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1. GEOGRAFIAS DE CINEMA: CONTEXTUALIZAÇÃO E REVISÃO

1.4. Fundamentação teórica da tese

A experiência de ver filmes no mundo contemporâneo é uma experiência geográfica, principalmente porque estamos falando de um mundo em que

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suas práticas espaciais orientam-se mais pela imagem que se tem das coisas, do que pelas próprias coisas em si.

(Antonio Carlos Queiroz do Ó Filho, 2009)

Os “personagens geográficos”, de acordo com Name (2008), podem ser reais ou fictícios. Os reais são aqueles cujas vidas e trajetórias estão ou estiveram muito ligadas a um determinado espaço geográfico, como estes exemplos: o arquiteto Oscar Niemeyer e a cidade de Brasília; o escritor Jorge Amado e a cidade de Salvador; o ambientalista Chico Mendes e a Floresta Amazônica. Já os “personagens geográficos” fictícios, presentes nos filmes, são aqueles personagens principais da trama, que transitam no “espaço fílmico” e lhe dão sentido. São eles que interagem nos conflitos dramáticos dos “territórios fílmicos”, ou seja, a análise geográfica de um filme parte dos seus “personagens geográficos”.

É importante destacar que “personagem geográfico” não pode ser tomado como uma síntese do lugar, já que o lugar é formado por diversas pessoas, com múltiplas identidades, que contribuem de diferentes maneiras para a sua significação. Outra questão importante é que, em linguagem cinematográfica, personagens fílmicos não são apenas pessoas, mas, podem ser também lugares. Um bom exemplo de lugar como personagem fílmico está em Psicose (Psycho), de Alfred Hitchcock - 1960. Nesta obra não apenas as pessoas são personagens, mas também a casa sede do Bates Motel, cuja arquitetura da fachada, com janelas que remetem a olhos, figura como uma representação metafórica da Senhora Bates, já falecida, e de sua transfiguração em seu filho Norman, que a encarna em seus surtos psicóticos.

Os filmes a serem analisados são: Cidade Baixa, Sérgio Machado (2005), Trampolim do Forte, João Rodrigo Mattos (2010), e Jardim das folhas sagradas, de Pola Ribeiro (2011). No primeiro filme, desenvolve-se um triângulo amoroso entre os “personagens geográficos” Karinna, interpretada por Alice Braga, Naldinho, por Wagner Moura, e Deco, por Lázaro Ramos - Figura 1, na próxima página, três jovens na faixa dos vinte anos de idade sem muita perspectiva de vida na cidade de Salvador.

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Figura 1: Os “personagens geográficos” de Cidade Baixa - Karinna, Naldinho e Deco. Fonte: Site www.adorocinema.com.

Os “personagens geográficos” de Trampolim do Forte são o protagonista Déo, à esquerda na Figura 2, e seu amigo Felizberto, co-protagonista da história, interpretados pelos atores mirins Lúcio Lima e Adaílson Santos, filhos de famílias desestruturadas que passam a viver nas ruas do bairro da Barra. Em Jardim das folhas sagradas, Bonfim, interpretado por Antonio Godi, à direita na Figura 2, é o principal “personagem geográfico. Um homem com uma missão de vida, erguer um terreiro familiar para dar continuidade a uma tradição familiar.

Figura 2: Os “personagens geográficos” de Trampolim do Forte, Déo e Felizardo, à esquerda, e de

Jardim das folhas sagradas, Bonfim, à direita.

Fonte: Site www.adorocinema.com.

O “espaço fílmico” dos três filmes em destaque é o espaço público de Salvador/BA, e os “personagens geográficos” são os seis citados no parágrafo anterior. A análise desses “personagens geográficos” mobiliza uma série de questões a serem respondidas sobre eles, como informa Name (2008): Quem são estes “personagens geográficos”? Qual a sua faixa de idade e classe social? Qual a sua ocupação e ou profissão? Em qual “espaço fílmico” ele está inserido? De que maneira se desenrola a sua história na narrativa fílmica? Quais são os conflitos nos quais este personagem se envolve? Como é o desfecho do personagem ao

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final do filme? E, por último, e o mais importante, como este personagem contribui para a construção do “espaço fílmico”?

As diversas perguntas apontadas acima serão respondidas no seu devido tempo, no ato e no momento de se realizar as análises de cada obra. Para cada um dos “personagens geográficos” citados, em seus respectivos filmes, buscará se responder cada uma das perguntas colocadas no parágrafo anterior, no intuito de se elaborar um perfil detalhado de cada personagem.

Os conceitos de território e de territorialidades podem ser mobilizados em diversas escalas, como aponta Ó Filho (2009), tanto na escala global, quanto regional e local. Neste último caso fala-se de territorialidades locais, ou de microterritorialidades, como preferem alguns autores. É esta a escala utilizada nesta Tese, o espaço público de Salvador corresponde a uma escala local, e as territorialidades que nele ocorrem podem ser debatidas a partir dos filmes escolhidos para análise. Para o autor citado, os “territórios fílmicos” e “territorialidades no espaço fílmico”, são um olhar específico que um determinado filme trata acerca de territorialidades que ocorrem de fato na vida real.

Para se analisar os “territórios fílmicos” e territorialidades no “espaço fílmico”, o autor deve buscar responder a algumas questões, como aponta Ó Filho (2009): Qual é ou quais são os “territórios fílmicos” representados no filme em análise? Onde eles se localizam, geograficamente e historicamente? Até que ponto há verossimilhança entre os “territórios fílmicos” representados e a realidade que eles representam? Quais os condicionantes envolvidos nas territorialidades do “espaço fílmico” analisado? E, buscando aliar ao conceito anterior, o de “personagens geográficos”, uma pergunta fundamental para esta Tese: De que maneiras os “personagens geográficos” se inserem nos “territórios fílmicos” e vivenciam as “territorialidades no espaço fílmico”?

A articulação dos três conceitos leva em conta a seguinte estrutura analítica: o “espaço fílmico” é o âmbito maior da pesquisa, é a estrutura geral do filme, em seus diversos aspectos, e a forma como este “espaço fílmico” se refere ao espaço material, à realidade representada, o espaço público de Salvador; os “personagens geográficos” são os atores sociais que habitam este “espaço fílmico”, que protagonizam a história, que produzem o espaço à sua volta, e que também são produzidos por ele; as narrativas dos filmes são estruturadas através de conflitos nos quais os personagens se envolvem, estes

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conflitos se dão no território, e envolvem territorialidades diversas, logo, os “territórios fílmicos” e as “territorialides fílmicas” são as expressões e representações cinematográficas de questões territoriais recorrentes no mundo real.

Cabe, neste momento, resgatar a discussão feita anteriormente, no primeiro capítulo, sobre “representações audiovisuais”, de acordo com Casetti e Di Chio (1990), e de “representações sociais”, por Halfacree (1993). As “representações cinematográficas”, como informam Casetti e Di Chio (1990) implicam três níveis: 1. O que está posto em cena, o cenário e os conteúdos da imagem; 2. O que está posto em enquadramento, a fotografia do filme e como os conteúdos são apresentados; 3. O que está posto em sequência, a montagem e as relações e nexos entre cada imagem e as outras precedentes e seguintes. Da articulação destes três níveis emerge uma dimensão espaço-temporal.

As “representações sociais” estão ligadas à relação entre espaço e discurso, os discursos que se fazem sobre o espaço, na construção das “representações sociais”, como informa Halfacree (1993). O espaço e o lugar são vistos como construtos mentais subjetivos, que, considerando os simbolismos coletivos, mobilizam diversos elementos: a linguagem de um determinado lugar; as manifestações religiosas; as relações étnicas e de gênero; a cultura alimentar predominante neste lugar; as manifestações artísticas mais representativas e outros aspectos.

A Figura 3, na próxima página, apresenta uma síntese esquemática da correlação entre Comunicação Social e Geografia Cultural, e, no âmbito de cada uma, respectivamente, entre representações audiovisuais, que englobam os estudos fílmicos, e representações sociais, que englobam os estudos culturais. Do diálogo e interface entre estas duas áreas, representadas pelos dois conjuntos de círculos concêntricos na parte superior da figura, emergem as Geografias de Cinema, já comentadas no início do Capítulo 1. O suporte de pesquisa utilizado na Tese foram as técnicas da Análise fílmica e da Narratologia fílmica, a serem detalhadas no capítulo a seguir. No centro do foco de interesse das Geografias de Cinema estão os estudos geográficos sobre cinema, analisados no capítulo anterior.

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Figura 3: Correlação esquemática entre os âmbitos de análise. Fonte: Elaborado pelo autor.

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