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TENSÕES CONTEMPORÂNEAS

2.1 CULTURA ESPORTIVA UMA DIMENSÃO PARTICULAR DA CULTURA CORPORAL

2.1.1 Gênese e história

Entender a gênese do esporte seguramente não é uma tarefa fácil. Ao buscar retraçar a gênese do esporte, Assis de Oliveira (2001) argumenta: “não interessa uma definição e sim uma compreensão explicativa, um enredo [...]” (p. 71). Situado entre os estudos históricos e sociológicos, o referido autor traz duas advertências na tentativa de explicação sobre o surgimento do esporte moderno: “não se deve considerá-lo como resultado de um processo linear de desenvolvimento, tampouco como uma instituição completamente autônoma.” (p. 73).

A combinação de jogos das classes populares e das culturas corporais, no cenário europeu do século XVIII, não pode ser entendida de forma linear nem responsável pelo surgimento do esporte moderno. Mesmo guardando similaridades de “movimentação de uma bola com os pés e as mãos; existência de campos específicos de jogo; um confronto entre dois ou mais grupos sendo decidido através do esforço físico-corporal, etc.” (BRACHT, 1997, p. 92) não podemos considerar o esporte moderno como continuidade direta dos antigos jogos populares, passatempos e competições. Ainda que rejeitemos a tese da

historiografia conservadora de que o esporte decorre gestual e identitariamente das formas primitivas de jogar, é preciso rejeitar a compressão da “ausência absoluta de continuidade [...].” (idem, p.93).

Constituam assim contextos históricos e culturais diferentes:

Tomemos como exemplo o jogo dos antigos Mayas – para não recair no exemplo comum dos jogos gregos – realizado desde 1500 a.C. até a invasão espanhola (descobrimento da América) por volta de 1500 d.C. Se considerarmos a forma dessa prática, identificaremos semelhanças com os hodiernos jogos de volibol e basquetebol. Mas, se perguntarmos pelo sentido daquela prática, pela sua inserção sócio-cultural, somos forçados a reconhecer que ela muito pouco se assemelha ao esporte de hoje. (BRACHT, 1997, p. 93).

O aprofundamento dos estudos sobre as práticas corporais antigas nos levará a perceber seus traços religiosos e militares como “centro articulador e gerador de significado.”(BRACHT, 1997, p. 93) e a entender o esporte moderno em sua relativa descontinuidade concernente ao período descrito.

Os eventuais fragmentos históricos encontraram na Inglaterra um palco privilegiado para agrupamento de regras e um território fecundo para promover batizados esportivos a modos de jogar, nascidos em diferentes cantos do mundo.

Esse processo de transição esporte/jogo só foi possível, porque contou com a chancelaria do poder público inglês, sufocando e folclorizando distintas manifestações corporais, até então, presentes em vários países. Mesmo com resistências, o espraiamento do fenômeno esportivo foi intensificado nos séculos XIX e XX e chega ao século XXI envolvido por sofisticadas características racionais, científicas, competitivas e claros vínculos com negócios de altos rendimentos.

Para entender as razões pelas quais a Grã-Bretanha deu os passos mais significativos no processo de sistematização do esporte moderno, a que Elias

(1986) chamou de “esportivização das distrações”, é preciso retomar as reflexões historiográficas em torno das guerras entre Estados-nação, entre os Estados dinásticos e as remanescentes formas feudais de organização societária.

Nesse processo, verificou-se uma afirmação econômica e militar ocidental e no dinâmico papel político da Europa no cenário mundial, destaca-se a trajetória do Estado inglês no surgimento do esporte moderno.

[...] a desunião da Alemanha e da Itália até o século XIX explica por que esses dois países não se tornaram sítios de “esportização”. Decerto, os italianos haviam desenvolvido muito cedo, no século XVI, seu cálcio, isto é, bem antes que os Ingleses desenvolvessem o soccer e o rugby, porém, nesse país desunido, o cálcio continuou confinado a Florença, com talvez algumas variantes em outras cidades. As tradições locais tendiam a prevalecer sobre as tradições nacionais [...] Além disso, nasceu na Alemanha, um movimento ultranacionalista em favor do desenvolvimento da ginástica, die Turnerbewegung. (GARRIGOU E LACROIX, p. 96 e 97, 2001)

Ao contrário das cisões entre italianos e alemães até o século XIX, a França e a Inglaterra estavam, no período, relativamente unidas no plano nacional, o que favoreceu a divulgação, a afirmação de suas experiências e até a “exportação” de algumas práticas sociais como, por exemplo, o esporte moderno.

No território brasileiro, a chegada do esporte surge trazendo contornos próprios. Alguns autores vêm revisitando a historiografia sobre o tema. Nos seus estudos, Lucena (2001) argumenta que:

No caso do Brasil, não há, tomando por base o ocorrido em alguns países europeus, e na Inglaterra em particular, uma passagem sincrônica do jogo popular e ritualístico ao esporte ou jogo esportivizado. Em nossa opinião, há, na verdade, o ‘implante’ de uma prática específica ao lado dos jogos de caráter popular [...] o esporte chega até nós não por um amadurecimento contínuo, que permitiu a passagem de uma técnica específica, que parece caracterizá-lo; mas por uma ação deliberada e dirigida para determinados setores da elite brasileira. ( 2001, p. 46).

ambiente cultural muito menos. As experiências lúdicas brasileiras de movimento corporal acolheram as manifestações esportivas que chegavam aqui, mas deu- lhes uma ginga brasileira. Nas tensas tentativas de implante do esporte no Brasil, o fenômeno esportivo “tomou como de assalto o mundo da cultura corporal de movimento, tornando-se sua expressão hegemônica, ou seja, a cultura corporal de movimento esportivizou-se.” (BRACHT, 1997, p.11).

O esporte é uma prática social que não se caracteriza apenas pela sua forma de desenvolvimento ou “implantação”, ele se edifica por suas inúmeras possibilidades de vivências corporais no movimentar-se humano.

O esporte pode ser classificado de distintas maneiras. Os quatro elementos e os esportes olímpicos nos ajudam a construir uma delas11. No, elemento terra, é possível agrupar: atletismo, badminton, basquete, beisebol, ciclismo, futebol, handebol, hóquei, softbol, tênis, tênis de mesa, vôlei e vôlei de areia; no elemento água: canoagem, vela, nado sincronizado12, natação, saltos ornamentais, pólo

aquático e remo; no elemento fogo poderíamos reunir as lutas: boxe, esgrima, judô, greco romanas, livre e tae-kwon-dô e no ar: a ginástica olímpica, ginástica rítmica desportiva e ginástica trampolim, hipismo, levantamento de peso (arranco e arremesso), tiro e tiro com arco. Somam-se aos citados os de características mistas: pentatlo moderno e triatlo.

Se tomarmos equipamentos como referência, poderíamos ter outra maneira de classificação: quadras, pistas, piscinas, campos, areias, ringues..., podendo ser coletivos ou individuais.

A orientação pedagógica e os equipamentos recreo-esportivos, disponíveis

11 A reportagem apresenta a relação entre os quatro elementos e os esportes olímpicos. Revista Olimpíadas, 2004. Nº 1, p. 52 – 71, 2004.

em cada lugar, seguramente interferem no desenvolvimento de uma modalidade esportiva e conseqüentemente no desenho cultural de cada região. Cada experiência revela um jeito do esporte ser praticado, assistido e estudado.

Para refletir criticamente sobre o relevo teórico do esporte, tomamos para esse escrito, dois recortes conceituais sobre o tema. O primeiro surge em meados da década de 80 e toma o fazer esportivo de modo estruturante e normatizador e o divide em três manifestações: esporte/educação; esporte/participação e esporte/rendimento. Um outro olhar teórico sobre a questão é encontrado nos estudos de Bracht (1997), que reconhece o esporte na sua dimensão múltipla e o divide em dois campos: esporte de alto rendimento ou espetáculo e esporte como atividade de lazer.

As manifestações de educação, de participação ou comunitária e de lazer, presentes nos referidos olhares sobre o esporte, reúnem “múltiplas realidades construídas cotidianamente” (MACEDO, 2000, p.54) e podem favorecer o debate relacional entre as regras do jogo e as regras da sociedade. Tais manifestações podem ainda, nos territórios citadinos formais e não-formais, se configurarem em espaços referenciais de aprendizagem das culturas corporais, independente do segmento social ao qual o cidadão pertence, da sua habilidade motora, do sexo ou da etnia.

Para efeito dessa produção, cabe aprofundar as características do esporte-

espetáculo que, ancorado na mídia, vem se (pré)ocupando muito mais com os

altos rendimentos financeiros advindos dessa prática social do que com os aspectos sócioculturais da experiência. A esse respeito, (SOUZA, 1993) considera que o esporte–espetáculo se tornou “uma mercadoria altamente complexa, em volta da qual, ocorre uma circulação significativa de capital” (p.

127). No dizer de Bracht, citando Digel, a perspectiva do pensar e do fazer esportivo de espetáculo já pode ser considerada um sistema que possuir

um aparato para a procura de talentos normalmente financiados pelo Estado; um pequeno número de atletas que tem o esporte como principal ocupação; uma massa consumidora que financia parte do esporte-espetáculo; os meios de comunicação de massa são co-organizadores do esporte-espetáculo e um sistema de gratificação que varia em função do sistema político-societal [...].(DIGEL apud BRACHT, 1997, p.13).

Os meios de comunicação de massa, em especial a TV, referenciados no ideário olímpico, diariamente, em diferentes horários e com tempos distintos, produzem e reproduzem imagens gravadas ou ao vivo, mostrando corpos em movimento, em práticas esportivas e materializam a “mercadoria esporte espetáculo de forma a reproduzi-la quando, onde e quantas vezes se fizerem necessário” (SOUZA, 1993, p.127).

Nesse movimento, o esporte espetáculo, que prefiro nomear esporte espetacularizável, com seu foco, volume, enquadramento, cor, movimento das câmeras e sua iluminação vem soprando, “via satélite”, uma programação editada e um fazer reconhecidos como esporte telespetáculo.