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GASTO PÚBLICO DESCENTRALIZADO E TRANSBORDAMENTOS ESPACIAIS

3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO GASTO PÚBLICO DESCENTRALIZADO

3.2 GASTO PÚBLICO DESCENTRALIZADO E TRANSBORDAMENTOS ESPACIAIS

Wallace Oates (1998) defendeu a eficácia do investimento descentralizado para a efetivação do bem-estar. A análise baseia-se na natureza dos ganhos advindos da descentralização fiscal. Tais ganhos seriam oriundos das variações na demanda por bens públicos e nos diferenciais de custos de produção de tais bens através das jurisdições. Os governos locais estariam mais próximos da população e possuiriam maior conhecimento das preferências locais e dos custos em relação ao governo central. No entanto, o modelo desenvolvido por Oates desprezou o efeito dos transbordamentos dos benefícios e custos entre as jurisdições.

Charles Tiebout (1956) construiu seu modelo partindo da ideia de que o consumo de bens públicos locais está sujeitos a economias externas. Desse modo, os custos e benefícios podem

ultrapassar o limite das jurisdições. Tiebout critica o método político de revelação das preferências por bens públicos. O autor defende que o consumer-voter move-se para as comunidades em que a oferta de bens públicos satisfaz as suas preferências. Apesar dos pressupostos pouco realistas do modelo, este teve influência na literatura sobre finanças públicas que trata de questões sobre os chamados efeitos de transbordamento (spillover effects). A solução dada pela literatura partiria da utilização de instrumentos pelo governo central tais como subsídios e outros, para que as jurisdições pudessem internalizar os benefícios e custos dos investimentos das localidades vizinhas.

Tiebout foi o pioneiro na exploração das relações existentes entre o gasto público local e a dinâmica espacial dos agentes econômicos. Em seguida, Oates e Brandford (1974) exploraram as relações entre os serviços públicos prestados entre as jurisdições vizinhas e as implicações em termos de bem-estar. Os autores se basearam na evidência empírica de uma espécie de “exploração” envolvendo dois agentes locais vizinhos. Desse modo, considerando que os indivíduos das comunidades suburbanas utilizam os serviços públicos providos por uma cidade centro, e depois retornam às suas residências onde a tributação local é mais branda. A questão central é buscar uma equalização da despesa per capita entre os residentes de jurisdições vizinhas para evitar o problema do free-rider. A conclusão do trabalho está centrada num redesenho da estrutura governamental para permitir ganhos de bem-estar aos residentes de jurisdições vizinhas.

A partir da análise seminal de Tiebout, uma importante literatura no campo das finanças públicas vem estudando a interação espacial na despesa pública local juntamente com elementos de economia urbana. Essa área estuda a estrutura espacial urbana entre os indivíduos e as organizações para entender as motivações econômicas, subjacentes à formação, funcionamento e desenvolvimento das cidades16. Dentro dessa estrutura são inseridos os problemas relacionados às finanças públicas locais. A análise sobre a eficiência dos governos locais vem sendo conjugada com a dos aspectos espaciais, em particular, os efeitos de transbordamento do gasto público local. A compreensão dos canais de transbordamento está entre os principais elementos de análise de linha de pesquisa.

O efeito de transbordamento ocorre porque alguns gastos do governo local podem impulsionar (efeito positivo) ou restringir (efeito negativo) as despesas públicas locais dos vizinhos. O efeito de interação depende da característica do bem público que é objeto do gasto. Quando os bens apresentam características complementares, normalmente a despesa pública aumenta em mais de uma jurisdição. É o caso, por exemplo, de uma estrada que corta duas localidades. No entanto, se os bens apresentarem atributos de concorrência, a despesa pública aumenta em uma localidade e diminui em outra. No caso de serviços de saúde, educação e habitação, por exemplo, se estes não forem uniformemente distribuídos entre as jurisdições, pode haver incentivos para que a jurisdição com serviços menos atraentes aloque seus recursos em outras funções. Desse modo, pode haver uma interação estratégica entre o gasto local de duas jurisdições em que o resultado final gera externalidades e consolida um padrão indesejável e abaixo do nível socialmente ótimo.

Weisbrod (1964) foi um dos pioneiros nesta área de pesquisa. O objetivo do autor foi verificar como os efeitos de transbordamento educacionais dos distritos escolares locais afetam a eficiência alocativa das jurisdições. Estes efeitos são interpretados como externalidade, já que não são capturados na ocasião da formação do processo de decisão dos investimentos. O trabalho do autor conclui que as despesas locais com educação oferecem benefícios a outras comunidades, através da migração de população educada. Os benefícios surgem através do aumento nas receitas fiscais devido aos ganhos crescentes de produtividade em função da elevação nos índices de educação. O autor conclui que as despesas com educação são menores em estados com altas taxas de migração para fora, o que confirma a hipótese de interação espacial no gasto público.

Case et al. (1993) utilizaram uma amostra de 48 estados americanos no período de 1970 a 1985 para investigar como os gastos do governo interagem espacialmente com a despesa de outros estados. A partir de uma modelagem econométrica espacial padrão17, os autores notaram que os transbordamentos de algumas despesas podem ser complementares e outras substitutas. A partir da desagregação das categorias de despesas, como por exemplo, gastos em saúde, serviços humanos, administração e rodovias, os respectivos efeitos de transbordamento foram catalogados individualmente. Os resultados mostraram efeitos de

17 No caso deste estudo, foi utilizada uma matriz de pesos especiais especificada com base em características demográficas. Para uma revisão dos modelos empíricos de interação estratégica entre os governos ver BRUECKNER (2003).

vizinhança significantes, e que não existe uma categoria que domine isoladamente com relação aos efeitos de transbordamento.

Apesar dos avanços nessa literatura, poucos trabalhos exploram a relação espacial do gasto público local categorizado enquanto investimento público. A maioria dos trabalhos agregam os itens de despesa orçamentária ou exploram os gastos por funções tais como, os gastos em segurança, educação, saúde e etc. Isso ocorre em virtude de as estatísticas oficiais disponíveis nos países não desagregarem tanto os dados. A implicação disso é que os trabalhos empíricos não conseguem pormenorizar a análise por categoria de despesa e função simultaneamente.

Pereira e Sagales (2003) fornecem evidências sobre a existência de spillovers regionais na formação bruta de capital local em dezessete regiões da Espanha. A partir de um modelo VAR (vetor auto regressivo) para cada região espanhola, os autores identificaram os efeitos de transbordamento do investimento público em cada região. A análise é baseada numa função impulso-resposta associada a cada modelo VAR das regiões específicas. O objetivo dos autores foi captar a resposta ao longo do tempo de choques no capital público formado na própria região, bem como choques associados ao capital público instalado fora da região. Os resultados econométricos da estimação sugeriam que, exceto para uma das regiões, o produto regional é afetado positivamente pelas inovações no capital público fora dessa mesma região. Os resultados sugerem que existem efeitos de transbordamento do capital público entre regiões. Os autores também mostraram que existe um padrão de interação espacial entre as regiões espanholas. As regiões localizadas na periferia da Espanha apresentaram efeitos de transbordamento do capital público mais fortes do que os efeitos diretos do capital público da região. Esse padrão geográfico dos transbordamentos revela que a acessibilidade das regiões periféricas da Espanha depende criticamente do resto da rede de infraestrutura pública instalada no resto do País.

O trabalho de Yu et al. (2011) investigam a hipótese de interação espacial no investimento público entre as jurisdições chinesas. Assumindo o problema do free rider, no sentido de que os governos locais incorporam as decisões de gasto de infraestrutura de seus vizinhos, o trabalho introduz um modelo espacial simples, em que as despesas em investimento estão sujeitas a um jogo estratégico. Os municípios estariam engajados em interações estratégicas na determinação de quanto gastar no investimento. A partir de um banco de dados de corte transversal relativos a 242 cidades chinesas no ano de 2005, os autores incorporaram

autocorrelação espacial na variável dependente de um modelo de regressão linear simples. Os resultados indicam uma significante dependência espacial nos gastos com investimento. Além disso, também foram efeitos significantes de variáveis demográficas, econômicas18 e as dummies regionais.

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