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2.3 EDUCAÇÃO FISCAL

2.3.2 Fundamentos do Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF

2.3.2.1 Fundamentos Pedagógicos da Educação Fiscal

A educação é uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura em sua sociedade. Está intimamente ligada ao convívio social do homem, que a molda e a reinventa de acordo com o ambiente e a cultura em que está inserida (BRANDÃO, 1985).

Numa perspectiva de construção social, a ação do homem deve provocar “perturbação” em relação à sua própria existência, como um chamado à mudança. Para Freire (2005), sendo o homem fator determinante no processo de educação, sua ação deve representar à sociedade, através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, lhe desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível de ação, aqui traduzida como o pleno exercício da cidadania.

A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são produtores dessa realidade e se esta, na inversão das práxis, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens. (FREIRE, 2005, p. 41)

Freire (2005), acredita que a realidade social, como também a sua transformação, não é fruto do acaso. Analisa que, se os homens são os agentes dessa realidade, cabe a eles mudá- la. A educação serve, então, como elo entre os direitos políticos e sociais que o cidadão espera receber do Estado. A oferta de um nível mínimo de escolaridade para a população torna-se um direito e um dever intimamente ligado ao exercício da cidadania. Para isso, o Estado deve proporcionar não só o ensino, mas também o acesso a crianças e adultos. Deve considerar as exigências e a natureza da cidadania, e estimular o desenvolvimento por uma formação integral. Esse contexto inclui a educação fiscal enquanto prática pedagógica voltada à cidadania (FREIRE, 2005; SHOLZ, 2005; LOBO et al, 2005, YUBERO et al, 2009).

Para Saviani (2008), a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos, o que exige, para sua compreensão, o entendimento da sua natureza. Só o homem constrói continuamente sua existência através do trabalho, o que o diferencia dos outros animais.

A ciência da educação é Pedagogia. Considerar que a educação é uma prática social que se dirige a vida humana em sua totalidade, significa dizer que todas as disciplinas ligadas ao homem relacionam-se com a pedagogia (SAVIANI, 2008). Para o autor, por suas interfaces naturais, ciências como a Psicologia, a Sociologia e a Economia, entre outras, ocupam-se com os problemas da educação. Esse vetor de análise possibilita inserir nesse contexto, a ciência contábil, que procura fornecer informações úteis à tomada de decisão no seio das organizações, o que permite ao receptor (homem), transformar continuamente o ambiente em que vive em função de suas crenças e valores (elementos que suportam os conceitos de cultura).

Nesse sentido, como temática de algumas disciplinas que operam o significado sócio-econômico do tributo, a justiça fiscal e a ética inerente à sua distribuição e aos efeitos consequentes desse entendimento, a educação fiscal tem como uma de suas premissas provocar mudança social, interligando ciências como a economia, a sociologia e a contabilidade. No contexto contábil, essa ligação se dá, basicamente, no que diz respeito à mensuração.

Sendo um tema multidisciplinar, sua abordagem exige um rigor científico que o torne claro frente às especificidades de cada disciplina. Esse rigor traduz-se na correta definição pedagógica do que seja educação fiscal numa perspectiva macro, evitando-se, assim, qualquer confusão conceitual.

Nessa perspectiva, este estudo procura definir os fundamentos pedagógicos da educação fiscal, buscando alcançar suas bases filosóficas. “Qualquer que seja o entendimento, ou prática educativa, há que existir uma filosofia subjacente a sua formação” (CHAVES, 2007, p. 10), pois é filosofia que orienta as linhas e as concepções fundamentais da prática educativa (SAVIANI, 1980; CHAVES, 2007)

A Pedagogia, nesse sentido, estuda a educação (inclusive a fiscal) em sua perspectiva global, e as demais ciências em suas especificidades. Isso não significa que a Pedagogia, por ser a ciência da educação, sobrepõe-se as demais. De fato, elas se complementam, e a ciência da educação beneficia-se pelo estudo específico e através dos métodos próprios de cada uma das outras.

Sob as bases filosóficas, a prática educativa assume dois pólos de análise, uma como processo e outra como produto (SAVIANI, 1980). Como processo, a filosofia da educação é uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas que a realidade educacional observada apresenta. Sob o ponto de vista de produto, aproxima-se mais do conceito de ideologia, esta como uma visão ampla, articulada com interesses de determinados grupos socais, classes e sociedades.

Chaves (2007), esclarece que embora parcial, fragmentária, e superável, a perspectiva da filosofia da educação como produto apresenta concepções mais variadas, buscando imprimir um direcionamento ao processo educativo, dentro do movimento histórico de um Estado, instituição ou organização. A autora afirma, então, que existem várias e diferentes concepções de “filosofias” da educação.

Saviani (1980) afirma, de forma genérica, que as concepções fundamentais na filosofia da educação são: a Humanista Tradicional, a Humanística Moderna, Analítica e a Dialética. Essas concepções embasam e fundamentam a estrutura pedagógica no contexto escolar, motivo pelo qual o trabalho busca fundamentar a educação fiscal pelo mesmo caminho.

A Concepção Humanista Tradicional está marcada pela visão essencialista do homem, ou seja, de que ele é constituído de uma essência imutável. “Cabe à educação adaptar-se a essa condição, e os aspectos de inovação são considerados acidentais” (SAVIANI, 1980, p. 19-20).

A Concepção Humanista Moderna é marcada na existência (que precede a essência) na vida e na atividade do homem. A natureza humana é mutável, dependente da experiência vivida, e a inspiração filosófica é centrada nessa experiência. Nessa teoria não é importante apenas o aprendizado contínuo, mas o entendimento de que os vários modelos educacionais podem ocorrer e se sobrepor em função da existência (SAVIANI, 1980).

A Concepção Analítica não pressupõe explicitamente uma visão de homem nem de um sistema filosófico geral. A função da filosofia educacional é a de efetivar a análise lógica da linguagem educacional (SAVIANI, 1980).

A Concepção Dialética vê o homem como uma síntese de múltiplas determinações, por conseguinte, vê-lo concreto. A filosofia, nesse sentido, é o instrumento cuja tarefa é explicitar as questões educacionais que só se explicam tendo como referência o contexto histórico em que estão inseridas (SAVIANI, 1980).

Sob o ponto de vista do modelo conceitual adotado para este trabalho, essa discussão serve como ponto de referência para enquadrar, numa concepção filosófica, restrita no contexto de discussão contábil, à educação fiscal sob um pressuposto dialético (crítico). Essa classificação toma como referência os critérios de historicidade, que na visão de Chaves (2007) é consenso entre os pensadores da educação, e consideram: 1) a análise dos princípios filosóficos; 2) as teorias da educação que embasam a concepção; 3) a prática pedagógica; e, 4) as consequências para o sujeito e para a sociedade.

A partir dos pressupostos estabelecidos, faz-se aqui uma associação entre os valores, as diretrizes e os objetivos do PNEF, e a concepção filosófica dialética da educação, utilizando como vetor de associação os critérios de identificação analisados por Chaves (2007, p. 20-23).

1) Análise dos princípios filosóficos

a) A concepção dialética baseia-se no conceito de homem concreto, isto é, homem como síntese de ”múltiplas determinações”, homem como conjunto das relações sociais.

b) A tarefa da filosofia é explicitar os problemas e valores da educação;

c) Os problemas educacionais só podem ser entendidos dentro do contexto histórico onde são inseridos.

d) Como concepção humanística moderna, admite que a realidade é dinâmica e não admite nenhum princípio metafísico que governa o homem. O mundo, o homem, a natureza e a sociedade seguem leis objetivas e podem e devem ser conhecidas e dominadas pelo homem pelo trabalho. Não nega a essência, nem a natureza, mas defende um dinamismo recíproco entre ambas, no qual o todo como as partes que o constituem forma uma totalidade que ao mesmo tempo se contrapõe as partes entre si e as une num movimento aparentemente caótico(sincrese) na busca da análise e da síntese.

e) A educação terá de se colocar a serviço da nova sociedade que nasce no seio da velha sociedade, até então dominante.

Por seus valores, a educação fiscal é calcada na liberdade, igualdade e justiça social entre os homens, conceitos concretos e sem interfaces metafísicas. O Homem é superior ao Estado, que se presta a consolidar essa liberdade, igualdade e justiça social. O programa (educativo) deve ser comprometido com a construção da cidadania, com a solidariedade, a ética, a transparência, a responsabilidade fiscal e a social. (ESAF/MF/MEC, 2009, cad. 1, p. 26-27).

2) Teorias da educação que embasam a concepção;

a) Sabe-se que a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos. Assim, a compreensão da natureza da educação passa pela compreensão da natureza humana. Ora, o que diferencia os homens dos animais é a Educação e o trabalho: o homem produz intencionalmente a sua própria existência, e ao fazer isso transforma a natureza, faz cultura (educação) e educa-se.

c) A educação forma no homem uma segunda natureza; portanto, o que não é garantido pela natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele produzida, sobre a base da natureza, bio-física-psíquica. Conseqüentemente, o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida historicamente e coletivamente pelo conjunto dos homens; assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos, da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo.

d) A escola existe para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência) bem como o acesso aos rudimentos do saber escolar. A escola é organizada em um sistema de ensino, currículo, disciplinas, programas, avaliação, diplomas, para garantir a todos o direito a cidadania culta.

A educação fiscal é a abordagem didático-pedagógica capaz de interpretar as vertentes financeiras da arrecadação e dos gastos públicos, estimulando o cidadão a compreender o seu dever de contribuir solidariamente em benefício do conjunto da sociedade e, por outro lado, estar consciente da importância de sua participação no acompanhamento da aplicação dos recursos arrecadados, com justiça, transparência, honestidade e eficiência. Dessa forma, minimiza-se o conflito de relação entre o cidadão-contribuinte e o Estado arrecadador (ESAF/MF/MEC, 2009).

Esse processo educativo possibilita-lhe a compreensão do que é o Estado, suas origens, seus propósitos, e da importância do controle da sociedade sobre o gasto público, através da participação de cada cidadão, concorrendo para o fortalecimento do ambiente democrático.

Esse conhecimento acumulado, além de representar uma obrigação dos gestores do programa, como consequência da prática social na qual o indivíduo está inserido, forma-o como disseminador, dando-lhe uma nova “natureza” social.

3) A prática pedagógica;

O Método proposto para a prática pedagógica mantém: a. A vinculação contínua entre educação e sociedade; b. Professor e aluno são considerados agentes sociais;

c. Passos do processo educativo (ou processo ensino-aprendizagem):

1o Passo: o ponto de partida é a prática social (comum ao professor e ao aluno).

Professor e aluno se posicionam diferentemente enquanto agentes sociais diferenciados. Do ponto de visita pedagógico há diferença entre professor e aluno: níveis diferentes de compreensão de conhecimento e de experiência da prática social: o professor tem compreensão sintática, o aluno tem compreensão sincrética;

2º Passo: problematização (problemas apresentados pela prática social): que conhecimentos são necessários para dominar a prática social? Que tipo de médico, professor, físico, químico a sociedade precisa?

3º Passo: instrumentalização. Refere-se à apropriação dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas apontados pela prática social do professor e do aluno. Como tais instrumentos são produzidos socialmente e preservados historicamente, a apropriação pelo aluno depende de sua transmissão direta ou indireta do professor. O modo da transmissão depende do professor, conforme o meio de que dispõe.

4º Passo: cartese (expressão gramsciana). Adquiridos os instrumentos básicos, chega o momento da expressão elaborada da nova forma de conhecimento adquirido sobre a prática social. O pensamento do aluno elabora uma forma superior do conhecimento: incorporação de novos conhecimentos e superação dos velhos ou superação da ignorância. Mudança de atitudes e incorporação de comportamentos superadores.

5º Passo: o ponto de chegada é a nova prática social qualitativamente superior ao ponto de partida. O aluno se eleva ao nível do professor com uma visão sintética da realidade. A catarse é o momento culminante da aprendizagem, pois acontece pela mediação da análise levada a término pela ação do professor, fazendo o aluno passar da síncrese (visão caótica) para a síntese (visão do domínio do conhecimento)

As ideias forças que regem o PNEF compreendem (ESAF/MF/MEC, 2009, Caderno 1, p. 27):

 Na cidadania, objetiva possibilitar e estimular o crescente poder do cidadão quanto ao controle democrático do Estado, incentivando-o a participação individual e coletiva na disseminação de políticas públicas e na elaboração das leis para sua execução;

 Na ética, uma conduta responsável, individual e coletiva que valorize o bem comum; e

 Na política, uma gestão pública eficiente, transparente e honesta quanto a captação, alocação e aplicação dos recursos públicos.

Essas ideias exigem uma ligação contínua entre o processo educacional, o cidadão e a sociedade, todos como agentes sociais necessários ao processo de conscientização sobre o Estado, seu papel, a divisão igualitária dos recursos públicos, e a necessidade de disseminação dessa visão.

4) As conseqüências para o sujeito e para a sociedade.

a. Centra-se na igualdade essencial dos homens;

b. Articula-se com as forças emergentes da sociedade, convertendo os serviços da educação em instrumentos de uma sociedade igualitária;

c. Não secundariza os conhecimentos científicos, culturais e artísticos, mas busca difundi-los ao maior número de pessoas;

d. Não nega a essência nem a existência, mas vê a relação histórica e contraditória entre ambas, buscando a síntese da realidade humana e social;

e. É uma pedagogia crítica e radical e sabe-se condicionada – que a educação não é o determinante das transformações sócias, mas se relaciona dialeticamente com a sociedade;

f. Situa-se para além da pedagogia da essência e da pedagogia da existência: supera-a incorporado suas críticas recíprocas, numa proposta radicalmente nova; sua radicalidade consiste na superação da crença seja da autonomia, seja da dependência da educação, face as condições sócias vigentes;

g. Não se pode instituir uma boa escola numa sociedade má, isto é, numa sociedade

que gera o processo de alienação e desumanização. (ESAF/MF/MEC, 2009)

A Educação fiscal difunde a ideia de igualdade, liberdade e justiça. Como programa de governo, objetiva repassar conhecimentos aos agentes influentes no processo de gestão, que criticamente podem interferir (controle social) sobre as ações dos gestores. Ajuda a construir uma sociedade igualitária, pois preconiza a igualdade entre os homens. Por esse processo, o Estado supera a condição latente de gestor, e condiciona, de forma participativa, o cidadão a fiscalizá-lo, cumprindo concretamente o seu papel.