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Futebol como um evento caótico, determinístico

No documento O jogo como reflexo do processo de treino (páginas 49-53)

O termo caos não tem, em termos científicos, o significado que, normalmente, lhe atribuímos. Se pesquisarmos a palavra caos no dicionário da língua portuguesa a definição que encontramos é a seguinte: estado confuso dos elementos cósmicos antes da suposta intervenção de um demiurgo ou de um princípio organizador do Universo; desordem; balbúrdia; confusão; indiferenciação;

Sabemos que em sistemas dinâmicos complexos, os resultados podem ser de carácter imprevisível, já que estão sujeitos a perturbações derivadas da elevada quantidade de parâmetros e variáveis sobre a qual este se desenvolve. Mesmo em sistemas sem perturbações, sabemos que qualquer erro na determinação das condições iniciais pode ser amplificado. No entanto, é sempre suscetível às suas condições iniciais, independentemente das perturbações que ocorrem no mesmo, devido aos processos de auto- organização (Frade, 1989; in Garganta, 1997).

Um jogo de Futebol trata-se de um sistema dinâmico complexo. Não é previsível e o sistema em si está sempre dependente das suas condições iniciais. Visto que não podemos controlar este caos nem prever os acontecimentos futuros, mudamos a nossa abordagem. Procuramos criar a ordem a partir da desordem.

Consideramos, por isso, o Futebol um fenómeno caótico determinístico já que os seus acontecimentos são determinados consoante a ligação entre o caos e a ordem (Garganta, 2000).

Dentro deste ambiente caótico, o jogador encontra-se numa rede de relações de cooperação e oposição, exigindo uma participação psíquica aliada à participação motora. Os momentos mais decisivos de um jogo de futebol são quase sempre provenientes de uma boa decisão tomada em questão de segundos, por vezes em frações de segundo.

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Num primeiro olhar, perspetivamos o jogador num ambiente caótico. Seria impossível prever que ele naquele momento se apresentaria naquele lugar com aquelas condições. Contudo, o desafio e interesse do jogo estão, a meu ver, precisamente nesse ponto.

O desenvolvimento do jogo providencia contextos diferentes sendo impossível prever de forma precisa o seu decorrer, no entanto, procuramos ter algum controle sobre este caos. O nosso objetivo passa a ser preparar os jogadores de tal forma a que estes sejam capazes de reagir organizadamente aos contextos em que se encontram, correspondendo à capacidade de auto- organização inerente a qualquer sistema.

Para o jogador ser capaz de tomar uma boa decisão há uma imensidão de informações que tem de considerar. A velocidade de aquisição desses dados e resposta aos mesmos é estimulada pelo processo de treino que, segundo a Periodização Tática, visa a aprendizagem de um Modelo de Jogo (a ser explicado no subcapítulo seguinte).

O Modelo de Jogo procura criar coerência nas decisões, enquadrado num contexto, cujo destino é monopolizado por um conjunto de decisões individuais. Isto significa que o jogador deve decidir mediante um contexto que lhe é providenciado pelo jogo (caos) e a decisão, que será tomada mediante o Modelo de Jogo (ordem) afetará o decorrer do mesmo, criando uma relação recíproca ambos. O desafio está em encontrar a coerência (entre os membros da equipa) harmoniosa com o jogo.

É a função do treinador preparar a sua equipa para concretizar os seus objetivos neste ambiente aparentemente caótico. A preparação não se limita a desenvolver habilidades que possam ser úteis dentro de campo, dando-se cada vez mais importância à tomada de decisão do jogador. Procuramos enquadrar os jogadores com um macrossistema passível de perturbações, tornando-os capazes de reagir organizadamente a estas perturbações. Não nos chega preparar sequências que sejam executadas de forma exímia no treino, pois essas sequências não vão ser executadas no mesmo contexto que em jogo.

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A equipa deve estar de tal forma enquadrada ao ponto de em qualquer momento de jogo todos os jogadores sejam capazes de se adaptarem ao contexto de jogo, apresentando um posicionamento coletivo que represente a estrutura pretendida mediante os meios e fins estabelecidos.

O fato de o futebol ser jogado no limiar do caos não significa que se encontre constantemente num estado de desequilíbrio. A auto-organização que procuramos no nosso “sistema” contraria esta tendência, sendo que o desempenho de uma equipa estará diretamente relacionado com esta capacidade.

É a partir desta análise ao Futebol que percebemos cada vez melhor a importância da tomada de decisão.

Durante a presente época, vi-me por várias vezes forçado a interromper um exercício antes do tempo premeditado. Esta paragem inesperada surgia quando me parecia que os jogadores estavam a treinar sem propósito específico ou pelo menos sem consciência do mesmo.

Aproveitei muitas vezes estas paragens para relembrar os jogadores dos objetivos do nosso treino. Senti a necessidade de relembrar que há objetivos, procurando clarificar a diferença entre “jogar à bola” e jogar Futebol.

Para mim, a diferença prende-se pela consciência que temos do contexto em que estamos e a maneira como interagimos com o mesmo. Se queremos jogar Futebol temos de ter consciência que estamos inseridos num sistema dinâmico complexo de relações de cooperação e oposição, e que temos de tomar todas as nossas decisões com algum critério de modo a contribuir positivamente para o mesmo.

É por esta razão que damos cada vez mais importância à tomada de decisão, tornando do Futebol um jogo inteligente.

Referir que a preparação de uma equipa não passa apenas por desenvolver capacidades que nos possam ser úteis no campo, não significa excluir este aspeto do processo de treino. Estas capacidades são de vital importância para ter sucesso na sua prática. Sem elas não poderíamos por em

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prática as nossas intenções, contudo, sem as termos estabelecido, não podemos aplicar a nossa técnica ou potência física.

De todas as dimensões do jogo (técnica, tática, física e psicológica) a tática surge como dimensão coordenadora do processo, como explicarei numa fase posterior do trabalho, já que esta dimensão merece mais atenção do que as restantes, tendo em conta o seu papel no processo.

Esta compreensão do jogo assenta principalmente na consciência que temos do nosso papel no jogo e das decisões que devemos tomar. Eleva-se o papel do treinador e a importância do Modelo de Jogo e quão bem os jogadores se enquadram no mesmo para o sucesso duma equipa.

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No documento O jogo como reflexo do processo de treino (páginas 49-53)

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