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Gênero, a formulação teórica adotada

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (páginas 47-52)

CAPÍTULO 1 OS ELEMENTOS DA CONSTRUÇÃO DO ESTUDO

1.6 Gênero, a formulação teórica adotada

Gênero é uma categoria de análise criada para discutir como, historicamente e socialmente, as relações entre o masculino e o feminino se dão culturalmente (SAMARA, 1997). As relações de gênero nas diferentes sociedades têm sido elaboradas e praticadas com base na divisão sexual do trabalho (FARIA e NOBRE, 1997). As funções sociais consideradas

Municípios, áreas de atuação da ASSEMA: SLGonzaga; Lago do Junco; Lago dos Rodrigues

Lima Campos; Esperantinópolis; Peritoró. Articulações Regionais (06 municípios e 04 articulações) A s s e s s o r i a T é c n i

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ASSEMBLÉIA GERAL

Conselho de Coordenação (12 H/M) Diretores Liberados (02 Mulheres e 02 Homens) Núcleo diário de coordenação: Diretores liberados e secretário executivo Conselho Consultivo de Lideres. Não Formalizado

como masculinas e as consideradas como femininas determinam o que é ser homem e o que é ser mulher. Essas funções também constroem relações de poder entre os gêneros.

As relações por sua vez são determinadas por uma escala de valor atribuído ao trabalho realizado por um e por outro. Em minha opinião, os cotidianos masculino e feminino estruturados em dois pilares sociais, a produção e a reprodução, são propositalmente apresentados separados. O campo da produção é também identificado como espaço público e o campo da reprodução como esfera doméstica. Essa dicotomia entre privado e público se reflete nas instituições e na ideologia que se tem sobre como lidar com elas. Há instituições sociais que representam o público, por exemplo, o Estado, a escola, e a igreja. Como instituições consideradas de âmbito privado, aparecem principalmente a família e o casal.

Embora se convencione separar o público e o privado, na prática essa dicotomia não é observada. A idéia de que uma pessoa é um ser no seu local de trabalho e outro na sua casa (doméstico) tem implicações tão amplas quanto desastrosas. No discurso popular essa separação toma dimensões assustadoras, que levam à comum expressão “fulano é outro quando está em casa”.

Caberia entender quais relações estão sendo vividas em cada um dos espaços sociais ocupados, para então perceber que qualquer que seja o local onde nos posicionamos, ele é social e carregado de relações, de poder, onde estão em jogo valores culturais definidos diferentemente pelos diversos grupos étnicos.

Portanto, a representação que se faz do gênero expressa as relações sociais mantidas pela sociedade para se definir o que é homem e o que é mulher. Logo, não podemos estudar gênero isolando-o enquanto categoria social, pois dissociar gênero dos demais fatores estruturais é incorrer em erro de análise e interpretação.

O estudo de gênero surge como uma ferramenta que possibilita a superação dessa dicotomia entre produção e reprodução, entre privado e público e permite compreender que

homens e mulheres estão ao mesmo tempo em todas essas dimensões. O estudo de gênero possibilita entender que a questão de desigualdades de gênero se dá na valorização atribuída às atividades em qualquer uma dessas dimensões.

Segundo Rua e Abramovay,

O exame dos sistemas culturais contribui para identificar algumas características mais particulares dos atores sociais, tais como as representações que, como grupos ou indivíduos, fazem do seu entorno, e os padrões que utilizam em tais representações. Torna-se possível, assim, desvendar o significado das relações de poder”. (RUA e ABRAMOVAY, 2000, p. 31)

O estudo de gênero também está relacionado à percepção das diferenças existentes entre os sexos, que segundo Scott (1991 apud FARIAS e NOBRE, 2001, p.4), “permite compreender a complexidade dos diferentes níveis e espaços de convivência humana”.

Uma reflexão que colocamos, brevemente, diz respeito ao questionamento da masculinidade. Segundo Connell (1995, apud FARIAS e NOBRE, 2001, p.6), “a masculinidade é uma configuração de práticas em torno da posição dos homens na estrutura das relações de gênero. Existe, normalmente, mais de uma configuração desse tipo em qualquer ordem de gênero de uma sociedade (...)”. Ao constatar que a masculinidade é representada em cada tipo de sociedade pelas práticas que essa mesma sociedade convencionou determinar o tipo de homem, o autor alerta para as análises que a partir daí convencionou falar de “masculinidades”, entretanto o mesmo, alerta para o perigo que possa advir da idéia de “masculinidades”, como sendo um “pout-pourri de identidades e estilos de vida relacionados ao consumo” (CONNELL 1995 apud FARIAS e NOBRE, 2001, p.6). Na minha percepção o debate colocado pelo autor trata sobre não se reduzir as análises sobre a masculinidade a uma questão de opção pessoal ou um estilo de vida, que basta trabalhar para livrar o homem da “culpa” que as diferenças de gênero estariam resolvidas, pois se assim são tratadas, no campo das opções pessoais exclui-se questões mais amplas que dizem respeito as relações de poder. Assim:

Falar de estrutura de relações de gênero significa enfatizar que o gênero é muito mais que interações face a face entre homens e mulheres. Significa falar que o gênero é uma estrutura ampla, englobando a economia e o Estado, assim como a família e a sexualidade, tendo, na verdade, uma dimensão internacional (...). (CONNELL, 1995 apud FARIAS e NOBRE, 2001,p.6).

Há uma masculinidade hegemônica que segundo Connell (1995 apud FARIAS e NOBRE, 2001, p.6) é decorrente de “uma posição dominante na ordem de gênero que propicia vantagens materiais bem como vantagens psicológicas (...)”. Se aceitarmos essa análise de Connell, então podemos também dizer que há homens “vítimas” sociais da própria dominação masculina e que a mesma vinculada a interesses sociais e econômicos, que do ponto de vista de classe, de cultura, de etnias, político e histórico não são iguais para todos os homens. Logo, há homens dominados por outros homens e que numa luta social gênero feminino, do seu grupo social, pode se aliar a esse último, contra uma opressão social mais ampla.

Por outro lado, podemos analisar que o gênero feminino também é constituído de diferenças de classe, de etnia, econômica, cultural, política e histórica. Logo, todas as mulheres não estariam na mesma situação social de subordinação. E é possível concluir que há gêneros femininos que subordinam gêneros femininos. Então, teríamos situações onde segmentos sociais do gênero feminino vivem diversos tipos de dominação, inclusive imposta por outros segmentos do gênero feminino.

Os debates sobre o desenvolvimento rural sustentável, no Brasil, amplia o leque de pesquisas e análises sobre as relações de gênero nos diversos seguimentos sociais no campo.

Segundo Pacheco, ao citar Altieri (1989 apud PACHECO, 2001), diz que a agroecologia está ancorada também, a partir de entendimentos produzidos por estudos antropológicos, suas etnografias e análises, sobre a lógica das práticas agrícolas dos povos indígenas e camponeses. Porém, a autora chama atenção para o fato de que “nos últimos anos,

esta perspectiva de conhecimento das estratégias camponesas estendeu-se para os estudos do papel da mulher na agricultura e no manejo dos recursos naturais” (PACHECO, 2001, p.3).

Alguns estudos no Brasil, realizados sobre o tema gênero na agricultura, concluem pela existência da desvalorização ou não valorização do trabalho da mulher rural. Rua e Abramovay (2000), na pesquisa que realizaram sobre as relações de gênero nos assentamentos, afirmam que apesar das suas pesquisas confirmarem a presença da mulher em todas as atividades do campo,

“Os discursos, tanto o masculino como o feminino, permanecem caracterizando o trabalho delas “como uma ajuda”, porque as responsabilidades pelas atividades econômicas são sempre deles, tanto na decisão do que plantar, como na comercialização. A falácia da “naturalidade” da divisão sexual do trabalho fica evidenciada nesta pesquisa, constatando-se um grande número de mulheres que se declaram trabalhadoras sem remuneração em atividades produtivas, e que estão também em atividades ditas não produtivas, no mundo doméstico, ou seja, não divididas, mas acumulando diversos tipos de tarefas e compromisso ... O trabalho da mulher é visto como uma extensão do seu papel de mãe/esposa/dona-de-casa que se superpõe a outras atividades principalmente na horta e no quintal. A divisão explicitada nesta pesquisa é uma amostra da persistência da imersão da sociedade rural em uma cultura patriarcal”. (RUA e ABRAMOVAY, 2000, p. 283-284)

Outras pesquisadoras, que têm também estudado as relações de gênero no campo, apontam para a necessidade de contextualizar a família e sua importância nas formas de desvalorização do trabalho das mulheres trabalhadoras rurais nas atividades produtivas e reprodutivas. Essas análises também têm demonstrado que as relações entre homens e mulheres no âmbito familiar, e a forma como a família é constituída e reproduzida, são tão importantes quanto às relações de classe quando se trata de explicar as diferenças sociais do campesinato, assim como sua reprodução social (DEERE, 1995, apud PACHECO, 2001).

Tomando como base as teorias e conceitos de gênero anteriormente discutidas, buscarei analisar as relações de gênero nas diversas frentes de lutas, de mulheres e homens agro-extrativistas integrantes do Movimento ASSEMA, tentando contribuir com os debates e pesquisas sobre as relações de gênero no campo.

CAPÍTULO 2 A FORMAÇÃO DO CAMPESINATO NO VALE DO

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