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5 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO: GUIA DO PROFESSOR

5.2 Proposta didático-pedagógica

5.2.1 Fundamentação teórica da proposta didático-pedagógica: estudo dirigido

O estudo dirigido, segundo Cinel (2003),

é uma técnica fundamentada no princípio didático de que o professor não ensina: ele é o agilizador da aprendizagem, ajuda o aluno a aprender. É o incentivador e o ativador do aprender. De maneira especial, essa técnica põe em evidência o modo como o aluno aprende. Pode atender, com vantagens, às exigências do processo de aprender, uma vez que, utilizando-se de dados reais, contidos nas diferentes áreas do conhecimento, incentiva a atividade intelectual do aluno [...]

O estudo dirigido predispõe o aluno à criatividade, uma vez que a sua finalidade principal está voltada à atividade de reflexão [...] (CINEL, 2003, p. 31)

Essa técnica, não determina um número exato de atividades a serem desenvolvidas numa determinada sequência. Assim, para aplicá-la, o professor solicita ao aluno uma determinada tarefa, fornecendo a ele as instruções de como realizá-la, explica Cinel (2013). A aplicação dessa técnica parte de um incentivo comum, que pode ser um cartaz, um texto, por exemplo. A partir de tal incentivo, como explica essa autora (p. 31), “o professor deverá elaborar inúmeras e diversificadas tarefas ou questões para que o aluno as resolva.” Acreditamos que ela (a técnica) se adequa às atividades que almejamos realizar, pois permite ao aluno realizar pesquisas em sala de aula ou fora da escola e assumir uma atitude reflexiva frente ao objeto de estudo, atuando como protagonista no processo de sua aprendizagem.

No que se aplica especificamente ao estudo do componente gramatical, componente desta proposta e do nosso trabalho, Bagno (2012) recomenda que

A pesquisa com as gramáticas normativas e os livros didáticos deve mostrar que, embora compartilhando uma doutrina comum, os bons gramáticos também apresentam em seus trabalhos algumas divergências entre si, pois eles costumam reconhecer as falhas das conceituações tradicionais e oferecem alternativas para as explicações consagradas. Para reconhecer essas divergências, é interessante que a pesquisa nas gramáticas normativas não se prenda a um único autor, mas busque a análise apresentada por pelo menos três compêndios. Com base nessa pesquisa, será possível formular uma síntese das explicações oferecidas pela tradição normativa. (BAGNO, 2012, p. 906, grifo do autor)

Assim, a proposta que apresentamos para o trabalho com o processo sintático de coordenação, tema da nossa pesquisa e desta proposta de intervenção, está fundamentada em duas gramáticas tradicionais, uma vez que a nossa pesquisa parte da teoria tradicional, Cunha & Cintra (2016 [1985]) e Bechara (2015 [1999]) e em três gramáticas contemporâneas de autoria de linguistas brasileiros: Neves (2000); Perini (2010) e Bagno (2012). A sistematização desse processo com base na descrição dos gramáticos-linguistas contemporâneos já foi apresentada na seção anterior.

Importa acrescentar aqui alguns conceitos de gramática, uma vez que a proposta que sugerimos está voltada para o ensino do componente gramatical. Esses conceitos já foram discutidos no decorrer deste nosso trabalho. Mas reapresentaremos, resumidamente, o que alguns autores entendem por gramática.

Possenti (1984) aponta três conceitos para o termo gramática. Vejamos.

1) No sentido mais comum, o termo gramática designa um conjunto de regras que devem ser seguidas por aqueles que querem “falar e escrever corretamente”. Nesse sentido, pois, gramática é um conjunto de regras a serem seguidas. [...]

2) Num segundo sentido, gramática é um conjunto de regras que um cientista dedicado ao estudo de fatos da língua encontra nos dados que analisa a partir de uma certa teoria e de um certo método. Neste caso, por gramática se entende um conjunto de leis que regem a estruturação real de enunciados realmente produzidos por falantes, regras que são utilizadas. [...]

3) Num terceiro sentido, a palavra gramática designa o conjunto de regras que o falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar. [...] O conjunto de regras linguísticas que um falante conhece constitui a sua gramática, o seu repertório linguístico. (POSSENTI, 1984, p. 31-32)

Para esse autor, quanto mais uma gramática do tipo 2 coincida com uma gramática do tipo 3 melhor será aquela. Ou seja, quanto maior conteúdo empírico explicar, melhor será a gramática descrita pelo linguista que está tentando descrever as regras de funcionamento de uma determinada língua, como explica o autor.

Os três conceitos apresentados por Possenti (1984) correspondem ao que Travaglia (2009) denomina gramática normativa, gramática descritiva e gramática internalizada ou competência linguística internalizada do falante. Esse autor apresenta vários outros conceitos de gramática, além dos três aqui citados, dentre eles os três a seguir.

4) Gramática implícita, que é a competência linguística internalizada do falante [...] Esse tipo de gramática, por possibilitar o uso automático da língua, está diretamente relacionada com o que se chama no ensino de gramática, no trabalho escolar com a gramática, de gramática de uso.

5) A Gramática explícita ou teórica é representada por todos os estudos linguísticos que buscam, por meio de uma atividade metalinguística sobre a língua, explicitar sua estrutura, constituição e funcionamento. Assim, todas as gramáticas normativas e descritivas são gramáticas explícitas ou teóricas [...]

6) A gramática reflexiva é a gramática em explicitação. Esse conceito se refere mais ao processo do que aos resultados: representa as atividades de observação e reflexão sobre a língua que buscam detectar, levantar suas unidades, regras e princípios, ou seja, a constituição e funcionamento da língua. (TRAVAGLIA, 2009, p. 33, grifos do autor)

Travaglia (2009) explica que os três conceitos de gramática expostos acima podem ser diretamente relacionados a três tipos de atividades produtivas no ensino de gramática, a saber: atividade linguística, atividade epilinguística e atividade metalinguística. A primeira corresponde a atividades “de construção e/ou reconstrução do texto que o usuário realiza para se comunicar. Podemos relacioná- las com a gramática de uso, pois ocorrem quando o usuário da língua utiliza de forma automática a sua gramática internalizada” (p. 34), ou seja, trata-se de atividade que se exige reflexão sobre a língua para selecionar os recursos linguísticos e organizá-los na construção do texto. Já a segunda corresponde a atividades em que é necessária uma “reflexão sobre os elementos da língua e de seu uso relacionada ao processo de interação comunicativa.” (p. 34). Esse tipo de atividade pode ser consciente ou não. Se inconsciente, ela se relaciona com a gramática de uso. Se consciente, se aproxima mais da gramática reflexiva, como ressalta o autor. Por fim, a atividade metalinguística é aquela

[...] em que se usa a língua para analisar a própria língua, construindo então o que se chama de metalinguagem, isto é, um conjunto de elementos linguísticos próprios e apropriados para se falar sobre a língua. [...] na maioria das vezes, está relacionada diretamente a teorias linguísticas e métodos de análise da língua. Todos os estudiosos e especialistas da língua fazem metalinguagem, todas as gramáticas descritivas, históricas, comparadas, geral, universal ou de outros tipos são produtos de atividade metalinguística. Podemos pois afirmar que a atividade metalinguística se relaciona diretamente com o que chamamos anteriormente de gramática teórica. (TRAVAGLIA, 2009, p. 34-35) No estudo dirigido a seguir, tentamos considerar esses três tipos de atividades propostas por Travaglia (2009), embora alguns estudiosos não concordem com o uso de atividades de metalinguagem no ensino fundamental.

Por fim, mas não menos importante, é preciso esclarecer que, para que o estudo do processo sintático de coordenação possa favorecer o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno, é preciso leva-lo à compreensão de que:

• existem diferentes relações de sentido entre os elementos linguísticos coordenados nas frases e nos textos;

• essas relações acontecem não só entre orações, mas também entre sintagmas, períodos, parágrafos ou até partes maiores do texto;

• as unidades coordenadas no interior das frases tendem a ter um mesmo padrão estrutural e essa simetria na forma gramatical, chamada paralelismo, é um mecanismo que torna mais coesas as ideias relacionadas. (CAMPOS, 2014, p. 189) Como explica a autora (p. 189), o cumprimento das metas definidas acima leva o aluno a compreender com mais segurança as relações de coordenação e “ajuda a melhorar o seu desempenho em leitura e produção textual, sobretudo durante a revisão do texto [...]”.

A metodologia aqui adotada busca respaldo, também, nas propostas de Perini (2010), Bagno (2002, 2012) e Travaglia (2009).

Tentaremos, na medida do possível, comparar a abordagem tradicional apresentada pelo livro didático com a abordagem linguística mais atualizada, verificando, quando possível, tal ocorrência em alguns textos, pois, para empreender esse confronto entre o que consta no livro didático e o uso real, é necessário constituir um corpus de onde possam ser extraídos os dados que responderão à pergunta lançada pelo professor, como sugere Bagno (2012).

Para a constituição desse corpus, poderemos recorrer às diversas manifestações de uso da língua, sugere o autor. Dentre essas manifestações, Bagno (2012) sugere letras de canções, histórias em quadrinhos, reportagens de jornais e revistas, matérias de capas de revistas, entrevistas gravadas pelos próprios alunos etc.

Dessa forma, tentaremos inserir os nossos alunos do ensino fundamental no universo da pesquisa em sala de aula, tentando levá-los a uma reflexão sobre o fenômeno gramatical em estudo e à construção da própria aprendizagem do componente gramatical, entendendo que esse é um dos componentes da língua, e como tal, precisa ser trabalhado já na educação básica, visando o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno. Convém esclarecer que várias das perguntas sugeridas nas diversas etapas desse estudo foram adaptadas de sugestões apresentadas por Bagno (2012) e Travaglia (2009).

Esclarecidas as questões metodológicas, passemos ao estudo dirigido propriamente dito, lembrando que essas atividades ainda não foram testadas com alunos.