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Olhares e falas luso-brasileiras: em “contraste”, as representações sociais das juventudes

3 TALHES METODOLÓGICOS E PROCEDIMENTOS EMPÍRICOS

REVISTA PENSAR A PRÁTICA

3.6 A QUESTÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

3.6.2 Olhares e falas luso-brasileiras: em “contraste”, as representações sociais das juventudes

A presente investigação como integrante de uma pesquisa matricial, que pode ser entendida como uma metodologia “que parte do diálogo crítico e criativo com a realidade, não do monólogo da consciência isolada” e do entendimento que “a realidade é complexa, multiformemente condicionada, implicando uma matriz múltipla de relações lógicas e práticas”. (DEMO, 1994, p. 65), buscou entender, aprofundar e refletir acerca das possibilidades de formação humana da juventude e sob o foco da mídia televisiva sobre esporte, ouvir e trocar olhares com outras experiências de estudos e pesquisas e edificar um modo próprio de pesquisar.

Sendo o esporte uma possibilidade de lazer e sendo o lazer um campo simbólico da juventude, importa, mais uma vez trazer, Pais (2003) para, contrariando a mitificada tese da “juventude homogênea”, promover o lazer como campo privilegiado de visibilidade e sociabilidades juvenis. O desafio é, pois, minar os mitos nos seus próprios terrenos” (p. 159) e sustentar o esporte como fecundo campo empírico para aprofundar estudos na área em questão.

Para fazer avançar nosso estudo, ampliar nossos referenciais teóricos, qualificar nosso contato empírico junto à juventude e responder à problematização levantada por esse estudo, foram constituídas sanfonas de escutas.

Nas idas e vindas ao encontro dos grupos de jovens, desenvolvemos um ritual: iniciávamos com uma conversa sobre o sentido de pesquisar, chamando

a atenção sobre a pertinência e a relevância da investigação que estava realizando. Apresentava o texto-vídeo com imagens sobre o fenômeno esportivo e com imagens e argumentos vinculados à pesquisa. Em seguida, com um roteiro organizado e flexível, realizava um grupo de discussão com o objetivo de provocar e “colher” as doxas reveladas nas entrelinhas das falas e gestos dos jovens participantes.

Os discursos colhidos nos grupos focais foram como um quebra-cabeça se integrando e formando uma rede representacional. Uma cadeia de palavras chaves e significações que constituíram as seguintes categorizações: presença; marcas/dinheiro; escola/aprendiz; hino/raça; Deus/religião e droga/conhecimento.

A presença no esporte foi a primeira síntese categorial que identifiquei, após registrar nas falas dos participantes do grupo focal o campo de vivência do esporte como uma questão percebida de modos distintos.

“o esporte tem grande influência nas nossas vidas [...] ele está na escola, no bairro e todo dia na televisão [...] a gente não precisa nem sair de casa. Todo mundo

acaba vendo esporte na TV.”

“tem imagens nesse vídeo [...] imagens de televisão mesmo, que marcam a gente.”

“Um desporto que cresce cada vez mais em Portugal é a capoeira.” “O esporte desenvolve de maneira física, na junta, na saúde”

“O desporto é muito bom. Ajuda a cuidar da mente, desperta nossa curiosidade”

Sabemos da abrangência da cultura esportiva. No entanto, é do mundo vivido corporalmente ou do mundo visto ou sentido que emerge basicamente a presença do ser em si, e da forma de percepção sobre o esporte. Para Kunz

(1994), “a tematização do esporte enquanto mundo vivido permite, assim, questionar de forma contextualizada, os momentos em que a corporeidade e movimento ganham significado na infância e adolescência” (p.60).

A segunda categorização que observei, situou-se no binômio marca/dinheiro. A valoração do dinheiro, das marcas e grifes como bens que afirmam prestígio e conformam poder são construídos, inclusive a partir da mídia, dentro da subliminar sedução para o consumo. No contexto dos grupos, a propaganda na televisão aparece de modo incisivo. São produtos de um universo tão distante da capacidade de renda das famílias mais pobres e, de repente, é como ficassem pertinho e logo, logo, voltassem a se distanciar.

“A renda interfere no esporte. Quem não tem dinheiro só aprende no colégio. No meu colégio agora nós estamos aprendendo handebol [...] o esporte é muito bom,

aumenta a resistência física, ajuda no nosso crescimento e, às vezes, é até terapêutico”

“a propaganda da Tim, leva a gente com Ronaldo e Cafu para vários lugares do mundo.”

“muitas propagandas e jogos é só pra vender produtos e muitas vezes as pessoas só vêem a propaganda do jogo porque o horário de alguns jogos é muito

tarde para quem precisa acordar cedo.”

“A propaganda começa muito antes de começar os jogos. Nas placas e nas propagandas de radio e TV.”

“O patrocinador não deveria mandar nos horário dos jogos.”

“Comprar os produtos que saem na TV é mais agradável, da mais moral. Mas eu compro o que não sai na televisão também.”

“A propaganda no desporto é importante...mas tem que ter limites. Durantes os jogos na TV a propaganda é muito prolongada.”

“Acho que tem que ser publicidade no desporto e não desporto na publicidade” “A maioria dos jovens quer comprar o que passa na televisão.”

que manda. Por que a globo toma conta de tudo? Quando não é esporte é violência [...] para a TV Educativa não sobra nada.”

“Precisava diversificar as modalidades esportivas na TV e isso só acontece nas olimpíadas.”

As falas demonstram o quão é importante refletir criticamente sobre o que se mostra nas mídias. Trata-se de investirmos em receptores que se tornem sujeito do seu olhar, contribuirmos para a formação de “[...] cidadãos autônomos, com capacidade para se situar na cultura esportiva, sendo sujeitos da sua construção e do seu consumo.” (Pires, 2002, p.171).

A terceira categoria articulou a Escola como espaço aprendiz. O esporte possibilidade pedagógica de cultura corporal no âmbito cultura escolar. Ao se discutir conteúdo, método e interesse pelo esporte, busquei saber o valor, o desejo e as condições para a prática esportiva.

“Depende do colégio. Muitos professores querem obcecar o aluno para jogar um esporte. Mas ele também ensina o limite”

“Toda gente gosta de desporto [...] mas só pratica os mais fáceis e os mais baratos.” “[...] no esporte a gente se diverte e aprende muitos valores [...] mas nem sempre a gente pode praticar o que gosta [...] meu sonho é praticar natação.”

“Tem hora que é demais. Os jornalistas escolhem um jogador e ai só fala dele. Um exemplo foi último campeonato brasileiro. Escolheram Robinho e Diego, e foi só Robinho e Diego e Diego e Robinho [...] e nunca escolhem um jogador do Bahia ou do

Vitória...na televisão o nordeste é sempre discriminado.”

Nesse conjunto, expressam-se representações acerca do significado da prática do esporte na escola e reconhece o esporte, ora como possibilidade

pedagógica e exercício de prazer, ora como frustração pela falta da oportunidade ou desejo contido.

Das relações étnico-raciais e dos hinos nacionais emergiu o quarto agrupamento como categoria. Tratou-se de um debate sobre o mito da democracia racial, tomando a mídia esportiva como espaço de afirmação simbólica de raças e nações.

“Tem racismo na TV [...] mas no esporte é diferente. O atleta que tem resultado a mídia tem que mostrar.”

“O jogador é divulgado pelo que faz independente de ser branco ou negro.” “Quero dizer uma coisa que veio na minha cabeça agora [...] Por que a mídia não

mostra as boas coisas que acontecem aqui?”

“O hino nacional no esporte só quando vai representar o Brasil. No colégio eu não sou muito chegada.”

“O hino? Eu acho muito importante. É uma forma de preservar a cultura. As vezes eu não consigo nem cantar (e nem sei todo confesso), é muita emoção mesmo pela

televisão.”

Ora como referente, capaz de atuar a favor daquele que atua sob o manto da fé, ora com temor, o delicado tema que articula religião e esporte obteve, junto aos jovens pesquisados, um destaque para Deus como instância de fé para alcançar o sucesso no esporte e de distanciamento do Deus todo poderoso, das práticas humanas de caráter sócio-esportivas.

“esporte é uma coisa [...]religião é outra”

“é claro que a religião se envolve com o esporte[....]por que Deus está em tudo” “Esporte e religião podem se misturar [...] se Atenas é a cidade dos deuses!” “Sou favorável à religião no desporto. O problema é que muitos atletas se benzem

O debate sobre a relação esporte e droga nos remete a uma máxima consolidada no imaginário social de que um dos principais caminhos para se evitar as drogas ilícitas estaria justo na prática regular de esporte. O grupo apresentou um olhar cético a esse respeito.

“Mais ou menos. Eu conheço muita gente que pratica esporte e usa drogas.” “[...] o caso mesmo de Maradona que passa no vídeo é diferente. Ele como era um grande jogador e o corpo físico não estava agüentando mais...não tinha mais

capacidade de mostrar o seu trabalho [...] ai partiu para o doping, para o uso de drogas e veio também a bebida e a cocaína.”

“Se não tivesse exame anti-doping seria muito pior.”

“Sobre consciência no esporte o que eu acho é que cada um faz o que pode o que vem na cabeça [...] mas, as vezes, para mostrar que é bom faz tudo ...usa até droga

pra ganhar.”

Relatos oficiais, mesmo que questionáveis, do ponto de vista de protocolos muito rígidos, “indicam que o problema do doping no esporte é um problema quase tão antigo como o próprio esporte. O chamado uso de “meios auxiliares”, especialmente de natureza química, para influenciar no rendimento esportivo já era algo conhecido nas antigas olimpíadas gregas.” (Kunz, 1994, p. 50 e 51).Portanto, o caminho do esporte pode ser contraditoriamente o caminho da drogatização.

Provocados pelas perguntas: Esporte aliena? Por que tem violência no esporte? Qual é seu ídolo no esporte?, instalou-se uma polêmica sobre as oportunidades sociais como saída para melhoria da qualidade de vida e a violência como uma construção social.

“A mídia não encontra na periferia, nos bairros populares o que procura.” “A novela malhação fala do dia a dia e ensina a sair de alguns problemas.” “Eu não sou fanática por futebol como meu irmão...mas é aquela coisa [...] quando o

Benfica vai jogar todo mundo torce lá em casa.” “Quem não quer ter a mesma chuteira de um ídolo?”

“A violência não é instinto do Jovem o que pega mesmo não é só o abandono [...] é a falta de oportunidade.”

“A violência surge por toda gente quer ganhar.”

“A capoeira é povão, todo mundo gosta de capoeira na Bahia, mas sai muito pouco na mídia.”

“A TV influência muito o povão. Mas é uma raridade passar o povão na TV – passa mesmo os famosos e tudo por causa do IBOPE. Se Pelé chegar em águas claras [...]

todo mundo quer ir ver e depois vai colar na televisão pra ver se saiu.” “Ainda outro dia eu estava pensando nisso. Acho que não tenho ídolo. Mas gosto de

ouvir os cracks falando.”

O desejo de ser alguém, de ser escutado, é latente nas comunidades juvenis. Não se fala em cultura da paz, mas se reivindica e se cultiva o sonho da oportunidade de estudo e de trabalho. Nota-se uma grande preocupação com a violência urbana tão nítida nos bairros populares de Salvador.

Os dados da Comissão de Justiça e Paz demonstram que estamos numa verdadeira guerra na Região Metropolitana de Salvador, “se mata mais do que se matou na guerra da Iugoslávia, através de 10.484 bombardeios, que tanto chocou o mundo”. Nesta guerra regional, “tanto os que morrem quanto os que matam são jovens, trabalhadores, negros(as) e moram nos bairros pobres da periferia. E entre os que mais matam estão policiais, a serviço do Estado.” E o que é mais grave é que “há resultados idênticos em pesquisas realizadas em

outros Estados pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos”.(SILVA a., 2000, p.101)

Ao final dos grupos focais, importou ao presente estudo saber a repercussão e a importância de pesquisa, envolvendo a juventude na visão dos próprios jovens.

“É muito bom porque nem todo mundo conhece a teoria do jovem.” “A pesquisa faz agente pensar em coisas que nunca tínhamos pensado antes [...] uma pesquisa sobre televisão e esporte agente pode falar o que vê e o que sente

[...] é o nosso ponto de vista...uma fonte sobre o adolescente.”

“A pesquisa nos integrou mais, agente fica sabendo o que o colega sente e pensa.” “É bom a faculdade querer saber a opinião do jovem daqui.”

Ficou evidente o interesse recíproco entre universidade e comunidade e em particular a comunidade juvenil. A pesquisa reforçou ainda o relevo social e o vinculo popular que o fazer universitário pode ter e atestou o grupo focal como um procedimento contemporâneo em investigações qualitativas.

4 HABITUS E FASCÍNIO DA TELEVISÃO: O ESPAÇO-TEMPO