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Futuro, trabalho e transição para o mundo profissional dos jovens

CAPÍTULO 1 – O DESENVOLVIMENTO E A IDENTIDADE DO JOVEM EM VISTA AO

1.3 Futuro, trabalho e transição para o mundo profissional dos jovens

dentro desta, de modo mais específico, sobre o trabalho e a transição que os participantes do nosso estudo vivenciam. De acordo com Leccardi (2005) o futuro é o espaço para a construção de um projeto de vida e ao mesmo tempo, para a definição de si: projetando que coisa se fará no futuro, projeta-se também, paralelamente, quem se será, não só o horizonte temporal, mas também a capacidade de autocontrolo, empenho, empreendimento e investimento pessoal e da família. O acesso ao trabalho desta autora faz-nos encarar a multitude de elementos que o futuro corporiza.

Para a autora, quando se fala do futuro e projeto de vida, tem-se em consideração alguma expetativa otimista mas, ao mesmo tempo, também alguma incerteza devido aos muitos fatores que influenciam a dinâmica das mudanças. E, quando o otimismo aumenta, então, a pessoa sente alguma satisfação, mas quando a incerteza aumenta logo então o projeto de vida parece posto em causa e a satisfação é adiada. Leccardi (2005) defende que o futuro depende, normalmente, do agir dos sujeitos. Estes devem dedicar-se e esforçar-se fazendo tudo o que estiver ao seu alcance para fazer acontecer tal futuro. A autora, retomando o pensamento de Kosellck, observa que a concretização do projeto de vida é um processo que consiste em juntar as experiências amadurecidas no passado e que, com o tempo, progressivamente, foram sendo filtradas podendo até não mais corresponder à ideia inicial.

Para Leccardi (2005) o futuro apresenta-se como um “reino do novo” (p. 51), do inédito, e ao mesmo tempo, é um agente do progresso que, sempre, algo faz acontecer. E este futuro não é

só aberto. Concordamos com a sua leitura de que o futuro da modernidade contemporânea é o futuro “indeterminado e indeterminável”, governado pelo risco (p. 43).

Para a autora, o futuro tornou-se um tema muito discutido e nessa discussão sobressaem certos fatores que fazem parte do conceito dinâmico desse futuro. Para ela, quando se reflete sobre o futuro surgem ideias complementares tais como fazer acontecer o futuro, isto é, a ação e diferentes modelos de ação, a questão da realidade e os modos de interpretar a mesma, os estilos de vida das sociedades e a construção da identidade das pessoas. O futuro tornou-se o centro de praxis humana, o futuro é uma aposta, um risco e um desafio a ser defrontado responsavelmente. E, tomando o conceito do futuro no contexto do jovem, a autora encontra uma dupla conexão com o tempo: por um lado, trata-se de uma condição provisória, que com o tempo vai deixar de existir, e por outro, os jovens são socialmente desafiados a construir formas positivas de relação entre seu próprio tempo de vida e o tempo social.

Na reflexão sobre o tempo, Leccardi (2005) descreve que até finais do Século XX, a conceção do presente (mais ou menos alargado) era como a única dimensão temporal disponível para a definição das escolhas e esta visão fazia com que o presente pudesse, ao mesmo tempo, ser incluso e substituir o futuro e passado. Desta forma, a ideia do projeto de vida prendia-se ao presente, como uma forma de seleção, subjetivamente construída, na base de múltiplos futuros virtuais, de fantasias e de desejos.

Se a ideia do futuro implicava a preparação para o trabalho, por meio da formação escolar, com o ingresso num trabalho remunerado, fonte central de identidade e signo indiscutível da idade adulta e, por fim, a aposentadoria, hoje isso é diferente. No Século XXI, essa trajetória biográfica, capaz de garantir um percurso previsível para o ingresso na vida adulta, já não constitui, necessariamente, uma regra linear e obrigatória. Então, a ideia de adulto que se referia a um jovem que havia passado um conjunto de etapas com valor simbólico – tais como, a conclusão de estudos, a inserção no mercado de emprego, o abandono da casa dos pais para uma vida independente, a constituição de uma família própria e nascimento de filhos, já não constitui uma condição obrigatória e necessária para ser considerado uma pessoa adulta. Assim a identificação da juventude como um conjunto de etapas, socialmente normativas, que conduzem progressivamente em direção ao mundo adulto – transição - fica abandonada paulatinamente.

Atualmente, na visão contemporânea, são retomadas essas perceções acerca dos acontecimentos registados sobre tal percurso, em algum momento, resumidos pelos dois polos

- da autonomia interior e da independência social, ou na relação complementar entre identidade individual e identidade social, mas o pensamento vai muito mais além desse cenário. Pois, o cenário atual se contextualiza numa sociedade do risco mundial, e o ponto de chegada dessa trajetória não só é incerto, mas também os itinerários para alcançar o futuro são diferentes, característicos deste novo tempo e desafiantes. Desta forma, a continuidade biográfica de cada indivíduo torna-se um fruto da capacidade e esforço individual que procura construir e reconstruir, sempre de novo, estratégias para conseguir concretizar o seu projeto de vida. Pois cada período e cada sociedade tem as suas realidades e os seus desafios, cada qual com seu próprio sistema temporal de referência. Porque, existem de facto, novas tendências da juventude neste tempo contemporâneo que contrariam o modo de viver ou, contrariam as trajetórias de vida do jovem dos séculos passados. Por exemplo, a autora refere o facto de jovens poderem estudar até à universidade e, no meio dos anos de estudo, interromperem livremente a sua formação adiando o seu término para o futuro da sua escolha. Ou, ainda, há jovens que terminam o seu curso universitário e ingressam-se noutro curso sem se preocuparem com a inserção no mundo do trabalho. Mais ainda, há jovens que, depois de terminarem o seu curso e depois de se ingressar num emprego, decidem interromper tal emprego para ou ir estudar de novo ou vão procurar outro emprego. Há jovens que podem decidir não constituir, oficialmente, uma família mas decidir ter um filho. Nessa realidade, fica complicado conceber, de forma linear e com etapas fixas, a questão da identidade do jovem e a sua trajetória para o futuro. Para a autora, é importante perceber que o tempo e as sociedades, para além de serem diferentes, mudam constantemente, e que a mentalidade do jovem do século XXI, em que vivemos, também é diferente com a do jovem do século passado e, logo, os processos de reestruturação da relação entre jovens, tempo biográfico e tempo social não se reduzem a tendências de absolutização do presente imediato e à glorificação do espaço e de tempo presente. Para autora muitos jovens já perceberam que as identidades não se constroem e nem se conjugam os processos do passado no presente. Eles procuram se esforçar na busca de novas relações entre o processo de produção e criação pessoal em vista ao futuro, tendo em conta as condições particulares de incerteza próprias da experiência de vida de cada indivíduo.

Portanto, para a Leccardi (2005), o futuro é relacionado com a abertura potencial, isto é, espaço do devir possível, e ao mesmo tempo, com uma indeterminação expressa com uma certa insegurança. Apesar disso, nessa abertura potencial está um vir-a-ser, está a virtualidade. Mais ainda, já existe em potência e não em ato, embora haja alguma hesitação, ânsia, o desejo ardente, mais ou menos subterrâneos, de substituir o projeto pelo sonho. Esta é que é a

realidade, com os seus elementos ambivalentes do futuro, sobre a qual os indivíduos são chamados com suas capacidades a traçar estratégias cognitivas que garantam o controlo sobre o tempo da vida. Para tal, a autora afirma que se torna necessário desenvolver as habilidades, talentos e competências para fazer face à trajetória de cada um face ao futuro. Adicionado a isso, a mesma observa que é necessário que cada indivíduo saiba ler a incerteza do futuro como multiplicação das possibilidades virtuais, e a imprevisibilidade associada ao devir como potencialidade agregadora, não como um limite à ação. Desta forma faz-se uma tentativa inteligente de unir e não separar essas contrariedades e ambivalências, unir o presente, o passado e o futuro, procurando respostas capazes de neutralizar o temor paralisante do futuro. Trata-se de uma tendência de se abrir, de modo positivo, para a imprevisibilidade, mas sempre conscientes da possibilidade de mudanças, e ao mesmo tempo faz-se um certo controlo que significa a grande vontade de atingir os seus objetivos.

Diante deste panorama de novo significado do futuro, dentro da mudança social, defende Leccardi (2005) que se deve considerar a diferença não só do tempo que pode ser considerado – idade antiga, média, moderna e contemporânea – mas também o tipo de sociedade com as suas caraterísticas históricas – de evolução, e socioeconómicas no sentido de crescimento e desenvolvimento económico. É nesse contexto que se deve conceber o tipo de jovem e a forma de ele conceber o seu próprio futuro. Aliás, Arnett (2015) também havia observado essa questão da multiplicidade de contextos socioeconómicos e a adultez emergente. Porque, há sociedades cujos jovens se dão a liberdade de adiar a realização de algumas etapas da sua trajetória em vista ao seu futuro, uma vez que possuem condições socioeconómicas favoráveis. E há outras, sociedades ainda hoje, em que os jovens se preocupam em seguir à risca aquelas etapas clássicas para conseguir concretizar os seus projetos de vida sem pretender adiar nenhuma delas e outros até pretendem que a trajetória pudesse ser mais curta. Já Buhler (1990) defendeu que a atitude de disponibilidade de uma pessoa, para a realização e para o trabalho, constitui um fator muito importante na sua socialização. O termo trabalho, neste estudo, está sendo entendido como sinónimo de emprego. E, de acordo com o mesmo autor, quando um individuo está inserido, ou estreitamente ligado na sociedade, nela ele procura encontrar algum trabalho ou emprego e, este emprego pode fazer sentir alguma realização. É por isso que o indivíduo batalha para conquistar ou obter algum lugar na sociedade. Em pleno século XXI o trabalho não perdeu a sua importância central e o jovem sente essa importância e integra-a na sua trajetória de vida num quadro atual que procuramos caraterizar.

Por exemplo, Ito e Soares (2008) utilizando a pesquisa exploratória procuraram compreender como os jovens universitários se relacionam com o seu futuro a partir do processo da elaboração de seu projeto de vida, escolha profissional e a construção da identidade. Retomando o pensamento de Bohoslavsky, Ito e Soares (2008) afirmam que há identidade profissional/ocupacional e identidade vocacional. A identidade profissional é um produto da ação do contexto sócio-cultural em que se vive, onde de forma objetiva se questiona: o quando, onde, com quê, como desempenhar um papel produtivo na sociedade. A identidade vocacional está ligada às variáveis de tipo afetivo e motivacional, à história real da vida da pessoa. E Boutinet citado por Ito e Soares (2008) ressalta também a integridade da subjetividade e a objetividade na escolha e identidade profissionais.

Para Catão (2001), discutindo sobre o futuro e a identidade do estudante no que diz respeito à transição da escola ao mercado de emprego considera, antes de tudo, três dimensões como pontos de partida: - dimensão espaço-temporal, que consiste na possibilidade de realização de projetos em função dos antecedentes sócio ocupacionais; - dimensão sócia afetiva que consiste na possibilidade de construção das bases psicossociais para operacionalização do projeto de vida em função da exclusão/inclusão social, na relação com o outro e consigo mesmo; - dimensão sociocognitiva que consiste na possibilidade de fazer críticas constantes, diálogo consigo mesmo, quanto ao seu projeto de vida vocacional e profissional e a transição da vida académica para a vida profissional. Para Ito e Soares (2008) cada uma das dimensões age como fator possibilitante ou impossibilitante de um determinado comportamento do indivíduo, na escolha, no ingresso, na conclusão de um curso superior e na transição da vida académica para a vida profissional.

De acordo com Taveira e Silva (2008), eles defendem que no processo de transição da vida do jovem estudante para o mercado de emprego requer-se, necessariamente, o desenvolvimento do conhecimento de si próprio; conhecimento das oportunidades educativas e laborais; aprendizagem de estratégias para a tomada de decisões; conhecimento das características da transição escola/trabalho. Os autores afirmam, ainda, que dentro deste processo para a maturidade surgem questões tais como: Quem sou? Que oportunidades tenho? Quem serei? Como organizar-me? Como vou decidir na próxima fase da minha vida? A seguir a estas questões que o indivíduo se coloca e procura responder, Taveira e Silva (2008, p. 45), afirmam que experimenta-se a “transição-fronteira” quando o indivíduo faz a reavaliação de si próprio, reavaliação das oportunidades para poder tomar decisões para a fase da vida a seguir. Taveira e Silva (2008) defendem que trata-se de desenvolvimento do conhecimento de si próprio que é um requisito mínimo prévio para se saber conduzir a si próprio; mais ainda,

conhecer as próprias capacidades, isto é, o conjunto de aptidões, capacidades; conhecer, de modo geral, uma série de interesses profissionais, expectativas, inclinações e ambições; conhecer as necessidades que devem ser satisfeitas e as prioridades, tendo em conta a hierarquia das necessidades propostas por Maslow.

Uma vez obtido este desenvolvimento do conhecimento pessoal, continuam Taveira e Silva (2008, pp. 46-48), é possível avançar para a fase do “conhecimento das oportunidades educativas e profissionais”, onde o indivíduo se preocupa com as seguintes questões: como é que destina o tempo dedicado a conseguir bens e serviços, como é que satisfaz as suas necessidades pessoais. Ele, o indivíduo visualiza e se preocupa com as profissões e cargos que estão ao seu alcance, quais dessas profissões lhe convêm e o que tem que fazer para arranjar um trabalho. Ele se questiona até que ponto determinadas profissões satisfazem as suas necessidades.

Portanto, é necessário, defendem Taveira e Silva (2008), que haja o conhecimento das características da transição escola-mercado de emprego que implicam a própria procura de emprego, procurando aumentar a probabilidade e o otimismo de ser admitido, o desenvolvimento de capacidades de comunicação e de apresentação pessoal numa dedicação constante de difundir o seu curriculum vitae, apresentação para entrevistas, cartas de apresentação, requerimentos e visitas preliminares às instituições ou empresas pretendidas. Em seguida, os autores acima citados sublinham as “atitudes e expectativas: realistas e utópicas” na fase de transição da escola para o mercado de emprego (Taveira & Silva, 2008, p. 48). Mais ainda o estudante finalista deve criar novas amizades, isto é, relações interpessoais que podem facilitar a obtenção de mais informações sobre anúncios de vagas para empregos e estar consciente sobre o próprio desemprego, procurando maneiras de lhes fazer frente e não se conformar. Tomlinson (2012) refere-se a identidades emergentes quando aprofunda que as diferentes orientações que os alunos estão desenvolvendo parecem ser derivadas de identidades emergentes e auto-percepções como futuros funcionários, bem como de dimensões biográficas mais amplas do aluno. Essas identidades emergentes enquadram as maneiras pelas quais tentam gerenciar sua futura empregabilidade e se posicionam em direção a futuros desafios do mercado de emprego.

CAPÍTULO 2 – PREPARAÇÃO PARA O EMPREGO E O MERCADO