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G R ELAÇÃO ENTRE A CÇÕES P ALIATIVAS E “B OAS P RÁTICAS ”

A identificação desta categoria emergiu, como foi referido no capítulo sobre a metodologia, do próprio discurso dos entrevistados, tendo estado presente em vários momentos das entrevistas. Dado o número de peritos (8) que sentiu a necessidade de falar desta temática para melhor justificar os seus argumentos e as suas opiniões sobre o desenvolvimento de acções paliativas em unidades de internamento de agudos, tornou-se evidente a necessidade de construir esta categoria de análise.

Em geral foi nos momentos em que os entrevistados abordavam as questões relacionadas com o conceito de acção paliativa (categoria A), nomeadamente ao falarem da operacionalização do conceito e sua aplicação na prática (subcategoria A3) e durante o processo de explicitação dessas mesmas acções paliativas (Categoria B – Acções paliativas identificadas) que se evidenciou esta dimensão da análise do conteúdo

A questão central que é referida pelos entrevistados, a este propósito, tem que ver com o facto de as acções paliativas serem acções básicas, sem intuito curativo de apoio ao doente em fim de vida, e poderem por isso, em alguns casos, ressaltarem da mera exigência de boas práticas em geral, quer no âmbito dos cuidados médicos quer de enfermagem. A ambiguidade das “fronteiras” entre estes dois conceitos esteve presente em alguns momentos da identificação das acções paliativas em unidades de internamento de agudos, como se torna visível nos seguintes casos:

ƒ “ O registo como acção paliativa... eu não lhe chamaria uma acção paliativa, acho que qualquer acção de enfermagem implica um registo e se tu fazes uma acção, tens de a registar.” (E3, p.11);

ƒ “ O encaminhamento de um doente para as estruturas, não é uma acção paliativa (…) neste momento e na nossa cultura, concordo, ainda não é visto assim e por isso se calhar não pensas logo em fazê-lo e se considerares o facto de pensares como uma acção paliativa poderá dizer alguma coisa, na realidade, acho que é intrínseco à enfermagem.” (E3, p.17);

ƒ “ Mas julgo que isso não será uma acção paliativa, isso é uma acção de enfermagem ou uma acção médica também (…) Faz parte da boa prática registares.” (E3, p.11).

Não se pretende com a análise desta categoria determinar a relação que existe entre acções paliativas e boas práticas, não sendo este um objectivo deste estudo. Pretende-se, no entanto, explicitar que esta é uma temática de análise pertinente e necessária quando reflectimos sobre o desenvolvimento de acções paliativas em unidades de internamento de agudos, temática central deste estudo. As seguintes unidades de registos revelam-nos estas reflexões, organizadas nos seguintes eixos interpretativos:

Nomeia as acções paliativas como um exemplo de boas práticas tendo em vista a humanização dos cuidados:

ƒ “Se fores ler bem as definições de humanização de cuidados e boas práticas tem a ver com tudo o que nós estivemos a falar que são acções paliativas, o respeitar a pessoa, como uma pessoa, como um todo, respeitar as suas ligações, os seus interesses, se calhar respeitar os seus valores, tudo isso passa por acções paliativas.” (E1, p.22).

Nomeia as acções paliativas como um exemplo de boas práticas, mas com algumas especificidades que extrapolam as boas práticas:

ƒ “Sim, sim, a acção paliativa por si só é uma boa prática (…) mas acaba por ter também especificidades que vão mais além, muito mais além.” (E5, p.17);

ƒ Eu acho que a gente pode diferenciar isto como acções dirigidas ao conforto e ao bem-estar e que são transversais e específicas pela natureza paliativa da situação e depois, acções paliativas como aquelas que, ok, podem e muitas vezes serão boas práticas, mas neste caso, é a especificidade da situação que determina que elas sejam diferentes.” (E6, p.8);

ƒ “ Eu acho que se calhar há um pacote mínimo de boas práticas para todo e qualquer doente ou pessoa doente a receber cuidados. No caso concreto, quer dizer, as boas práticas, digamos que podiam ser definidas como as

medidas recomendadas e estandardizadas para uma determinada situação.” (E6, p.7).

Nomeia as acções paliativas como um exemplo de boas práticas, mas com algumas especificidades em que as boas práticas extrapolam as acções paliativas:

ƒ “Mas isso será uma acção paliativa ou serão as nossas competências? Enquanto profissionais, não é? (…) É que aí já não é uma acção paliativa, são as minhas competências.” (E7, p.5);

ƒ “ (…) as acções paliativas são parte das boas práticas e das competências, pelo menos dos enfermeiros” (E7, p.5);

ƒ “A boa prática é muito mais alargada do que são as acções paliativas.” (E7, p.8).

Distingue acções paliativas de boas práticas pela reversibilidade da doença – tem cura ou não tem cura:

ƒ “Eu não posso incluir numa acção paliativa uma boa transmissão de más notícias, apesar do diagnóstico ser mau, nós podemos vir a ter uma cura. Isso para mim são boas práticas, ok? Outra coisa é um doente que nós sabemos à partida que tem um diagnóstico irreversível, não há possibilidade de cura ou pelo menos há grande percentagem de não conseguirmos uma cura com sucesso, aí saltamos para outra parte. Aí, eu acho que já é uma acção paliativa no sentido de que ao transmitir a informação verídica, verdadeira e de acordo com aquilo que o doente quer saber, estamos a minorar um sofrimento que pode vir mais tarde se o doente não tiver esclarecido essa sua situação. O doente e a família.” (E2, p.7);

ƒ “Acho que são conceitos diferentes, boas práticas e acções paliativas. Uma boa prática pode não ter como intenção o conforto do doente e ser uma boa prática...” (E8, p.4).

Distingue acções paliativas de boas práticas pela intencionalidade e competência associado ao desenvolvimento de acções paliativas:

ƒ “Todos nós não temos que ter competências para implementar essas medidas paliativas, mas temos de ter essa competência de identificar essa necessidade.” (E9, p.4);

ƒ “Quando tens medidas ou acções paliativas, tens uma intencionalidade específica. Identificaste aquela necessidade, que, por acaso, vai de encontro àquilo que serão as tuas boas práticas, mas a diferença está na intencionalidade.” (E9, p.35);

ƒ “Esta é boa prática e o mesmo se espera dos nossos colegas que é: que cuidem e identifiquem e quando não conseguem ter essa capacidade de resposta, encaminhem para quem tem essa capacidade de resposta. Tu, não só manténs uma boa prática que identificaste e intervéns. É esta a boa prática da acção paliativa. É a tua intervenção (…)” (E9, p.36).

Em síntese…

A questão que é abordada nesta categoria de análise decorreu, como foi dito, da própria ambiguidade que, em alguns casos, foi sentida pelos entrevistados quando procuravam dar exemplos de acções paliativas. De acordo com o tratamento e análise que foram feitos às unidade de registo integráveis nesta categoria, foi possível identificar a seguinte tipologia de correspondências ente estes dois conceitos: a) as acções paliativas articulam-se com as boas práticas; b) as acções paliativas são totalmente diferentes das boas práticas. No primeiro caso, podem verificar-se três modalidades diferentes: as acções paliativas são um exemplo de boas práticas; as acções paliativas prolongam e contextualizam as boas práticas; as acções paliativas são um caso particular das boas práticas gerais da profissão. No segundo caso, a distinção entre acções paliativas e boas práticas resulta de dois tipos de características: irreversibilidade da doença; intencionalidade paliativa da acção terapêutica. Tornou-se assim claro pela análise das unidades de registo que integram esta categoria que as acções paliativas são especificamente direccionadas para as situações de não reversibilidade da morte, sendo que há e haverá sempre atitudes básicas de intervenção a este nível que são ainda mais básicas que as acções paliativas, isto é, que decorrem de boas práticas aplicáveis em geral ao

exercício da função de médico ou de enfermeiro. Sugere-se novamente um papel essencial da intenção associada ao conceito de acção paliativa, dando- lhe significado e operacionalidade. Concomitantemente as acções paliativas não deixam de ser referidas pelos peritos como também uma demonstração de boas práticas, a partir do momento que se deseja que sejam acções de apoio ao doente em fim de vida, com o objectivo de promover o conforto e a qualidade de vida do mesmo.