida e o indivíduo tem acesso consciente ao conteúdo da informação, como a memória para fatos, imagens, a lembrança de experiência passada ou a recordação do próprio nome (SCHACTER, 1987).

De acordo com Douglas e Spencer (2006), emoção, humor e motivação podem influenciar o quê e o quanto é lembrado. Cabe ressaltar que a Memória Explícita é mais sensível aos efeitos do envelhecimento do que a memorização realizada inconscientemente, ou seja, memória implícita (YASSUDA, 2005).

Acredita-se que há dois subsistemas na Memória Explícita: Memória Episódica (memória autobiográfica) e a Memória Semântica. Memória Episódica é composta de lembranças que o sujeito possui acerca de si próprio e de sua vida, sendo responsável pelo armazenamento e recuperação de informações pessoais, a exemplo: recordações de experiências íntimas e eventos associados há um tempo e/ou lugar em particular, como lembranças da própria formatura, de um filme ou de um rosto (EICH et al., 1994; GAZZANIGA et al., 2002).

Memória Semântica é uma das modalidades mnésicas que aparentam ser mais resistentes aos efeitos do envelhecimento biológico. Ela registra informações verbais, como nomes de pessoas ou lugares, descrições de acontecimentos, conhecimentos gerais e de linguagem como vocabulários, significados e normas semânticas e sintáticas ou de idiomas (GREEN, 2000; BRUCKI, 2004).

O cérebro é estrutura em permanente construção, assim como as memórias do indivíduo, compreendida como conjunto de habilidades que possuem funcionamento

cooperativo de diferentes modos do sistema nervoso central, porém sendo independentes, proporcionando sensação de memória única (XAVIER, 1996; NERI; YASSUDA, 2004).

De modo geral, as pesquisas demonstram que o envelhecimento da memória compreende declínio e estabilidade. Alguns subsistemas, como Memória Semântica e Memória Implícita, apresentam-se estáveis até idades mais avançadas, enquanto outros, como a Memória Operacional e a Memória Episódica, são afetados mais precocemente e intensamente pelo envelhecimento cerebral. Alguns indivíduos apresentam declínio cognitivo expressivo, enquanto outros podem apresentar declínios insignificantes (CARVALHO, 2006).

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