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CAPÍTULO 1. UM OLHAR SOBRE O CORPO: O CORPO QUE FOMOS, O CORPO QUE SOMOS

4. O CORPO EM TRANSFORMAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA: o que nos diz a investigação

4.3. Desenvolvimento da imagem corporal – influências individuais e culturais

4.3.1. Género e imagem corporal

Para uma reflexão acerca das eventuais diferenças na imagem corporal entre homens e mulheres, parece ser oportuno distinguir os conceitos de sexo e género, tantas vezes utilizados como sinónimos. Assim, entendemos o género como um termo psicológico e cultural que se refere ao significado de se ser homem ou mulher numa determinada cultura, sendo diferente do conceito de sexo, que se refere aos aspectos biológicos que caracterizam o homem e a mulher (Basow & Rubin, 1999) e à forma como esses aspectos afectam o comportamento. Contudo é o sexo que, implicitamente, influenciará a construção social do género. Os indivíduos nascem meninos ou meninas e criam o seu género nas suas relações com os outros, onde as expectativas normativas dão forma às expectativas relacionais que são, implícita ou explicitamente, negociadas entre as pessoas (Costa, 2005).

Efectivamente, o género tem sido reconhecido como um factor saliente no desenvolvimento da imagem corporal, sendo geralmente aceite que as raparigas são mais preocupadas e insatisfeitas com o seu corpo do que os rapazes, valorizando mais cognitiva e comportamentalmente na sua aparência física (ex. Barker & Galambos, 2003; Corson & Andersen, 2004; Demarest & Allen, 2000; Eisenberg, Neumark-Sztainer, & Paxton, 2006; faria & Fontaine, 1995; Fontaine, 1991; Gaspar, 1999; Knauss, Paxton, Alsaker, 2007; Kostanski, Fisher, & Gullone, 2004; Strigel-Moore & Franko, 2004; Thompson, 1996; Thompson et. al. 1999), demonstrando-se insatisfeitas com a sua imagem corporal ao longo da vida, uma vez que referem ter mais peso do que aquilo que desejavam (ex. Cash, Winstead, & Janda, 1986; Garner, 1997; Pliner et. al., 1990) e apresentando mais frequentemente disforia com a imagem corporal (Muth & Cash, 1997). Na generalidade a investigação tem confirmado que as raparigas que se sentem mais insatisfeitas com o peso e formas do seu corpo têm uma auto-estima mais baixa do que as raparigas que têm uma imagem corporal mais positiva (Fabian & Thompson, 1989; Gardner, Friedman, & Jackson, 1999; Martin et al, 1988; Wood, Becker, & Thompson, 1996). Esta diferença parece existir para as raparigas pré-adolescentes (Brodie, Bagley & Slade, 1994; Fabian & Thompson, 1989; Mendelson & White, 1982, 1985), para as adolescentes (Fabian & Thompson; Martin et. al., 1988) e para as mulheres adultas (Mintz & Betz, 1988). Além disso, a insatisfação corporal nas raparigas tem sido associada a um aumento da depressão (Alsaker, 1992; Hops, Lewinshn, Andrews & Roberts, 1990; Richards, Casper, & Larson, 1990; Rierdan, & Koff, 1997), distorção da imagem corporal (Slade, 1994), exercício físico em excesso

(Overdorf & Gill, 1994), risco de perturbações do comportamento alimentar (Cash, Counts, & Huffine, 1990; Mishkind et al., 1986; Pritchard, King, & Czajka-Narins, 1997; Wolszon, 1998), ansiedade social e inibição sexual (Cash 1990; Cash & Deagle, 1997; Thompson et al., 1999), um crescente número de cirurgias plásticas (Pruzinsky & Edgerton, 1990) e um aumento de tempo dedicado a actividades que visam perder peso (Brownell & Rodin, 1994).

Existe uma lacuna notável de investigação relativamente à imagem corporal nos rapazes. A maioria dos estudos existentes tem incluído o sexo masculino como um grupo de referência para ser comparado com o grupo das raparigas, que são o principal objecto de estudo. Parece importante aceder também à forma como o sexo masculino experiencia o seu corpo, particularmente à luz das recentes evidências da mudança cultural na representação do corpo masculino nos media. Com efeito, o estudo do corpo masculino na Psicologia e Sociologia é um fenómeno recente. É consensual que a maioria dos homens deseja um corpo de formas mesomórficas (médias), levemente musculado e moldado, do que o tipo ectomórfico (magro) ou endomórfico (gordo), ideal este interiorizado desde cedo, o que sugere que as pressões culturais e sociais para alcançar um ideal de imagem corporal também afectam os homens (Cohane & Pope, 2001; Parks & Read, 1997; Silberstein et. al., 1988; Tucker, 1982). Contudo, um estudo qualitativo revelou que, embora as raparigas considerem os ideais de beleza inacessíveis, elas continuam a tentar aproximar-se desse ideal (Halliwell, 2002). Os rapazes, por seu lado, acreditam que o ideal de beleza masculino é alcançável, mas não consideram que o alcance desse ideal seja assim tão importante. Em vez disso, os rapazes estão mais preocupados em ter um corpo que não seja muito diferente do dos seus pares (Grogan, 1999).

Neste sentido, embora as preocupações com a imagem corporal sejam tradicionalmente associadas às mulheres, estudos mais recentes têm revelado que esta preocupação pelo “corpo ideal” existe também nos homens, principalmente no jovem adolescente, mais vulnerável às pressões para um corpo “trabalhado, mediamente musculado (Cohane & Pope, 2001; Davis & Cowles, 1991; Furnham & Calman, 1998; McCabe & Ricciardelli, 2001; McCreary & Sasse, 2000; Pingitore, Spring, & Garfield, 1997; Raudenbush & Zellner, 1997). Assim, o desejo para atingir este “ideal” pode levar à prática exagerada de exercício físico ou a dietas constantes. Contudo, Anderson (1992) sugere que os rapazes que desenvolvem uma imagem corporal negativa ou uma perturbação alimentar diferem do sexo feminino em três áreas de comportamento. A primeira envolve as razões da dieta, isto é, as raparigas iniciam uma dieta porque se sentem gordas, enquanto que os rapazes fazem dieta porque são ou foram gordos nalgum momento da

sua vida. A segunda diferença diz respeito ao objectivo da dieta, com os rapazes a iniciarem este tipo de comportamento com uma determinada finalidade em termos desportivos. Finalmente, existe um grande número de casos de rapazes que iniciam dieta para evitarem problemas médicos.

Por outro lado, embora a maioria das mulheres desejem corpos mais magros, os homens parecem estar divididos entre aqueles que pretendem perder peso e os que pretendem ganhar peso (Cafri, Strauss, & Thompson, 2002; Drewnowski & Yee, 1987; Kostanski, Fisher, & Gullone, 2004; McCabe & Ricciardelli, 2001; Raudenbush & Zellner, 1997; Ricciardelli & McCabe, 2001; Smolak, Levine, & Thompson, 2001; Smolak & Stein, 2006). No entanto, este desejo de ganho de peso parece bastante associado com o desejo de aumento de massa muscular13, mas não de gordura (McCabe & Ricciardelli, 2001; Stanford & McCabe, 2005). Pope e colaboradores (2000) verificaram que os homens desejavam um aumento da massa muscular. Ainda a este respeito, numa revisão da literatura realizada por Cohane e Pope em 2001, na qual foram analisados 17 estudos que avaliaram a imagem corporal em rapazes com menos de 18 anos, os autores verificaram que, embora os rapazes manifestassem menor preocupação com o corpo do que as raparigas, muitos rapazes revelaram insatisfação corporal, frequentemente associada a uma baixa auto-estima e angústia. As raparigas, por seu lado, desejavam tipicamente ser mais magras, contrariamente ao sexo masculino que gostava de ser mais musculado.

Goldfield, Harper e Blouim (1998), referem ainda a este propósito que o aumento da musculação (bodybuilding) e aeróbica (weightlifting) ou do uso de esteróides anabólicos, as chamadas “drogas da imagem corporal” (Kanayama, Pope, & Hudson, 2001), tem acompanhado as normas culturais, e que os rapazes e raparigas adolescentes recorrem a estes desportos ou actividades para compensarem as suas imagens corporais negativas e atingirem os padrões de beleza pessoal e social que desejam. De facto, as raparigas cedo aprendem que os seus corpos são objectos que os outros vão olhar e admirar, enquanto que os rapazes são socializados a compreender os seus corpos como agentes de admiração pelos outros com base na sua funcionalidade (Smolak, 2003). Assim, será natural que os homens invistam mais no exercício físico do que na dieta, que será mais associado ao género feminino, como já referimos. No

13 De facto os homens parecem recorrer menos à dieta do que as mulheres, estimando-se que cerca de 25% dos homens já fizeram dieta alguma vez na vida, comparado com cerca de 95% das mulheres (Rozin & Fallon, 1988). Relativamente ao exercício físico, verifica-se que as actividades mais utilizadas para o trabalho da imagem corporal são o levantamento de pesos e o body-building, actividades que desenvolvem a massa muscular, indo ao encontro do ideal mesomórfico do homem (Grogan, 1999). Tem sido alvo crescente de investigação e preocupação o uso de esteróides associado a este processo (Tricker, O’Neill & Cook, 1989), principalmente em adolescentes (Caitlin & Hatton, 1991).

entanto, se a investigação tem evidenciado que os homens estão cada vez mais preocupados com o seu corpo e o seu peso, permanece por clarificar porque é que a dieta não é, muitas vezes, a principal resposta a esta preocupação, será porque o fazer dieta é ainda uma componente associada ao papel de género feminino? O estudo de Markey e Markey (2005) veio contradizer esta afirmação, uma vez que, embora mais mulheres do que homens recorram à dieta, 79% dos homens já tinha feito uma dieta saudável, sugerindo que os comportamentos de dieta começam também a ser um recurso para os homens que querem diminuir de peso ou manter um corpo saudável. No entanto, os autores também destacam o facto de muitos homens, tal como as mulheres, também tendem a utilizar dietas não saudáveis na tentativa de perder peso, o que pode comprometer a sua saúde.

Ainda assim, é geralmente reconhecido que a insatisfação da imagem corporal, especialmente no que diz respeito ao peso e aparência, é pervasiva nas mulheres. Striegel-Moore, Silberstein e Rodin, (1986) referem que ser mulher na nossa sociedade significa sentir-se gorda. Sentir-se gorda tornou-se um “descontentamento normativo”14 para as mulheres (Cash & Pruzinsky, 1990; Striegel-Moore, Silberstein, & Rodin, 1986, 1989), consequentemente as dietas crónicas tornaram-se uma solução (Cash, 1991, Cash & Henry, 1995; Monteath & McCabe, 1997; Slade, 1994). Este padrão de resultados foi confirmado noutros estudos envolvendo a população em geral (Fallon & Rozin, 1985; Keeton, Cash & Brown, 1990). Na sociedade Americana, por exemplo, aproximadamente metade das mulheres e pelo menos um quarto dos homens estão insatisfeitos com a sua imagem corporal, com a sua aparência física (Garner, 1997; Muth & Cash, 1997). De acordo com Fisher, Golden e Katzman (1995), 50% das raparigas adolescentes sentem-se gordas e recorrem a dietas, apesar de 90 a 98% delas voltar a ganhar o mesmo peso após 2 a 5 anos. Também Wadden e colaboradores (1989) verificaram que 77% de raparigas com o peso médio para a idade e 32% com peso a menos, estavam insatisfeitas com o seu corpo e faziam dieta. Moore (1988) refere que em raparigas que faziam dieta, mais de um terço não tinha uma ideia realista de quanto peso queria perder.

Em Portugal, por seu lado, são poucos os estudos que abordam directamente questões da imagem corporal na população geral. Todavia, estudos conduzidos no âmbito do desenvolvimento das perturbações alimentares oferecem contributos importantes para a compreensão desta variável. Inquéritos realizados pelo grupo de Estudo de Doenças de

14 A designação de descontentamento normativo é considerada um extremo benigno de um contínuo de descontentamento que pode ir até ao extremo observado na Perturbação Dismórfica Corporal (Hardy, 1982; Phillips, 1996 cit in Thompson et al, 1999).

Comportamento Alimentar do Hospital de Santa Maria têm demonstrado que, a percentagem de mulheres a querer perder peso tem vindo a aumentar. Num dos estudos, com 770 universitárias, cerca de 55% queriam perder peso, 12% estavam a fazer dieta e cerca de 49% já tinham feito dieta (Carmo, Reis, Varandas, Bouça, Santo, Neves, André, Sampaio, & Galvão-Teles, 1996, 1999; Carmo, 1997). Num outro inquérito realizado pelo mesmo grupo, com cerca de 2400 raparigas do ensino secundário, apesar de só 15% ter excesso de peso, 52% das restantes raparigas com peso normal ou baixo, tinham “horror a aumentar o peso”, 49% diziam que tinham “uma parte do corpo gorda” e 38% queriam ser mais magras. 20% sentiam-se mal com o seu corpo, porque se sentiam gordas e cerca de 13% estava a fazer dieta na altura e a perder peso. Ainda na zona sul do país Baptista e colaboradores (1996) verificaram que 55,1%, das cerca de 770 raparigas estudantes universitárias inquiridas, desejavam perder peso (sendo que destas 45% tinham peso baixo), 12% faziam dieta no momento do estudo e 25% referiram ter tido flutuações de peso. Na zona Norte do país encontrámos os estudos de S. Gonçalves (1998), de Queirós (2001), de Paulo Machado e colaboradores (2004) e de Sandra Torres (2005). O primeiro foi realizado junto de 486 alunas universitárias de duas cidades do Norte. Também neste estudo se encontrou o desejo de um peso inferior (329 estudantes e destas apenas 24 apresentavam um IMC revelador de excesso de peso). De facto, a distorção e insatisfação com a imagem corporal estiveram presentes em 9,5% da amostra. No que diz respeito ao estudo de Queirós (2001), com 1593 raparigas do ensino básico e secundário do distrito do Porto, a autora concluiu que a prevalência da perturbação da imagem corporal nas raparigas sem excesso de peso foi de 10%. No grupo das adolescentes com peso normal ou baixo, 36% mostraram vontade em perder peso, 42% achavam gorda alguma parte do corpo, 42% tinham horror em engordar e 19% referiram já terem feito dieta. Além disso, apesar da maioria das raparigas ter revelado conhecimentos acerca de uma alimentação salutar, estas não evitavam comportamentos pouco saudáveis para perder peso. Recentemente, Paulo Machado e a sua equipa (2007) avaliaram 2.028 raparigas estudantes em escolas públicas portuguesas, dos 12 aos 13 anos. Verificaram que a prevalência total de perturbações alimentares foi de 3,06%, distribuindo-se pela anorexia, com 0,39% das raparigas, e pela bulimia nervosa, com 0,30%. Os restantes 2,37% pertenciam a adolescentes com perturbações alimentares não especificadas, sendo a perturbação alimentar mais comum e que, merece portanto toda a atenção da comunidade científica e não só. Uma análise das características demográficas dos participantes observados permite-nos concluir que 50% de todos os participantes que recorrem aos serviços

de tratamento especializado em perturbações do comportamento alimentar têm entre 15 e 19 anos, tornando-se, assim, o grupo mais jovem de utilizadores de serviços de saúde mental. A proporção de participantes anorécticos e bulímicos é muito semelhante embora os anorécticos sejam mais jovens que os bulímicos. Uma análise da distribuição das idades dos pacientes mostra um pico para a anorexia aos 18 anos e um pico para a bulimia aos 24 anos (Machado, Soares, Sampaio, Torres, Gouveia, Oliveira, & COST B-6 Portugal, 2004).

Analisando conjuntamente os diversos estudos nacionais, podemos concluir que a preocupação com a imagem corporal, particularmente com o peso e o recurso às dietas estão bem patentes nas raparigas portuguesas, independentemente de serem diagnosticadas ou não casos de perturbação do comportamento alimentar. Efectivamente, para muitas mulheres, as questões da imagem corporal e do controle do peso e das formas do corpo podem limitar a sua qualidade de vida e levá-las a comportamentos prejudiciais para a sua saúde, mesmo que não preencham os critérios de um quadro clínico de perturbação alimentar (Delaney, O´Keefe & Skane, 1997). Aliás, Sampaio (2001) dá-nos a ideia que em outros países e para a população em geral, a prevalência da doença (número de casos por 100.000 habitantes, por ano) é inferior a 1% mas este número sobe muito se avaliarmos a população adolescente.

Por seu lado, como já mencionámos, homens e mulheres parecem diferir quanto às áreas corporais de insatisfação. Enquanto as mulheres serão primariamente preocupadas com o tamanho e formas do seu corpo, esta preocupação parece ser menos frequente para os homens, estando menos associada ao peso e mais com a barriga, peito e braços (Moore, 1990). Destacamos um estudo realizado com uma amostra de 420 adolescentes portugueses, estratificada por sexo e idade (dos 13 aos 19 anos), no qual Nuno Gaspar (1999) verificou que uma percentagem significativamente superior de raparigas relatou insatisfação relativamente à gordura, rosto, abdómen, ancas, coxas e pernas. Relataram ainda que, devido à imagem corporal, evitam usar roupas que gostam, restringem a alimentação e evitam expor o corpo, tentando disfarçar partes do corpo que consideram defeituosas. Por seu lado, uma maior percentagem de rapazes evidenciou insatisfação com a musculatura, manifestando o desejo de ser mais musculado, evitamento nos seus relacionamentos com elementos do sexo feminino devido à imagem corporal, dava mais atenção aos genitais e aos músculos e demonstrou insatisfação na presença de colegas por considerar ter menor compleição física.

Assim, auto-avaliações dos rapazes parecem basear-se mais na eficiência e capacidade física, enquanto que nas raparigas se baseiam mais na atractividade, sendo a beleza e a aparência aspectos centrais do auto-conceito e auto-estima das mulheres (Guyot, Fairchild & Hill, 1981). Contudo, a hipótese de que a avaliação subjectiva da atractividade física seria mais relevante para o auto-conceito das raparigas (Sorell & Nowak, 1981) tem sido questionada pelos resultados obtidos noutros estudos, que não encontram diferenças de género nesta relação (Abell & Richards, 1996; Silberstein, Striegel-Moore, Timko & Rodin, 1988; Thompson, 1990). Os rapazes começam também a experienciar a objectivação dos seus corpos nos media, na arte, em espectáculos eróticos (Kimmel, & Johnson, 1999; Rohlinger, 2002), verificando-se que o número de mensagens relativas ao trabalho do corpo tem aumentado, assim como as actividades de fitness, embora o ideal de aparência física não se tenha alterado significativamente desde os anos 60 (Petrie et. al., 1996). O adolescente homem é também vulnerável às pressões para atingir esse corpo “ideal”, que inclui normalmente um físico em forma de “V”, moderadamente musculado (Damhorst, Littrell, & Littrell, 1987; Koff & Rierdan, 1990; Mishkind et al., 1986), formulando auto-julgamentos negativos se a sua imagem corporal não corresponde a esse ideal (Jovanic, Lerner & Lerner, 1980). Efectivamente, tem vindo a ser sugerido pela investigação que a exposição a este ideal de beleza masculino também tem contribuído para o aumento da insatisfação corporal nos rapazes (Arbour & Ginis, 2006; Gogan, 1999; Labre, 2002).

Como vimos, o desenvolvimento pubertário tem sido relacionado com o auto-conceito físico e é um factor pivot nas perturbações da imagem corporal (Faria, 2005; Gradner et al., 1999), embora rapazes e raparigas lidem com estas mudanças de forma distinta. Efectivamente, as raparigas parecem demonstrar uma imagem corporal menos positiva no início da adolescência, comparativamente às suas companheiras mais velhas15. Nos rapazes, por seu lado, verifica-se o contrário, com o início da maturação e, portanto, as mudanças no peso e formas corporais, associada a uma imagem corporal mais positiva. Os rapazes pós-pubertários apresentam uma auto-estima mais elevada do que aqueles que ainda não iniciaram a puberdade, ou do que as raparigas pré ou pós-pubertárias (Alsaker, 1992; Brooks-Gunn, & Reiter, 1993; Folk, Pedersen & Cullari, 1993; O’Dea & Abraham, 1999). Estes parecem evidenciar um auto-conceito mais elevado quanto à sua aparência física do que as raparigas mais novas (Marsh, 1989). Muitos

15 Mulchahey (1990) identifica três fases de desenvolvimento no adolescente: a adolescência inicial (10-14 anos), a adolescência média (14-18 anos) e a adolescência tardia (18-21 anos) (cit in Stenberg & Blinn, 1993)

estudos já demonstraram que as raparigas são muito mais estigmatizadas pela obesidade do que os rapazes (Fallon, 1990) e que estas desejam perder peso (Eisele, Hertsgaard, & Light, 1986), e que a insatisfação com as formas corporais aumenta entre os 12 ou 13 e os 18 anos de idade (Davies & Furnham, 1986; Rosenblum & Lewis, 1999).

Por outro lado, a aparência parece ser um factor determinante no relacionamento com o sexo oposto, mais para as raparigas do que para os rapazes (Davison & McCabe, 2005; Janda, O´Grady, & Barnhart, 1981; Rodin, Silberstein, & Striegel-Moore, 1985). De facto, as visões tradicionais das relações homem-mulher, frequentemente reflectidas nos contos infantis, na publicidade, na televisão, nos filmes, na música popular ou na literatura, apresentam a aparência feminina como “um presente embrulhado para atrair o homem” (Mirkin, 1994, p.85 in Cash, Ancis & Strachan, 1997). As raparigas parecem aprender desde cedo que a sociedade valoriza uma aparência bela, um corpo magro, aceitando dificilmente um corpo que não encaixe nesses ideais. As mulheres logo se aperceberam que as suas oportunidades sociais são afectadas pela sua aparência física e consequentemente a sua noção de ser atraente poderá ter começado a fazer parte integral do seu auto-conceito (Mazur, 1986). A aceitação de alguns aspectos da sua aparência parece ser bastante difícil, e isto é especialmente preocupante para aquelas mulheres com imagens corporais menos favoráveis, mais investidas e preocupadas com este facto, que mais facilmente se predispõem ao desenvolvimento de perturbações alimentares ou outros distúrbios psicossociais (Cash, 1996).

Contudo, a investigação mais recente tem demonstrado que, embora as preocupações com a imagem corporal sejam mais prevalentes nas mulheres; elas focalizam-se mais nos aspectos sociais da imagem corporal, comparando mais frequentemente a sua aparência com os outros e preocupando-se mais com as avaliações dos outros do que os homens, não se encontram diferenças significativas na importância percebida da aparência nas vidas de homens e mulheres (ex. Barbosa, 2001; Davison & McCabe, 2005).

Finalmente, o papel de género parece ser também um factor a salientar, uma vez que se observou uma relação especialmente forte entre a insatisfação com o corpo e a auto-estima nas mulheres que se descreviam como tradicionalmente femininas (Kimlicka, Cros & Tarnai, 1983), parecendo que as mulheres com expectativas convencionais acerca dos papéis de género do homem e da mulher nas relações sociais, investem mais na sua aparência (Cash et.al., 1997). De facto, a mulher, na cultura ocidental ou noutras culturas, parece ter standards de beleza física mais exigentes do que os homens.

Por conseguinte, a investigação tem sido bastante unânime ao considerar as mulheres mais insatisfeitas do que os homens ao longo do seu desenvolvimento, sem diferenças significativas nessa satisfação à medida que envelhecem, apesar das pressões dos media para uma imagem jovem e bonita, talvez devido à escolha de ideais de comparação mais realistas. Contudo, a imagem corporal é importante tanto para os rapazes como para as raparigas adolescentes que, por sua vez, parecem partilhar os mesmos ideais e discursos relativamente às questões do corpo com os adultos do mesmo sexo.