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Há uma relação efetiva entre as transformações de forma-função do Porto de Paranaguá e o espaço produtivo ao qual o mesmo foi vinculado, a partir da implementação das políticas e ações públicas operadas nas escalas federal e estadual na segunda metade do século XX, especialmente nas décadas de 1970 e 1980. Fica evidente que tais mudanças refletem um conjunto de vetores de impulsão das transformações territoriais, tomado o espaço produtivo como totalidade, que se insere em outras totalidades. Em especial, o papel do Estado no planejamento territorial, tanto em nível federal, como estadual, colocaram-no como um dos principais atores no processo de produção do espaço. Nesse contexto, “o Estado assumiu o papel de empreendedor não por razões ideológicas, mas sim como um meio pragmático de dinamizar o processo de desenvolvimento” (BARAT, 2007, p.9).

A perspectiva de integração territorial e desconcentração econômica que guiou os anos 1970 foi, sem dúvida, aproveitada para a transformação do espaço produtivo no estado do Paraná. Tal fator se associou ao processo de expansão da fronteira agrícola para o Centro-Oeste e para além das fronteiras brasileiras atingindo e satelitizando economias da América do Sul, como foi o caso do Paraguai. Em todos os sentidos, os organismos de planejamento e os mecanismos assegurados de financiamento constituíram o motor do processo de intervenção e de realização de investimentos, especialmente no que se refere à infra-estrutura.

Nos anos 1980, houve a redução da capacidade interventora da União, o que se tornou mais evidente no estado do Paraná nos anos 1990. Todavia, desde a segunda metade da década de 1980, os sinais de novos tempos no cenário global do capitalismo pós-crise do petróleo tinham atingido seu ponto culminante. Do ponto de vista externo havia uma nova conjuntura política com o fim da Guerra Fria, e do ponto de vista interno um conjunto de fatores que deterioraram a capacidade financeira e planejadora do Estado brasileiro.

Os anos 1990 marcaram no setor de transportes, o que atinge diretamente o aparelho portuário, a paralisação das atividades do GEIPOT, bem como foram desmanteladas as equipes de planejamento dos órgãos setoriais (DNER, RFFSA, Portobrás). Esse processo gerou um esvaziamento da capacidade de elaboração de diagnósticos, bem como de proposição (BARAT, 2007).

Para Castro (2005) houve maior resistência do Estado do Paraná em sucumbir ao desmonte, sem conseguir evitá-lo. O autor acredita que certa estabilidade dentro do quadro burocrático do Paraná, que expressava a persistência do ideário desenvolvimentista, adveio da condição agroexportadora da economia estadual, em uma década em que a política econômica nacional estava direcionada para o fomento às exportações.

O quadro do início dos anos 1990, para o setor portuário e para o porto de Paranaguá, mais especificamente, impôs novos vetores de mudanças, novas verticalidades que se desdobraram ao longo da década. No que tange às horizontalidades, também é possível identificar tendências que foram sendo desenhadas ao longo dos anos 1980, em função do crescimento e diversificação dos fluxos de mercadorias, bem como das necessidades corporativas relativas ao espaço portuário57.

Vale a pena destacar alguns desses aspectos, tais como a exigência de maior comprimento de cais do porto para suprir as movimentações decorrentes do crescimento econômico. Outro aspecto importante diz respeito à especialização ou semi-especialização de berços que atendem a produtos específicos, como é o caso dos produtos congelados, que no início dos anos 1980 possuía ...

[...] moderno frigorífico operado pela empresa Frigobrás ... com capacidade para 7.000 toneladas, e as bobinas de papel que passam a ser movimentadas com exclusividade através de uma armazenagem de 4.000 metros quadrados, localizada na faixa portuária, e outra unidade de 5.200 metros quadrados, construída .. pela empresa Klabin (PARANÁ, 1982, p.60).

Em função do potencial de conteinerização de cargas operadas no porto também havia demanda para construir 350 metros de cais, cerca de 14.000 m2 de pátio, bem como a PORTOBRÁS58 avalizava a viabilidade técnica da instalação de uma empresa especializada na operação de contêineres (PARANÁ, 1982, p.97).

Por fim, havia o projeto de integração e redefinição de funções entre os portos do Paraná, tendo em vista o desafogamento do sistema e a melhoria dos resultados operacionais. Todavia, o que se observa nos documentos oficiais de planejamento, até o início dos anos 1990, é uma tônica de divisão de responsabilidades entre o

57 Os novos vetores que impactaram estruturalmente o Porto de Paranaguá nos anos 1990 são discutidos no capítulo 3, o que se refere tanto às influências externas decorrentes da inserção internacional, do novo marco regulamentar que afeta ao setor portuário, como às estratégias corporativas naquilo que envolve o espaço portuário.

58 A Portobrás (Empresa de Portos do Brasil) era a empresa pública responsável por centralizar o sistema portuário brasileiro até o início dos anos 1990.

público e o privado que foi alvo de alterações progressivas ao longo dos anos 1990, em função do novo contexto nacional, do novo marco legal e da destituição dos organismos planejadores acima referenciados.

No contexto dos anos 1990 deixou de vigorar o dirigismo estatal que havia definido o desenho das interligações viárias e promovido um grau relativamente elevado de especialização dos portos. O que permite concluir que passaram a vigorar novos estímulos no que se refere à integração desse território, compreendido como hinterlândia do porto de Paranaguá. De um lado, o perfil graneleiro do porto associado à importância econômica do estado do Paraná como exportador de produtos primários semi-elaborados tende a manter ligados os produtores de commodities ao porto. De outro lado, a diversificação produtiva do estado e a precariedade das ligações viárias interestaduais e transfronteiriças, associadas ao contexto competitivo tende a dissolver as relações com parte dos produtores que compõem a área de influência59, dentro e fora do estado do Paraná.

59 Para Pizzolato et.al.(2010, p.554), a nova etapa promove o fim da área de influência cativa de cada porto, o que se torna mais visível para os portos cujos fluxos são predominantemente de contêineres.

CAPÍTULO 03 – O PORTO DE PARANAGUÁ NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO: REFORMA PORTUÁRIA E A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DOS ATORES NO ESPAÇO PRODUTIVO

As transformações econômicas desencadeadas no Brasil ao longo dos anos 1970 e 1980, ainda que tenham sofrido retrocessos em função das contingências da economia internacional, foram responsáveis por redesenhar o espaço produtivo. O que se pode identificar, a partir da análise do processo de modernização produtiva no interior da hinterlândia do porto de Paranaguá, é que a interligação entre os pontos nodais promoveram os fluxos responsáveis por consolidar interconexões territoriais. Ao fazê-lo, também reforçaram a centralidade dos arranjos urbano-regionais que exercem as principais funções na região. No caso do recorte territorial analisado historicamente, foi possível observar a interrelação produtiva/econômica e política/gestão na conformação de uma relação em rede. Pode-se dizer, que as forças de conexão correspondem a um conjunto de verticalidades criadoras de interdependências, que são “tanto mais numerosas e atuantes quanto maiores as necessidades de cooperação entre lugares” (SANTOS, 2006, p.284).

A interdependência congrega, por sua vez, um conjunto de relações hierarquicamente instituídas que podem se alterar ao longo do tempo. A própria rede de cidades e o papel que cada uma das componentes executa, seu raio de influência, a capacidade de agregação de atividades, e mesmo a atratividade frente ao fluxo populacional, são elementos que contribuem para a definição das relações de poder e a hierarquia no território organizado em rede. Para Santos (2006, p.

285),

[...]a hierarquia se realiza através de ordens técnicas, financeiras, políticas, condição de funcionamento do sistema. A informação, sobretudo a serviço das forças econômicas hegemônicas e a serviço do estado, é o grande regedor das ações que definem as novas realidades espaciais. Um incessante processo de entropia desfaz e refaz contornos e conteúdos dos subespaços, a partir das forças dominantes, impondo novos mapas ao mesmo território. E o crescente processo de homogeneização se dá através de um processo de hierarquização crescente.

Ao promover o aprofundamento da integração territorial e criar novos vínculos econômicos, foram estimuladas novas conexões políticas e arranjos sociais derivados do processo de ocupação, migração, empoderamento ou esvaziamento, que perpassaram diversas frações dos espaços transformados pelos estímulos desencadeados no período. Para Becker e Egler (2010), a integração territorial tal

como fora desenhada nos anos 1970, no contexto do regime autoritário, envolveu a

“incorporação de espaços vazios” como parte de um projeto geopolítico vinculado à modernização capitalista, bem como a ascensão à condição de potência regional.

Nesse contexto, a emergência do Brasil como “semiperiferia na economia-mundo alterou a dimensão de seu mercado nacional” (BECKER; EGLER, 2010, p.225). Os autores lembram que a consolidação dos complexos industriais, que se instalaram no país, ocorreu em concomitância com a conquista de fatias de mercado externo.

As contradições inerentes ao papel de potência regional advêm do fato de que sua posição no mercado mundial depende tanto da ação do Estado-nação, como da capacidade competitiva das empresas sediadas no território nacional.

O entrelace dos dois fatores definidores da posição de potência regional no caso brasileiro foi fruto da articulação das políticas de modernização, que induziram os investimentos produtivos em seu processo de relocalização, vinculado à meta de desconcentração econômica (BECKER; EGLER, 2010). Nos anos 1980, a crise externa contribuiu para reduzir a capacidade do Estado-nação de articular o caminho do desenvolvimento. Em contrapartida, o fortalecimento do poder corporativo, resultante do modelo baseado no dirigismo estatal, ampliou a capacidade de territorialização das empresas, no mesmo período.

A partir desse quadro é que a questão central discutida nesse capítulo se vincula aos reflexos territoriais, seja em termos de fluxos econômicos, seja em termos de novos fixos instalados no espaço portuário e na cidade de Paranaguá, que expressam as novas dinâmicas que se estabelecem a partir dos anos 1990. As mudanças fundamentais, por sua vez, foram desencadeadas no período que a fragilização do Estado-nação se expressou por meio de um conjunto extenso de redefinições de ordem institucional. Nesse contexto, é possível destacar a reforma portuária, responsável por estabelecer o novo marco legal no início da década de 1990, como um indicador da mudança sistêmica. Esta, por sua vez, possibilitou a ampliação da atuação do setor privado e, por conseguinte da territorialização corporativa.

Acerca do novo marco legal que afetou o setor portuário, é destacável o fato de que em 1990 havia sido extinta a empresa que aglutinava o sistema portuário nacional, a Empresa de Portos do Brasil (PORTOBRÁS). Assim, ficaram órfãos, dentro da estrutura burocrática do Estado brasileiro, os departamentos e companhias docas. Nesse contexto, havia um consenso no que se refere à proposta

de estadualização, considerada a forma mais eficaz para garantir o aumento de eficiência dos portos60. Entre 1990 e 1993 vigorou um vazio na estrutura, um processo de redefinição e de indefinição para o sistema nacional. Em 1993 foi instituída a Lei de modernização portuária (Lei 8.630), cuja tese fundamental se relaciona a ampliação da ação do setor privado.

Interessa compreender os elementos estruturantes da reforma, bem como sua implementação (gargalos, resistências e avanços). Todavia, antes disso, é preciso observá-la como sintoma de um processo de transformação de maior amplitude. O que significa buscar o âmago do processo de transformação que parte da escala global e se instala no cotidiano local. Conforme discutido anteriormente, a transformação do porto de Paranaguá em um porto graneleiro consistiu na resultante, em escala local, de transformações movidas tanto pelo nível federal, como estadual. Estas, por sua vez, estiveram vinculadas à busca por reposicionamento na divisão internacional e interna do trabalho. Resta então, desvelar no contexto dos anos 1990, quais foram os propulsores internos e externos de mudanças. Ademais, é preciso que se frise, que nem todos os processos representam rupturas, em grande medida são conseqüências, materializações de tendências verificadas ao longo do processo em análise.

Para Santos (2008, p. 139), à medida que o território é atualmente organizado tanto por lugares contíguos, como por lugares distantes através da rede, são estabelecidas novas formas de acontecer solidário. São três as formas de acontecer solidário no contexto atual, dentre as quais estão o acontecer homólogo (dirigido pela especialização dos lugares); o acontecer complementar (que propicia as trocas complementares entre lugares contiguamente posicionados); e o acontecer hierárquico (resultante da racionalização das atividades, que requer comando concentrado, que induz o pensamento à homogeneização, produzindo “sentido à vida dos homens e à vida do espaço”) (SANTOS, 2008, p.140).

Sob a lógica do acontecer hierarquizado se estabelece um movimento dialético no território, expresso pela dissociação entre os elementos que estão sob o controle local, a parcela técnica da produção, e os elementos que estão sob o controle remoto, vinculado à parcela política, decisória da produção. A

60 No caso do porto de Paranaguá a Administração dos Portos (APPA) é uma autarquia estadual criada em 1947, portanto, sua condição institucional precede ao contexto mais geral propugnado no início dos anos 1990.

universalização do mercado é a chave para que esse processo se materialize. Para Santos (2008, p. 143),

[...] na democracia de mercado, o território é o suporte de redes que transportam regras e normas utilitárias, parciais, parcializadas, egoísticas (do ponto de vista dos atores hegemônicos), as verticalidades; enquanto as horizontalidades, hoje enfraquecidas, são obrigadas, com suas forças limitadas, a levar em conta a totalidade dos atores.

No caso do porto de Paranaguá, os vetores de transformação dos anos 1970 e 1980 impuseram um papel preponderante das verticalidades na conformação de seu papel econômico, ligando-o a um espaço produtivo, em grande medida, desconexo da cidade que o abriga. No contexto atual, marcado pela “universalização do mercado”, ou para utilizar o termo corrente, pela globalização, observa-se o reforço do controle remoto, da solidariedade hierárquica. A análise do porto e, do espaço produtivo, em especial da economia do estado do Paraná, ao qual se liga física e politicamente, expõe regionalmente a inserção do Brasil no quadro da economia mundial.

Nesse sentido, a adoção do conceito de “semiperiferia”61 para designar o caso brasileiro na etapa que sucedeu à implementação do PSI, como fazem Becker e Egler (2010), torna impositiva a investigação das decorrências duais que envolvem estar no centro e na periferia. Sobretudo, requer que se compreenda quais são as cadeias produtivas que passam a delimitar o território analisado no contexto atual.

Conforme Santos (2008, p.138), “hoje, quando vivemos uma dialética do mundo concreto, evoluímos da noção, tornada antiga, de Estado Territorial para a noção pós-moderna de transnacionalização do território”.

A transnacionalização do território a que se refere Santos (2008) constitui mais um dos processos que não afetam todas as porções do globo e da nação de forma homogênea. Todavia, é possível perceber que mais uma vez o complexo portuário constitui um espaço privilegiado, no sentido de possibilitar a elucidação das relações de força políticas, sociais e econômicas. À medida que o novo marco legal, instaurado nos anos 1990, provocou a destituição da condição fidelizada da hinterlândia com os portos de corredores, e promoveu a descentralização do sistema

61 O conceito de semiperiferia faz parte da teoria do “sistema mundo” desenvolvida por Immanuel Wallerstein, como já apontado anteriormente, e representa uma classificação distinta daquela baseada na dicotomia centro-periferia presente nas teses da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL). Os países que compõem a semi-periferia possuem, sob sua jurisdição, tanto as atividade centrais das cadeias produtivas (de algumas delas), como as atividades periféricas (WALLERSTEIN, 2003).

portuário nacional, abriu espaço para redefinir o jogo de forças dentro dos espaços portuários. É exatamente isso que se pode vislumbrar no caso do Porto de Paranaguá, uma resposta em termos de redefinição territorial, que se expressa na organização do seu espaço físico.