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Apesar de, nesta fase, o meu método de modelação de jogo não estar de acordo com a Periodização Tática, visto que dou prioridade às características dos jogadores, aplico as suas ideias no que toca ao processo de treino.

A metodologia que aplico percebe o treino de maneira um pouco diferente. Procuramos, prioritariamente, orientar a tomada de decisão dos jogadores de maneira a desenvolver as ligações da unidade da equipa. Trata- se de um processo de ensino-aprendizagem que visa a aplicação das convicções táticas do treinador, de modo a criar um entendimento coletivo do que deve ser o jogo mediante os objetivos da equipa. O desenvolvimento das restantes dimensões está dependente da maneira como pretendemos definir o jogo.

De acordo com o supracitado, o contexto em que estive este ano inserido apresentava algumas limitações no que toca à modelação do nosso jogo. Em termos teóricos cada clube tem a sua identidade e que é representada por todas as equipas que o integram. Tal não acontecia no CF S. Félix da Marinha. Ainda assim, quando fui convidado para este cargo, defini como principal objetivo unificar o modo de jogar entre as diferentes equipas - um processo que demoraria muitos anos a concretizar.

De modo a atingir este objetivo muitas reuniões foram feitas entre a equipa técnica do plantel sénior e os coordenadores das equipas de formação, no sentido de encontrar um modo de jogar aceitável entre todas as equipas. A visão da direção, que era defendida pela equipa técnica do plantel sénior contratada no início da época e, posteriormente a um período de adaptação, defendida por todo o clube, visava um futebol pressionante de construção lenta.

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O processo de treino adotado no clube vai ao encontro desta metodologia. O objetivo do treino é fazer emergir uma identidade própria e potenciar as habilidades requisitadas no jogo, cujo decorrer é influenciado por esta mesma identidade. Tentamos, dentro dos possíveis, adaptar-nos ao jogo e orientá-lo para um contexto em que estejamos confortáveis.

A Periodização Tática visa, mediante os problemas com que os jogadores se defrontam no jogo, a construção de conhecimento e tomada de decisão, o conjunto de princípios que chamamos modelo de jogo, sobre os contextos táticos específicos providenciados no jogo (Pivetti, 2012).

Procuramos então no treino, através de exercícios base, que chamamos jogos reduzidos, providenciar aos jogadores contextos idênticos aos que esperamos encontrar em jogo, e orientar os jogadores para decisões que sejam favoráveis à equipa, sem retirar a liberdade dos mesmos.

Considera-se que o Futebol é constituído por quatro dimensões: tática, técnica, física e psicológica, contudo, a metodologia utilizada vê a primeira dimensão de forma diferente. A tática é considerada uma dimensão mais complexa, manifestada pela organização entre as restantes dimensões (também complexas, mas não tanto como a tática). Assim, a tática é considerada a dimensão coordenadora de todo o processo.

As restantes dimensões devem então ser trabalhadas mediante a modelação tática da equipa. Se no nosso modelo está definido que o avançado centro deve servir maioritariamente como um apoio de costas para a baliza, interessa-nos trabalhar na dimensão técnica elementos concordantes com as necessidades do jogo, como a proteção da bola com o corpo, primeiro toque e receção orientada para remate, por exemplo.

Na dimensão física devemos trabalhar força, equilíbrio e aceleração na direção oposta. Também teríamos preocupações na dimensão psicológica, já que o jogador teria estar bastante concentrado e paciente. Para além de potenciar estas habilidades é também muito importante orientar a tomada de decisão de jogador para que este se encontre nestas situações em jogo, procurando espaço entre a defesa e o meio-campo e a linha defensiva em vez

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de explorar o espaço nas costas da defesa. Os elementos que referi são apenas aspetos individuais. De modo a que estes contextos surjam em jogo, temos de fazer emergir, através do treino, uma identidade para a equipa que esteja de acordo com auilo que procura.

Suponhamos que no nosso modelo de jogo temos definido que os nossos defesas laterais não devem participar nas situações ofensivas no último terço, contudo, pretendemos que o extremo apoie defensivamente o defesa lateral no primeiro terço. O tempo que dedicaríamos a trabalhar a relação entre o defesa lateral e o extremo teria objetivos defensivos.

O processo de treino deve considerar esta necessidade de desenvolvimento das habilidades em todas as dimensões, momentos e escalas de jogo.

Sustentada em diferentes áreas do conhecimento, a Periodização Tática é uma metodologia utilizada por diferentes equipas de distintos níveis de desempenho e de todos os escalões etários.

De maneira a conseguirmos preparar uma época de acordo com esta metodologia existem alguns conceitos que devemos absorver.

Como narrado anteriormente, a aquisição dos princípios de jogo é um processo complexo a longo prazo e a sua estruturação é feita a partir de uma Matriz Conceptual. Segundo a Periodização Tática, esta matriz articula esta aquisição com os diferentes Momentos de Jogo e com as Escalas da equipa, já explicados anteriormente.

Procuramos que os exercícios de treino proporcionem uma repetição sistemática dos princípios e subprincípios representados do nosso Modelo de Jogo, por isso todo o treino deve ser modelado à volta destes. Tradicionalmente uma época divide-se em três estruturas: Macrociclo, Mesociclo e Microciclo, contudo, para a Periodização Tática divide-se em duas: Macroestrutura, uma época desportiva, e Microestrutura ou Morfociclo, espaço temporal entre dois jogos. O termo Morfociclo Padrão é uma nomenclatura específica da Periodização Tática e representa uma semana de treino que visa a preparação da equipa para o jogo a decorrer tendo em conta as conclusões

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tiradas do jogo anterior, funcionando dentro da lógica de feedback de que a partir do treino construímos o jogo, e a partir do mesmo tiramos as conclusões de como estruturar o treino (Tamarit, 2013).

Este é um aspeto fundamental da metodologia. Reconhecemos que o Futebol, felizmente, é um Desporto demasiado complexo para ser previsto, o que torna impossível planificar uma época inteira antes de esta sequer ter começado. A observação semanal da nossa equipa é muito importante para o desenvolvimento da mesma. Deve ser criado um plano a longo prazo dos treinos da equipa, contudo, este plano deve ser passível a alterações, mediante as conclusões tiradas da observação feita ao resumo do nosso trabalho semanal (o jogo). Só desta forma, é possível acompanhar e orientar o desenvolvimento individual e coletivo da equipa no sentido pretendido.

Apesar da estruturação dos ciclos de treino serem semanais, há uma organização a longo prazo que visa a conjugação entre jogadores e princípios a fim de definir uma cultura de jogo, que é dependente do que a equipa demonstra durante a semana. É por isso que utilizamos a nomenclatura morfociclo, já que a expressão é diversificada, porém, com alguns padrões identificadores de forma (morfo) que se perpetuam sob uma organização não linear (ciclo) (Pivetti, 2012).

A organização cíclica do morfociclo modela-se em torno das conclusões tiradas após análise do jogo efetuado e toda a semana deve ser estruturada de forma a que os jogadores apresentem a melhor forma possível para este dia. O processo que aplicamos tem como premissa de que após esforços de máxima exigência no jogo, a equipa só se encontra pronta para efetuar tais esforços quatro dias depois.

Uma maneira de entender e organizar a estrutura de um morfociclo é organizar os diferentes dias de treino por cores, como me foi ensinado na faculdade. O dia de jogo é representado por um verde que aglomera todas as cores do morfociclo, ilustrando a aquisição de todos os princípios trabalhados durante a semana.

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Atendendo às evidências empíricas bioenergéticas em que a Periodização Tática se baseia, temos apenas três dias para trabalhar a aquisição dos princípios com alta exigência física e psicológica (sem nunca comprometer a forma dos jogadores para o dia de jogo). Consideramos estes os dias de operacionalização aquisitiva.

A operacionalização aquisitiva está dividida em três tipos de esforços a que chamamos subdinâmicas: tensão de contração, duração de contração e velocidade de contração. Destes esforços, o que mais se assemelha ao jogo é a duração de contração, e por isso deve ser trabalhada a meio da semana, quando os jogadores recuperaram durante quatro dias, em que trabalhamos os grandes princípios. Os subprincípios e subprincípios dos subprincípios devem ser trabalhados nos dias imediatamente antes e depois, estando os exercícios do dia antes mais relacionados com elevada tensão muscular e os dias depois alto grau de velocidade (Tamarit, 2013).

A nossa semana fica então estruturada segundo ilustrado na Figura 1.

Domingo Segunda- Feira Terça-Feira Quarta- Feira Quinta- Feira

Sexta-Feira Sábado Domingo

Jogo Folga Recuperação Ativa Tensão de Contração Duração de Contração Velocidade de Contração Recuperação Ativa e Pré- Ativação Jogo

Figura 1 – Morfociclo padrão

A ideia é que o somatório de todas as cores culmine na cor do dia de jogo. A cor que mais se assemelha à do dia de jogo é a de quinta-feira (neste caso).

A questão do dia de folga é uma discussão ainda em aberto e deve em todos os casos ser adequada às circunstâncias de trabalho, podendo ser estabelecido no dia antes, ou depois do jogo.

No primeiro dia de treinos (terça-feira) os jogadores encontram-se ainda em processo de recuperação em relação ao jogo passado. O nosso objetivo neste dia deve ser ajudar os jogadores a faze-lo em especificidade. Devemos, por isso, definir para este dia exercícios em que a tomada de decisão seja mais simples, mas sempre coerentes com a dinâmica do modelo de jogo. Aproveitamos para trabalhar os nossos subprincípios e subprincípios dos

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subprincípios a nível individual, grupal, setorial e intersetorial com exercícios de complexidade reduzida (Tamarit, 2013).

Sendo o objetivo principal recuperar os jogadores, os exercícios efetuados não devem representar um elevado nível de qualquer uma das três subdinâmicas, tendo um carácter descontínuo em que os tempos de execução são mais pequenos e os de recuperação maiores (Tamarit, 2013).

O treino de quarta-feira representa o primeiro dia de operacionalização aquisitiva. A subdinâmica associada a este dia é a tensão de contração. Os exercícios devem por isso ter muitas mudanças de velocidade e direção, saltos, quedas, bolas divididas e outro tipo de situação que exijam força e variação entre contrações concêntricas e excêntricas. Para proporcionar este contexto devemos proporcionar aos jogadores exercícios em espaços curtos, com poucos jogadores e também baixo tempo de execução para que a intensidade possa ser sempre bastante elevada (Tamarit, 2013).

Os princípios que modelam os exercícios deste dia devem ser os subprincípios e os subprincípios dos subprincípios a nível individual, grupal, setorial e intersetorial. Aproveitamos para trabalhar neste dia situações específicas do jogo em que os jogadores se encontrem perto da bola e esta se mova pouco, exigindo movimentações rápidas em espaços curtos (Tamarit, 2013).

Como já referi anteriormente, o treino de quinta-feira é o dia que se assemelha mais ao dia de jogo, justificando o porquê de ser no meio da semana, permitindo-nos segundo o princípio da alternância horizontal em especificidade, o dia em que podemos induzir maior intensidade tática, complexidade e volume (Pivetti, 2012).

Devemos tirar proveito deste dia para trabalhar os grandes princípios e a organização coletiva da equipa nos diferentes momentos. Devemos tentar proporcionar aos jogadores um contexto bastante aproximado do de jogo, colocando algumas regras que proporcionem repetição sistemática de certos contextos coletivos e intersetoriais. De modo a proporcionar maior complexidade os espaços devem ser maiores, exigindo maior desgaste

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cognitivo. Os exercícios devem ser mais pautados e com maior tempo de execução (Tamarit, 2013).

Na sexta-feira, devemos incidir em exercícios que permitam desenvolver subprincípios e subprincípios dos subprincípios com situações que exijam velocidade na tomada de decisão e execução dos nossos jogadores (Tamarit, 2013).

Os exercícios devem por isso ter alguns jogadores e um espaço reduzido de maneira a que estes sejam capazes de encontram soluções rápidas (Tamarit, 2013).

Tendo em conta que este dia antecede o dia anterior ao jogo, o desgaste emocional inerente aos exercícios deve ser mais baixo do que nos dias anteriores, por isso trabalhamos os princípios enunciados. O tempo de execução deve ser pequeno e o tempo de repouso de acordo com os objectivos pretendidos.

Por último, no sábado, voltamos a ter como maior preocupação a recuperação dos jogadores, estruturando os nossos exercícios com baixa intensidade e duração. O desgaste emocional também deve ser baixo, tendo em conta que este dia antecede o jogo e a nossa maior preocupação deve ser recuperar e pré-ativar os jogadores. Isto não significa que não possamos trabalhar alguns princípios de jogo, desde que não comprometamos a forma dos jogadores, podendo aproveitar para trabalhar aspetos mais estratégicos e bolas paradas (Tamarit, 2013).

No meu clube disponho de quatro treinos entre jogos, sendo o primeiro e o último de 1 hora e 30 min e os outros dois de 1 hora (à Segunda-feira, Terça- Feira, Quarta-Feira e Sexta-Feira).

Normalmente, os nossos jogos são ao domingo, por isso eu deixo a primeira hora do treino de segunda-feira para a recuperação ativa, sendo a última meia hora e o treino de terça-feira para treinar tensão de contração. O treino de quarta-feira é ocupado pela duração de contração e o de sexta-feira pela velocidade de contração na primeira hora e recuperação e pré-ativação na última meia hora.

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Capítulo III

Desenvolvimento da Prática

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No documento O jogo como reflexo do processo de treino (páginas 67-77)

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