• Nenhum resultado encontrado

A entrevista a peritos (expert interview)

Dado o carácter qualitativo, exploratório e descritivo deste estudo, bem como os objectivos a que este se propõe responder, a técnica de recolha de dados que melhor se adaptou foi a entrevista semi-estruturada, mais especificamente, a “entrevista a peritos” (expert interview). Segundo FORTIN (1999:245) a entrevista semi-estruturada permite “colher informações junto dos participantes relacionadas com factos, comportamentos, preferências, sentimentos, expectativas e atitudes”. Pretende-se obter os dados decorrentes do discurso dos entrevistados, sendo que o investigador depreende o modo como estes se posicionam face a diversos acontecimentos da vida e que interpretações produzem, tendo como pano de fundo os eixos de análise da investigação que se está a desenvolver (BODGAN e BIKLEN 1994:134).

Esta técnica de colheita de dados implica segundo FORTIN (1999:246) que o investigador possua um quadro de referência ou quadro teórico anterior, sendo o sujeito confrontado com questões que lhe permitam uma resposta suficientemente ampla. A adequação deste instrumento de colheita de dados a este estudo surge claramente fundamentada quando FORTIN (1999:246,247) reforça que ela é a mais utilizada em estudos exploratórios, pretendendo-se que o investigador compreenda a “significação dada a um acontecimento ou fenómeno na perspectiva dos participantes”, embora também possa ser utilizada como ponto de partida para a elaboração de outros instrumentos de colheita de dados (1999:247). Sendo uma entrevista semi-estruturada, o investigador deve possuir uma lista de temas a cobrir, formulando questões a partir desses temas e apresentando-os ao entrevistado segundo uma ordem adequada, orientado pelo guião da entrevista (FORTIN, 1999:247).

Já no que se refere à técnica da entrevista a peritos (“expert interview”), FLICK (2009:168) salienta que este método de colheita de dados pode ser usado de forma isolada, ou como complemento de outros métodos. No primeiro caso, as entrevistas a peritos pretendem obter, geralmente, dados de opiniões de um grupo especializado com vista a esclarecer conceitos e práticas pouco claros até à data. Ela é também utilizada, por vezes, para comparar opiniões,

conhecimentos, permitindo, em alguns casos, pôr em evidência as principais diferenças entre “peritos actuais” e peritos que anteriormente se pronunciaram sobre a temática em estudo.

É importante sublinhar que, segundo o mesmo autor, a utilização da entrevista semi-estruturada se justifica, neste caso, não só pelo tipo de conhecimentos que os entrevistados possuem mas também pela dificuldade em fazer entrevistas intensivas e não estruturadas, atendendo à sua geralmente reduzida disponibilidade de horário (FLICK 2009:168).

Por sua vez, BOGNER e MENZ (2002), citados por FLICK 2009:167, alertam para os diversos riscos que esta modalidade de entrevista comporta, quando aplicada a um grupo de peritos, e que foram tidas em consideração quando da realização deste estudo: a entrevista pode tornar-se um insucesso se os entrevistados, ao contrário do que era inicialmente pressuposto, não se revelarem, efectivamente, especialistas na temática em estudo; o perito pode desviar-se do tópico da entrevista preferindo falar de assuntos internos, ou até mesmo de intrigas, que possam estar a ocorrer no seu trabalho, e que o preocupam predominantemente; o entrevistado pode ter tendência para valorizar mais o discurso sobre si próprio (como “pessoa perito”) do que expor os seus conhecimentos especializados sobre o tema proposto; o perito pode ter tendência em explanar livremente o seu conhecimento em vez de colaborar no “jogo pergunta-resposta” do entrevistador, correndo-se o risco do perito não tocar no tópico da entrevista (BOGNER e MENZ, 2002, citados por FLICK 2009:167).

Dadas estas condicionantes, os mesmos autores (citados por FLICK 2009:166,167) consideram que estas entrevistas têm uma dupla exigência. Por um lado, devem obedecer a um guião que seja suficientemente directivo, de forma a excluir tópicos desnecessários e pouco produtivos onde o perito se pode facilmente perder. Por outro lado, devem ser suficientemente flexíveis para que o perito exteriorize opiniões, sugestões e conhecimentos, acrescentando, sempre que possível, algo de novo, à temática que se está abordar. Deste modo, é a forma como é elaborado o guião da entrevista que consegue assegurar, por um lado, que os investigadores/entrevistadores não são “interlocutores incompetentes” e, por outro lado, que os peritos entrevistados não se perdem em tópicos que não têm interesse para o estudo,

de modo a poderem exteriorizar plenamente as suas opiniões e visões sobre o tópico proposto (FLICK 2009:167 citando BOGNER e MENZ 2002).

A construção do guião

O guião das entrevistas (anexo II) foi organizado em função de um conjunto de blocos temáticos específicos, de acordo com os objectivos definidos para esta investigação e com os referenciais teóricos mobilizados. Estes blocos foram utilizados como instrumentos de gestão das entrevistas tendo em vista obter o maior número de dados passíveis de serem posteriormente analisados.

A organização destes blocos temáticos, cujo respectivo conteúdo e intenção passo a resumir em seguida, procurou minimizar o mais possível os riscos que podem ocorrer nesta tipologia específica de entrevista e que foram anteriormente apresentados.

O bloco A é constituído pela legitimação da entrevista e motivação do entrevistado tendo como objectivos: Informar sobre o contexto em que se realiza a entrevista e sua finalidade, apresentado as linhas gerais do estudo e seus objectivos; valorizar o contributo do entrevistado/a e importância da sua participação para a realização deste trabalho; obter consentimento para gravar a entrevista e utilizar os dados obtidos para a prossecução do trabalho de investigação.

O bloco B refere-se à explicitação do conceito de acção paliativa. Neste bloco é recordado primeiramente o conceito de acção paliativa utilizado neste estudo (já explicitado no quadro teórico deste trabalho) e, seguidamente, é solicitada uma reacção do entrevistado/a sobre este assunto. O objectivo é que, tendo em conta o seu conhecimento especializado, se pronunciem sobre: concordância ou discordância, convergência ou divergência no que diz respeito ao conceito de acção paliativa; importância dada ao conceito e sua operacionalização na prática, tentando colocar em evidência eventuais ambiguidades e confusões; funcionalidades e potencialidades desta prática de cuidados, em hospitais de agudos. O conceito de acção paliativa utilizado como referência foi apresentado de forma resumida numa folha anexa (anexo III), com base nas referências bibliográficas já apresentadas no quadro teórico deste estudo. Esta estratégia teve como finalidade por um lado, permitir ao

perito recordar de uma forma mais rápida os aspectos essenciais do conceito de acção paliativa e, por outro lado, procurar garantir, na medida do possível, uma maior homogeneidade no ponto de partida das entrevistas, deixando para o seu decurso a manifestação da diversidade de opiniões e de pontos de vista. O bloco C refere-se a exemplos concretos de acções paliativas passíveis de se desenvolverem nas unidades de internamento de agudos. O objectivo deste bloco consiste em recolher uma lista, a mais ampla e exaustiva possível, das acções paliativas que se podem desenvolver, salientando-se o sentido descritivo das oportunidades (“pode”) e não prescritivo das regras (“deve”). Pretende-se dispor de uma lista de possibilidades, procurando obter, sempre que possível, exemplos concretos, não deixando que o entrevistado se refugie em generalidades. Este bloco tem também como objectivo verificar se o entrevistado/a, ao reflectir sobre as principais acções paliativas que se podem desenvolver, considera que há uma diferenciação entre acções paliativas médicas e de enfermagem.

O bloco D, por sua vez, destina-se a suscitar no entrevistado a sua reflexão sobre factores que influenciam o desenvolvimento de acções paliativas em unidades de internamento de agudos, bem como sobre potenciais estratégias promotoras desta prática. Deste modo este bloco teve como objectivos: recolher uma lista, a mais ampla e exaustiva possível, dos factores facilitadores e inibidores no desenvolvimento de acções paliativas no contexto de unidades de internamento de agudos; conhecer propostas para a criação de condições específicas conducentes ao desenvolvimento de acções paliativas no mesmo tipo de unidades.

No final da entrevista agradeceu-se a colaboração do entrevistado e foi-lhe dada a possibilidade de completar a informação sobre as questões que são objecto da entrevista.

A realização das entrevistas

O primeiro contacto foi efectuado por intermédio de correio electrónico (ver anexo I) tendo servido para apresentar as linhas gerais do estudo e afirmar o meu interesse em obter a sua participação. Foi igualmente sugerido um posterior contacto telefónico de forma a confirmar a disponibilidade para

participar no estudo e proceder, se possível, ao agendamento da entrevista. Esta primeira abordagem, que decorreu entre 20 de Abril e 15 de Maio de 2009, visou permitir que, quando ocorresse o primeiro contacto directo com o perito, via telefone, este já tivesse noção das linhas gerais do estudo e dos objectivos da sua participação, facilitando e tornando mais esclarecedora esta primeira abordagem. Houve por parte de todos os peritos uma franca disponibilidade em participar, excepto num caso, como já foi referido.

As entrevistas realizaram-se entre 18 de Maio e 17 Junho de 2009 e tiveram uma duração média de 50 minutos. Decorreram num gabinete disponibilizado pelos peritos no seu local de trabalho, garantindo um ambiente calmo e tranquilo e o mínimo de interferências. No entanto, tratando-se de um grupo de profissionais que desempenha funções relevantes nos seus locais de trabalho, não foi possível evitar, em alguns casos, breves interrupções das mesmas (máximo cinco minutos), na sequência de solicitações exteriores importantes. Em alguns momentos ocorreram “pausas reflexivas” antes dos entrevistados darem as suas respostas, ou foram apresentadas dúvidas ou pedidos de esclarecimento, previamente à apresentação de uma pergunta aberta. Embora não fosse obrigatório todos os peritos optaram por ler a folha anexa onde era apresentado o conceito de acção paliativa, de modo a poderem abarcar objectivamente todas as dimensões do conceito.

Todos os entrevistados revelaram-se interessados no desenvolvimento da entrevista e bastante disponíveis em fornecer informações, tendo aceite que a mesma fosse gravada. Deram igualmente o seu acordo à posterior utilização dos dados obtidos no contexto deste estudo.

Todas as entrevistas foram transcritas na íntegra para permitir o trabalho de redução e condensação dos dados e respectiva análise de conteúdo.

De registar que não se procedeu à devolução das transcrições aos entrevistados uma vez que não surgiram dúvidas quanto ao seu conteúdo e nenhum dos entrevistados o solicitou. Esta opção pretendeu preservar a espontaneidade do discurso do entrevistado e evitar uma nova sobrecarga de trabalho a estes profissionais (pelas razões anteriormente explicadas).

Finalmente, importa referir como foi resolvida a questão do anonimato dos entrevistados. Segundo FLICK (2009:168), o anonimato pode ser ou não garantido consoante a vontade do respectivo perito. No entanto este autor

recorda que, recorrentemente, neste tipo de estudos com peritos é suficiente apresentar as funções profissionais que este desempenha e nalguns casos, aspectos significativos dos seus currículos que justifiquem o critério de selecção utilizado. Esta foi também a estratégia utilizada neste estudo, tendo sido caracterizado apenas o grupo de peritos e não tendo sido apresentados os respectivos nomes, embora não houvesse a oposição dos entrevistados a que isso fosse feito.