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3 TRABALHO PRISIONAL: ESVAZIAMENTO DAS TEORIAS SOBRE A

3.6 Garantias trabalhistas dos presos

Conforme já mencionado anteriormente, a Lei de Execuções penais prevê, no seu artigo 28, parágrafo 2º, que o trabalho do preso não está sujeito ao regime da (CLT). Apesar disso, estando no regime fechado ou semiaberto, o detento terá a oportunidade de exercer trabalho no interior do presídio, ou mesmo extramuros, através da contratação pelo Estado do parceiro privado. Logicamente será uma relação triangular, eis que a empresa privada não poderá contratar diretamente com o preso, mas apenas diretamente com o Estado, através de contrato administrativo, pois o preso está sob a responsabilidade do Estado.

A LEP, no entendimento de parte da doutrina, no que tange os direitos trabalhistas do preso, não foi recepcionada pela Constituição Federal. Segundo

eles, a CF/88 proíbe toda e qualquer discriminação entre os trabalhadores, como preconiza em seu artigo 7º, incisos XXXI e seguintes. Coutinho (1999, p. 07-20) informa que

Se na prestação de trabalho pelo apenado estiverem presentes todos os elementos de uma relação de emprego, pela realização de um trabalho subordinado com continuidade e pessoalidade, o pagamento deverá ser igual ou superior a um salário mínimo. A norma constitucional, em seu artigo 7º, inciso IV, garante a percepção de um salário mínimo por todo trabalhador. Sendo norma de eficácia plena, implica automaticamente a não recepção da Lei de Execução Penal, que permite a realização de trabalho remunerado pelo apenado em valores inferiores ao mínimo legal, quando está caracterizada a relação de emprego.

Em que pese os argumentos esposados por essa parte da doutrina, entende-se que a CLT não se aplica ao trabalho do preso, pois, ainda que seja de direito subjetivo, onde prevalece a vontade do apenado-trabalhador, também tem natureza de direito público-administrativo, posto que essa relação de trabalho necessita da intervenção do Estado para se concretizar. O Estado tem que dar o seu aval.

Outro detalhe digno de nota: no trabalho que exerce, o preso está preocupado apenas com a sua liberdade. O trabalho do preso tem finalidades específicas baseadas na LEP, quais sejam, educativa e produtiva. O que se espera é a preparação do detento para a sua reinserção na sociedade, que se dá através da qualificação pelo trabalho.

Para o preso, o trabalho tem uma função dignificadora, independentemente de o seu trabalho ser realizado no âmbito interno ou externo do presídio. Não configura relação de emprego, nem cabe a aplicação da CLT, porém em que pese essas considerações, entende-se que devem ser observados os direitos trabalhistas reconhecidos pela Carta Magna em seu artigo 7º, posto que se trata de direitos sociais do trabalhador, seja ele livre ou não. Aliás, no texto constitucional não fala a espécie de trabalhador, tratando todos da mesma forma.

Os direitos sociais são aquelas posições jurídicas que credenciam o indivíduo a exigir do Estado uma postura ativa, no sentido de que este se coloque à disposição daquele, prestações de natureza jurídica ou material, consideradas necessárias para implementar as condições fáticas que permitam o efetivo exercício das liberdades fundamentais e que possibilitam realizar a igualização de situações sociais desiguais, proporcionando melhores condições de vida aos desprovidos de recursos materiais.

Gomes (2008, p. 143) menciona que a titularidade do direito ao trabalho é universal, o que implica dizer que está voltada abertamente a todas as pessoas humanas, sem qualquer distinção de classe.

A CF/88, ao tratar dos direitos fundamentais, afirma que os direitos sociais são verdadeiros direitos fundamentais, com força normativa e vinculante, que dão aos seus titulares direito de exigir do Estado estas garantias indispensáveis ao ser humano. Isso vale para todos os trabalhadores, sejam eles livres ou reclusos, posto que não se pode fazer diferenciação entre os diversos tipos de trabalhos. Portanto, é obrigação do Estado oferecer trabalho ao apenado, e para isso pode-se valer de contratos com parceiros privados.

Oliveira (2017, p. 185) menciona que:

Defender o trabalho do preso em iguais circunstancias ao trabalho livre, mas retirar os seus direitos trabalhistas é de tamanha incongruência que caminha para o caminho oposto ao da reinserção social. Isso demonstra um bloqueio para a reintegração do preso, além do fato da sociedade não estar preparada para o retorno do delinquente.

Os direitos sociais previstos na CF/88 devem ser aplicados no que se refere ao trabalho prisional, enquanto tal matéria não se encontra regulada na legislação específica própria.

Os direitos fundamentais podem ser analisados a partir de dois enfoques: subjetiva e objetiva. A primeira dimensão é a subjetiva, que tem relação com os sujeitos. Nessa dimensão é relacionado aos direitos de proteção, também chamados de negativos; e os de exigência de prestação, também chamados de positivos, por parte do indivíduo em face do poder público.

A segunda dimensão é a objetiva. Os direitos fundamentais devem ser compreendidos também como o conjunto de valores objetivos básicos de conformação do Estado Democrático de Direito. Nessa perspectiva (objetiva),

eles estabelecem diretrizes para a atuação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e para as relações entre particulares. É a teoria conhecida como sendo a eficácia irradiante dos direitos fundamentais.

Conforme estudado, o efeito irradiante dos direitos fundamentais decorre da dimensão objetiva, que é a capacidade que eles têm de alcançar os poderes públicos no exercício de suas atividades principais. Baseado nisso, Legislativo elaborar a leis, a Administração Pública deve governar e o Judiciário deve resolver conflitos. Tudo isso em prol proteção de direitos.

Portanto, numa perspectiva subjetiva, os direitos fundamentais possibilitam ao sujeito obter junto ao Estado a satisfação de seus interesses juridicamente protegidos. Numa perspectiva objetiva, eles sintetizam os valores básicos da sociedade e seus efeitos irradiam-se a todo o ordenamento jurídico, alcançando também a atuação dos órgãos do Estado.

Se a CF/88 consagra os direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana, também estarão protegidos os princípios relacionados ao trabalho. E se o trabalho é um direito fundamental, será assim para todos os trabalhadores. Todos os setores da sociedade são atingidos pela eficácia irradiante dos direitos fundamentais.

Sarmento (2003, p. 279) leciona que

Uma das mais importantes consequências da dimensão objetiva dos direitos fundamentais é o reconhecimento da sua eficácia irradiante. Esta significa que os valores que dão lastro aos direitos fundamentais penetram por todos os ordenamento jurídico, condicionando a interpretação das normas legais e atuando como impulsos e diretrizes para o legislador, a administração e o Judiciário. A eficácia irradiante, nesse sentido, enseja a “humanização” da ordem jurídica, ao exigir que todas as suas normas sejam, no momento de aplicação, reexaminadas pelo operador do direito com novas lentes, que terão as cores da dignidade humana, da igualdade substantiva e da justiça social, impressas no tecido constitucional.

Umas das soluções para proporcionar trabalho digno ao preso passa-se necessariamente pela efetivação dos direitos fundamentais previstos na CF/88. Mesmo não sendo aplicado as normas da CLT, vislumbra-se a necessidade de aplicação dos princípios peculiares do Direito do Trabalho ao trabalho recluso. A LEP, apesar de regulamentar o trabalho do preso, deixa várias lacunas, além de

retirar tal trabalhador da égide da CLT, ao afirmar que não haveria relação de emprego entre o trabalhador preso e o seu empregado.

Qual a diferença do trabalhador preso e do trabalhador livre, se ambos prestam de serviços para uma entidade privada? Ora, as duas relações reúnem todos os elementos da relação de emprego. Por que então discriminar o preso?

Além disso, a aplicação dos princípios constitucionais, na sua perspectiva objetiva, bem como aqueles peculiares do Direito do Trabalho, notadamente, o da proteção, levam à certeza de que ao trabalhador preso deve ser garantida a ampla rede de proteção dos trabalhadores urbanos e rurais, não se justificando qualquer tipo de discriminação.

Para que a esperada ressocialização (ou reinserção) social do trabalhador preso seja mais contundente e natural, é necessário reconhecer o trabalho, em todas as suas esferas, como direito social fundamental.